segunda-feira, 18 de abril de 2016

O diário de um sonho








Inicialmente, comecei a escrever esses relatos com a intenção de futuramente lançar um livro, porém depois de anos e anos tentando com várias editora não tive retorno de nenhuma que se interessasse pela história. Sendo assim, resolvi criar esse blog para assim como eu, outros amantes de carros antigos em geral (originais ou não) poderem ler e ver as fotos de uma história real da realização de um sonho.
Espero que gostem e boa leitura.
                                                     

Sinopse

Rodder, na linguagem dos antigomobilistas, é uma pessoa que admira ou constrói carros antigos modificados.
Hot Rod ou Street Rod são os carros antigos modificados ou criados e admirados pelos rodders.
Nesse relato, o autor tem desde sua infância o sonho de encontrar, comprar e restaurar um carro da década de 50, porém, para isso, ele tem que enfrentar sua família que é totalmente contra.
Outro obstáculo é sua situação financeira, a qual não o ajudava a realizar seu sonho.
Finalmente, depois de muitas procuras e aventuras, quando ele consegue realizar seu sonho de comprar seu carro antigo, vem a parte mais complicada: a restauração.
Entre trabalho, família, estudo e vida social, ele ainda tem que encontrar tempo para restaurar o carro e durante esta restauração, alguns acontecimentos transformam seu maior sonho em seu pior pesadelo e mudam radicalmente seus planos.

Confira essa história, de um sonho que se tornou realidade depois de muitos anos de trabalho e dedicação de um rapaz de família humilde, que ousou sonhar um sonho quase impossível.


O que você seria capaz de fazer para realizar o sonho da sua vida? O que deixaria para traz? Amor? Família? Amizade?

Mas será que tudo isso valeria o esforço?
A partir de agora, acompanhe a historia da realização de um sonho que mudou minha vida.

Prefácio.

Todos temos sonhos, alguns pequenos, outros grandes e até mesmo alguns impossíveis de se realizar, mas nunca impossíveis de serem sonhados. Meu sonho sempre foi ter um carro antigo da década de 50, um sonho simples para alguns, mas quase impossível para um adolescente, filho de pessoas muito humildes que “deram a vida” para criar e educar seu único filho com sabedoria e honestidade.
Vou contar uma história real, sobre a realização de um sonho, desde a compra até a restauração de um carro, mas não um carro comum e sim um carro antigo, um sonho de infância, o meu sonho de infância. Mas você deve estar pensando que qualquer um pode restaurar um carro antigo, basta ter o carro, dinheiro e paciência! E o que pode haver de “interessante” nisso?
Acredito que cada carro que é restaurado ou simplesmente reformado tenha uma ou outra história para contar, seja ela curiosa, engraçada, triste ou simplesmente um pequeno fato ocorrido.
Nas minhas andanças em busca de carros antigos, me deparei com várias situações inusitadas, lembro-me de um Simca 1964 que estava abandonado em uma chácara onde um dia funcionou uma oficina de “fundo de quintal” e quando perguntei o que havia acontecido ao dono da chácara, fiquei sabendo que o proprietário do carro havia falecido e a viúva em questão, não quis nem saber de ir buscar o carro, deixando-o abandonado nessa chácara! Qual seria o motivo? Até hoje eu não sei. O dono da chácara só sabia que o falecido proprietário havia levado o carro para fazer funilaria e pintura, mas o dinheiro acabou, o projeto ficou parado durante anos e o velho Simca acabou ficando abandonado depois da morte de seu proprietário.
Ele até chegou a entrar em contato coma a viúva, depois de algum tempo, pois o carro já começava a se desfazer no sol e chuva, mas a mesma disse que iria pedir para uns dos filhos para retirar o carro da chácara, fato esse, que nunca aconteceu.
E por falar em carro parado, havia um Dodge Dart que ficou anos parado sobre cavaletes num estacionamento de uma danceteria no interior de São Paulo. Esse carro estava totalmente original e com uma quilometragem baixíssima e para conservá-lo, o proprietário colocou uma capa sobre o carro. Só isso já bastava para mantê-lo em condições de futuramente, voltar a rodar normalmente, mas seu proprietário, muito zeloso queria mais e encheu o motor com óleo até a altura das tampas de válvulas, para evitar que o motor travasse e passou nos bancos uma espécie de gordura vegetal para proteger os bancos e as laterais das portas de rachaduras, que poderiam ser causadas devido ao calor excessivo onde o carro ficava (na época não era um local coberto).
O tempo passou e esse carro foi ficando no sol e chuva durante anos até que o proprietário se deu conta de que não tinha mais condições de cuidar do carro e decidiu vendê-lo. O comprador (amigo meu) comprou o carro sem vê-lo, pois já o conhecia de longa data e sabia dos cuidados de seu zeloso proprietário.
Quando ele recebeu o carro em casa, rebocado, teve uma surpresa ao ver o estado real do carro. Além dos podres nas caixas de roda e todo assoalho do carro, o motor teve que ser todo aberto, pois o óleo usado não era específico para motor e se transformou em uma pasta, obstruindo a passagem de óleo em todo o motor, sem falar do interior do carro que teve de ser todo refeito, pois a gordura vegetal aderiu aos bancos devido ao calor excessivo em que foi submetido durante anos parado. Resumindo, ele pensou que estava comprando um carro que ficou guardado durante anos totalmente original e acabou tendo que fazer o carro inteiro.
Também já vi um caso de um amigo, que prefiro não citar o nome, dono de alguns carros antigos, em que a esposa chegou a colocá-lo, “contra a parede” com a pergunta que muitos “amantes” de automóveis temem em ouvir:
- Ou eu ou o carro? E ele acabou se desfazendo dos veículos que tinha, pois além da esposa, tinha também os filhos para cuidar.
Também conheço um senhor que acabou comprando vários carros antigos para restaurar e acabou ficando sem condições financeiras para a restauração. Com pena de se desfazer de um dos carros, acabou deixando-os estacionados em frente a sua casa até que os mesmos começaram a enferrujar e até mesmo a se desfazer devido à ação do tempo. São tantas histórias que daria para escrever um livro e sendo assim, há muito tempo pensava em escrever sobre as histórias ocorridas durante a restauração do meu antigo carro, um Dodge Kingsway 1957 que levei aproximadamente nove anos para deixar em estado de novo.
São relatos interessantes, alguns engraçados, curiosos e outros nem tanto, mas, todos são fatos reais, que expressam meu ponto de vista sobre um assunto que ao mesmo tempo em que, encanta milhões de pessoas, passa despercebido por uma maioria ainda mais significativa, que somente admiram o trabalho realizado após sua conclusão.
Estou falando sobre restauração de carros antigos.
No decorrer dessa história, vou citar alguns nomes, que sei que posso relatar e outros que prefiro não mencionar, sendo que vou simplesmente abreviá-los, assim como algumas oficinas e empresas que serão mencionados aqui.
Durante o processo de restauração, “caiu sobre mim” uma dúvida que me deixou entre a “cruz e a espada”. Deveria restaurar o carro totalmente original ou transformá-lo em Street Rod, conforme meu gosto pessoal e minha necessidade?
Durante meses antes de iniciar o árduo trabalho que teria pela frente, pensei muito sobre esse assunto e coloquei as “cartas na mesa”, sobre todas as dificuldades e problemas que teria futuramente, em ambos os casos e após decidir um método de trabalho, foi necessário traçar um cronograma do que seria realizado, que logicamente, durante o decorrer dessa historia, vai ficando evidente que nada saiu como havia previsto. Mas antes de falar sobre todo o processo de restauração, achei necessário descrever um pouco sobre minha vida, para que todos possam entender o porquê de ter realizado esse projeto, da maneira como foi realizado e essa “louca paixão” por carros antigos, pois desde que me lembro, minha vida sempre se misturou a carros antigos e musicas antigas. Espero que gostem, pois são resumos de muitos anos da realização de um sonho pessoal.
As fotos que aqui estão ilustradas são do meu arquivo pessoal, nem todas são de boa qualidade, pois não havia na época, câmeras digitais, sendo que algumas são digitalizadas de velhos álbuns de fotos, então já peço desculpas antecipadamente pela qualidade das mesmas. Já os carros foram fotografados durante o processo de restauração do Dodge, sendo assim não sei dizer o nome de todos os proprietários, mas os que eu souber, serão abreviados, para evitar assim, algum tipo de inconveniência para seus proprietários.
Deixo aqui registrado um agradecimento primeiro a Deus, por ter me dado forças, paciência e sabedoria, nos momentos mais difíceis, pela ajuda de meu pai, José Luiz Ortolani, com quem passei muitas horas, planejando e discutindo as etapas do processo de restauração, pela paciência que muitas vezes minha mãe Vera Lucia e minha esposa Flávia quase perderam e a todos que me ajudaram e me incentivaram, mesmo quando me chamavam de louco! Pois isso servia de incentivo e aumentava ainda mais meu desejo de ver esse sonho realizado.

O começo de tudo.


Dizem que Brasileiro é apaixonado por carro e acredito fielmente nessa frase, pode ser um garoto que acabou de comprar seu primeiro carro zero quilometro e já tem em mente modificá-lo conforme seu gosto e condição financeira ou aquele que tem na lembrança uns modelos mais antigos, que seu avô ou mesmo seu pai tiveram no passado e teve a oportunidade de comprar um modelo igual, seja um Chevrolet Opala, Um Ford Maverick ou mesmo um simples Wolksvagem Fusca. É exatamente aí que começa uma paixão diferente, a paixão por carros antigos.

Conheço vários colecionadores de carros antigos que possuem desde um singelo trio de Fuscas, muito bem restaurados e conservados, a até colecionadores que podem se dar ao luxo de possuir uma coleção de carros raros, alguns únicos no Brasil, porém todos possuem algo em comum, o amor por carros antigos. Já o termo colecionador, acredito eu que pode-se aplicar a qualquer pessoa que possua um carro antigo, mesmo que essa possua apenas um carro antigo, pois toda coleção começa com um “primeiro” carro.
Existem também vários tipos de colecionadores, aqueles que gostam de restaurar seus carros pessoalmente, na garagem de sua casa, sozinhos ou com ajuda dos filhos, ou mesmo com a ajuda de especialistas no assunto, ou aqueles que preferem entregar um carro completamente deteriorado pela ação do tempo a uma empresa especializada em restauração e receber o carro completamente restaurado, como quando saiu da fábrica ou até mesmo os que preferem comprar ou importar um carro já pronto, pagando simplesmente as taxas de impostos e os tramites legais cobrados para tal ação e receber o modelo de seus sonhos na porta de sua casa já pronto, sem o transtorno de uma restauração ou reforma.
Não sei especificar ao certo quando começou essa minha “paixão” por carros antigos, não acordei simplesmente num dia e disse para mim mesmo: hoje vou comprar um carro antigo! Isso vem desde minha infância. Lembro-me que quando criança cresci em uma fazenda, cercado por coisa antigas, mas o mais próximo que havia chegado de um carro antigo foi através de um pneu faixa branca com o qual brincava no quintal da casa de minha avó materna, Dona Zilda, onde passei a maior parte da minha infância.
Meus avôs, ambos maternos como paternos, nunca tiveram carros, ambos nasceram, cresceram e viveram em fazendas, onde andavam a cavalos, charretes e troles, sendo que apenas meu pai, depois de adolescente, consegui comprar alguns carros.
No ano em que nasci meu pai possuía um Opala 1975, que depois foi trocado por um Fusca 1971, que depois de algum tempo, foi vendido para meu tio. Depois disso, meu pai acabou comprando outro Fusca do ano de 1983, que devido a sua confiabilidade mecânica e sua fácil manutenção, permaneceu na família durante anos, foi nele em que aprendi a dirigir com quinze anos de idade, nessa época, nossas condições financeiras não eram das melhores.

Na foto, eu quando criança, na casa de meus avós maternos, reparem ao lado o pneu faixa branca com o qual brincava.


Acima, fotos do meu pai junto de minha mãe me segurando no colo

E nessa foto, eu todo sorridente dentro do Opala.

Esse sou eu sentado no capô do Fusca.

Nessa foto aparecem, minha mãe, eu e minha tia junto do fusca. Ambos carros que foram do meu pai.


Sabendo da nossa situação financeira, aos quinze anos de idade, consegui meu primeiro trabalho registrado em um hospital, como atendente de enfermagem. Não foi por opção e sim por necessidade que fiquei nesse emprego, mas na verdade, já trabalhava desde os sete anos de idade, dividindo o tempo entre o corte de cana-de-açúcar e a escola, depois passando a lavador de carros, e finalmente aos treze anos, entregador de compras em um supermercado, mas todos esses trabalhos foram sem registro em carteira profissional.
Minha família sempre foi humilde, o que meu pai e minha mãe ganhavam, dava para passar o mês, e cresci ciente dessa situação, tanto que quando criança construía meus próprios brinquedos, desde caminhões a até miniatura de usinas.
Com meu primeiro emprego registrado e com quinze anos de idade, já planejava comprar um carro antigo para restaurar. Não sei de onde surgira essa idéia, acredito que o primeiro carro antigo que vi, foi numa revista que encontrei por acaso, era um Chevrolet Bel Air 1957 preto quatro portas com coluna, com mecânica V8 de Chevrolet. Tenho essa revista guardada até hoje. Sempre ajudava em casa na questão de dinheiro, e o pouco que sobrava, comprava algumas revistas de carros, da mesma que havia encontrado o tal Bel Air 1957, mas na mesma só saia uma matéria por mês sobre carros antigos e a maioria eram “Fordinhos” da década de 30.
Era difícil encontrar revistas que abordassem o tema "carros antigos" nessa época! Comprava uma ou outra que traziam apenas uma matéria em cada edição, mas foram com essas mesmas revistas que comecei também a me interessar por mecânica automotiva.
Acabei me inscrevendo num curso por correspondência de mecânica de autos, já que aqui na cidade, não havia nada desse tipo de estudo, mas devido à falta de tempo, acabei não concluindo o curso, pois estava trabalhando doze horas diárias e estudando durante a noite, mesmo assim fiquei com os livros e os lia durante os poucos finais de semana em que tinha folga.
Sempre deixei claro para minha família, minha paixão por carros antigos, que por sinal, assim como o gosto por músicas dos anos 50, não sei de onde surgiram, nunca tive contato com nenhum carro antigo ou música dos anos 50, meu pai sempre teve carros “normais” para a época e também sempre foi contra a compra de qualquer carro antigo, assim como as músicas que cresci ouvindo eram as sertanejas, hoje chamadas de sertanejas raízes, ou algumas bandas da “atualidade”, graças à ajuda das minhas tias que adoravam ouvir rádio.
Voltando um pouco mais no tempo, lembro-me de que quando tinha uns doze anos, não tinha um estilo de vida, assim como qualquer adolescente no final da década de 80, estava descobrindo um mundo diferente do que acreditava existir quando criança, mas isto estava para mudar. Numa noite de sábado, estava no meu quarto sem ter muito o que fazer, pois havia acabado de chegar do trabalho e estava ouvindo música, na verdade, procurando estações, pois numa cidade de interior, nos anos 80, não havia muita opção musical, eram as musicas sertanejas ou as internacionais do momento, como Madona e Michel Jackson que estavam na moda.
Foi aí que encontrei uma estação que estava tocando uma música com um ritmo diferente de tudo que já tinha ouvido até então, era o Rock’n Roll. Fiquei “maluco” com aquele tipo de música, peguei a primeira fita cassete que encontrei na frente (que na verdade era uma fita do Amado Batista que pertencia a minha mãe) e comecei a gravar essas músicas até o fim do programa, que para minha decepção não durou mais que meia hora!
Nem sequer mudei da estação, todos os dias, no mesmo horário, ficava ouvindo e preparado para gravar mais daquele tipo de música, mas novamente para minha decepção, nunca mais ouvi nada do gênero nessa estação, parece que foi apenas um programa especial de uma hora sobre os anos 50. Mas as musicas que ouvi me marcaram para sempre. Nunca mais me esqueci, principalmente de Rock Around The Clock de Bill Haley e It’s Too Late de Chuck Willis, a qual levei mais de quinze anos para ouvir novamente em CD.
Por mais estranho que possa parecer, tive uma afinidade muito grande com esse tipo de música, como se já tivesse ouvido antes, parece que me trazia algum tipo de recordação ou algo parecido que não sei como explicar! Por exemplo, sabe quando você vai a um lugar pela primeira vez na vida e tem a impressão de que já esteve lá antes? Então, era um sentimento parecido.
Então resolvi pesquisar a fundo os chamados anos dourados, nome esse pelo qual ficou conhecida a década de 50, através de filmes que tinham carros antigos e músicas dos anos 50 e 60 no enredo. Lembro-me de filmes do tipo: De Volta para o futuro, O Retorno de Valentino, A Primeira transa de Jhonathan, que apesar do título, era uma comédia e Pork’s 1, 2 e 3, entre outros. Mas os filmes que mais me marcaram foram American Grafftit e Christine, o carro assassino, tendo influência direta no meu gosto pelos modelos dos carros.
American Graffiti ou Loucuras de Verão como ficou conhecido no Brasil, foi o primeiro que assisti, mas antes mesmo de ver o filme, já tinha ouvido a trilha sonora na TV! Isso mesmo, na TV. Certo dia, não me lembro porque (acredito que foi obra do destino), antes de ir para a escola, liguei a TV num certo canal e o mesmo estava fora do ar, com algumas faixas coloridas na imagem e tocando a trilha sonora completa do filme, cheguei até a perder a hora de entrar na escola para ficar ouvindo as músicas.
É claro que após assistir ao filme, que deve ter passado umas 100 vezes na “Sessão da Tarde”, fiquei ainda mais empolgado em encontrar para comprar, um Impala 1958 branco, igual ao do filme ou um Chevrolet 1955 preto, também igual ao do filme, isso quando tinha ainda, uns doze anos de idade!
Agora já havia adotado o espírito de rebelde sem causa, nada mais de penteado certinhos e nem roupas da moda que os adolescentes costumavam usar, Havia deixado o cabelo crescer e começado a usar gel, o que me deixava com um topete “de respeito” e com o tempo as costeletas também começavam a aparecer. Parece que quanto mais descobria sobre os anos 50, mais fascinado ficava, chegando até mesmo a dublar o rei do Rock, Elvis Presley em algumas apresentações nos festivais de músicas da escola.
A moda dos anos 50 parecia que também estava tentando voltar, com músicas de comerciais de Guaraná declaradamente inspirados nas músicas dos anos 50 e com um disco chamado Jive Bunny que trazia um remix de várias músicas de cantores dos anos 50. Havia até uma novela chamada Bambolê que retratava a década de 50. 
Alguns cantores também se inspiravam em várias músicas dos anos 50 e 60, uns exemplos disso são as músicas de Léo Jaime como por exemplo “Conquistador Barato”, Patrícia Marx com “A festa Do Amor”, Trio Los Angeles com “Transas e Caretas”, “Te Quero” e sem dúvida a banda mais inspirada nessa época, João Penca e seus Miquinhos Amestrados, isso só para citar alguns nomes. 
Havia mudado o jeito de me vestir, de me comportar e até mesmo de pensar, usava jaquetas de couro, calças jeans desbotadas e sapatos ao estilo dos anos 50. Claro que para um adolescente, agora já no início dos anos 90, chamava muito a atenção, principalmente por usar uma jaqueta de couro, em pleno verão sob um sol de quase 38ºC, As pessoas me olhavam como se estivessem vendo um E.T andando na rua. Mas isso não me incomodava nem um pouco, cheguei até a ter apelidos como Elvis, John Travolta e outros.


  A cima, cena do filme American Graffiti (Em português, Loucuras de Verão de 1973 do diretor George Lucas).

  A cima, cena do filme American Graffiti (Em português, Loucuras de Verão de 1973 do diretor George Lucas).

  A cima, cena do filme American Graffiti (Em português, Loucuras de Verão de 1973 do diretor George Lucas).

  A cima, cena do filme American Graffiti (Em português, Loucuras de Verão de 1973 do diretor George Lucas).

 A cima, cena do filme American Graffiti (Em português, Loucuras de Verão de 1973 do diretor George Lucas).


Mas sentia que faltava alguma coisa, apesar dos discos de cantores dos anos 50 que estava começando a comprar, do estilo de me vestir e de me comportar, ainda faltava alguma coisa e demorou um pouco até perceber que o que faltava era um carro.
Como já disse, nunca havia tido contato com nenhum carro antigo antes, o primeiro carro usado mais diferente que havia tido contato foi quando estava na quinta ou sexta série da escola.
Quando faltava algum professor, éramos dispensados mais cedo, então eu e um amigo chamado Cléber, ao invés de irmos pra casa, íamos ao ferro-velho do Nenê Possignola, o único da cidade, onde revirávamos todo o ferro-velho em busca de algum carro antigo. Foi lá que vi pela primeira vez um Dodge Charge R/T 1977 preto e um Galaxie 1969 azul claro. 
Nossa! Eles eram enormes se comparados com os padrões dos carros atuais, nunca havia visto um carro assim até então, mas somente o tamanho e o motor V8 me chamavam a atenção.
Não era o tipo de carro que estava procurando, pois apesar de serem carros diferentes dos habituais, eram considerados na época, apenas carros usados, além disso, tinham carrocerias “quadradas” com linhas retas. Procurava por um carro que fosse considerado antigo, mas que também não fosse tão antigo como os da década de 20 ou 30. 
Quando comecei a dizer a todos os amigos do meu gosto por carros antigos, eles começaram a me ajudar (alguns até ficaram "contaminados" por esse gosto também) e sempre que encontravam um carro diferente, corriam até em casa para me dizer. Acredito que com o tempo, todos os meus amigos também acabaram sendo “contaminados” pelo “vírus do carro antigo”.
O Cléber era o maior exemplo disso, tanto que quando éramos adolescentes, (não tínhamos nem carteira de motorista) ele conseguiu emprego numa eletrônica na cidade de Saltinho, interior de São Paulo, bem próximo a Rio das Pedras e certo dia, na sua hora de almoço, ele resolveu verificar um ferro-velho que ficava em frente ao seu trabalho e para sua surpresa, havia um carro antigo parado nesse local. Claro que ele correu no mesmo dia até em casa para me contar e no sábado seguinte pegamos o primeiro ônibus até Saltinho e fomos conferir de perto o tal carro que ele havia encontrado.
O mais interessante é que, nessa época, a estrada de acesso até Saltinho, já bem próximo da cidade, era repleta de carros antigos, simplesmente abandonados (a palavra mais correta seria “se desfazendo”) à beira da estrada, ali podia se ver alguns Ford e Chevrolet dos anos 30 e 40, simplesmente deixados ao tempo de baixo da sombra de grandes árvores.
O carro encontrado pelo Cléber era um Chevrolet 1949 quatro portas que um dia foi verde, mas agora tinha apenas uma pequena parte do que sobrou de sua pintura. Estava encostado ao lado de fora de um grande barracão que havia nesse ferro-velho. Estava com os pneus murchos e provavelmente eles eram mais velhos do que o próprio ferro-velho; tinha o vidro dianteiro do lado do motorista e o quebra-vento do mesmo lado trincado e os outros vidros tão sujos que já estavam ficando até verdes. Perguntei ao dono do ferro-velho se esse carro funcionava (nem sei por que fiz essa pergunta, já era óbvio que ele não funcionava desde que Silvio Santos era camelô) e ele disse que funcionava sim, só precisava de bateria, gasolina e um carburador novo. Quando abri a porta do motorista, o interior do carro estava tomado de mato, havia até chuchu nascendo dentro do carro, pois o mesmo não tinha quase nenhum assoalho, era possível ver até o chassi do carro!
Claro que vendo meu interesse pelo carro o dono logo tentou me “empurrá-lo”, dizendo que se eu quisesse, ele poderia entregar o carro em minha casa no dia seguinte; isso sem que eu tivesse sequer perguntado o preço que ele estava pedindo!
O carro não tinha pára-choque dianteiro, aros de farol, emblemas, frisos, calotas, painel de instrumentos, rádio, aro de volante, maçanetas das portas traseiras e alguns outros detalhes. Já a parte traseira do carro, não era possível ver, pois a mesma estava totalmente tomada pelo mato que insistia em subir até o teto do carro.
Quando abri o capô, percebi que o motor que estava nele era de um Chevrolet Opala quatro cilindros, simplesmente colocado ali no carro, sem câmbio e sem estar preso aos coxins e não estava faltando apenas o carburador, mas, na verdade havia apenas o bloco do motor e faltavam itens como, coletor de escapamento, tampa de válvula, alternador, hélice de radiador, radiador, entre outras coisas.
Depois de ver o estado do carro, ou o que sobrou dele, não tinha interesse nem em saber o preço, pois já havia percebido que esse carro não teria condições de voltar a rodar, a menos que alguém com muito dinheiro o comprasse, o que não era o meu caso.
Dessa forma, como comentei antes, com a ajuda dos amigos, também descobri que em Rio das Pedras haviam alguns carros antigos, como por exemplo, um Ford 1929 que pertencia ao proprietário de uma transportadora, um Ford quatro portas 1935 semi-desmontado, uma Pick-up Chevrolet 1949, um Mercury 1948 coupê e uma pick-up Ford 1936 ambos abandonados em uma casa que era alugada para um clube de adolescentes da cidade, isso também sem me esquecer de um Impala 1958 que pertencia a três irmãos que moravam no centro da cidade. Esse foi o carro que mais me chamou a atenção, além é claro, também, um Simca que também pertencia a três irmãos que moram em uma fazenda aqui da cidade, esse quase zero quilometro, mantém até os plásticos originais de fábrica nos bancos!
Nossa “loucura” por carros antigos era tanta que o Cléber e eu chegamos até a pegar um ônibus para ir até a cidade vizinha só para ver um carro que ficava em uma funerária. Isso mesmo! Numa funerária! 
Todos meus amigos diziam já ter visto esse carro menos nós, então fomos até a cidade vizinha, mesmo sem saber direito onde ficava a tal funerária, para ver o tal carro.
Andamos cerca de trinta minutos, pois a mesma ficava numa avenida que tem início bem na entrada da cidade e cruza o centro da mesma, mas confesso que depois que chegamos até essa funerária, valeu à pena tanto esforço para encontrá-la.
O carro era nada mais nada menos que um Chevrolet 1959 modelo Parckwood que era usado para levar os falecidos mais abonados até sua última morada. Parece sinistro, mas já imaginou o seu último passeio abordo de um Chevrolet 1959?
Pedimos a um funcionário se podíamos ver o carro e fomos muito bem atendidos, acho que mesmo sendo um carro tão chamativo, não haviam muitas pessoas a fim de entrar num carro destes, mas esse não era meu caso, tinha finalmente a oportunidade de ver como era o painel de um Chevrolet 1959 e o Cléber também ficou impressionado com os detalhes desse carro.
Apesar de estar completo e totalmente original esse carro só saia da garagem em casos (ou funerais) muito especiais.
Lembro-me que alguns anos depois, quando já tinha carteira de motorista e estava rodando pela cidade vizinha, cheguei a ver um cortejo fúnebre com esse Chevrolet e depois disso, ele foi vendido e só o vi novamente no encontro Paulista de Águas de Lindóia, SP muitos anos depois, ainda como carro fúnebre.

Chevrolet Parckwood 1959 de uma funerária da cidade vizinha.



Esse belo Chevrolet 1959, era um modelo de carro da década que mais me atraia, a década de 50! E sempre me recordava dos carros do filme American Graffiti e principalmente do filme Christine! Esse carro merecia um livro á parte só pra ele, pois quando assisti pela primeira vez, não sabia que carro era aquele, não sabia de que montadora era, não sabia nada, nem mesmo se o tal carro existia de verdade ou se era mais uma criação do cinema como o Batmóvel ou o Lincoln transformado para o filme “The Car”, mas o que eu sabia muito bem é que eu queria um carro igual aquele, vermelho e branco com o famoso “rabo-de-peixe” da década de 50.

Ford 1935 que estava desmontado e abandonado em Rio das Pedras, SP.

Chevrolet 1958 igual ao que estava numa casa em Rio das Pedras, pertencendo a três irmãos.

  Acima, uma das cenas do filme Christine, o carro assassino.

 Acima, uma das cenas do filme Christine, o carro assassino.

Acima, pôster do filme Christine, o carro assassino.


Então a “loucura” tomou conta de mim, comecei a comprar tudo o que era relacionado ao filme ou ao carro, que com o tempo fui descobrindo de tudo um pouco sobre ele (hoje com a internet é tudo mais fácil, basta digitar o nome e aparece de tudo relacionado ao carro ou ao filme, mas numa época em que não existia internet, as pesquisas eram feitas em livros ou revistas especializadas) , cheguei a gastar metade do salário só pra comprar uma revista antiga importada de cinema que tinha uma foto do carro estampada na capa, mas além de estar tudo escrito em inglês, não tinha nenhuma informação sobre o carro, apenas críticas sobre o filme. Também começava a me desanimar por saber da raridade de um carro desses aqui no Brasil.
Até então, só tinha assistido ao filme uma vez e apenas na TV, e o mais curiosos, foi que na época, nem assisti ao filme inteiro!
Mas tem uma explicação para isso ter acontecido! Quando assisti ao filme pela primeira vez, passou na TV Bandeirantes, na época, no Cine Trash (uma espécie de programação que passava filmes B de terror a altas horas da noite) e no dia em que assisti, o filme começou mais tarde do que de costume e para falar a verdade, além de não ter visto o fim do filme, também perdi o começo do filme, tenho que confessar também, que assisti esse filme por acaso, pois estava assistindo Pork´s (outro filme de comédia que relatava as aventuras de alguns adolescentes da década de 50) em outro canal e quando o filme acabou, já estava me preparando para dormir. Por obra do destino ou não, foi quando mudei de canal e me deparei com dois rapazes discutindo em frente a um enorme carro antigo totalmente abandonado.
Na hora decidi deixar o sono de lado e comecei a assistir aquele filme com um maravilhoso carro antigo vermelho e branco.
Mas tinha que acordar às cinco horas da manhã no dia seguinte, ou melhor dizendo no mesmo dia, pois já passava da uma hora da manhã e por mais que eu me esforçasse para manter os olhos abertos, já estava quase dormindo sentado no sofá da sala.
Os intervalos comerciais da época eram muito demorados, cada um demorava mais de dez minutos para recomeçar o filme, e finalmente na penúltima parte (na época era chamada de parte 5), quando Arnie Cunningham (ator Keith Gordon) é lançado pelo pára-brisa do carro, começou um novo intervalo comercial! E com muita dor no coração (mas com muito mais sono nos olhos) não agüentei esperar para ver o final do filme e fui dormir, imaginando como seria esse final.
Somente quando encontrei o filme numa locadora (anos depois), consegui assisti-lo do começo até o final, e confesso que me doeu o coração ver na última parte, aquele enorme trator de esteiras passando por cima do carro várias vezes (ao som de Rock And Roll Is Here To Stay cantada por Danny & The Juniors), arrebentando seu pára-brisa, furando seu radiador, estourando seus pneus e etc.
Para tentar descrever meu sentimento (sei que muita gente vai dizer: nossa isso não tem nem comparação!), foi como se um amante de animais estivesse vendo um caçador abatendo um pobre animalzinho indefeso e depois arrancando sua pele para fazer um casaco.
Para se ter uma idéia de como fiquei fissurado nesse filme, peguei emprestado um gravador velho que o tio do Cléber tinha na sua casa e comprei uma fita cassete do melhor modelo que era vendida na época, somente para gravar os pequenos pedaços das músicas que eram tocadas no filme (fala sério! isso já beirava quase a loucura!)
Lembro-me que a primeira gravação que fizemos, foi na casa do tio do Cléber, pois ele não queria que o Cléber retirasse o gravador da casa dele. A Gravação ficou horrível e não foi por falta de esforço, pois já estava tudo ensaiado, a cada cena em que eu sabia que seria tocada uma música, o Cléber pausava o filme, eu aproximava o gravador da TV, apertava a tecla play junto da tecla rec e dava sinal para o Cléber acionar novamente o filme para gravar somente a música, mas não contávamos com a presença do irmão e da irmã do Cléber, ambos mais jovens, assistindo ao filme junto. Eles não falavam o filme todo, mas justamente na hora de gravar as músicas, eles falavam bem baixinho um com o outro e davam risadas baixas. Na hora da empolgação para gravar as músicas, nem me atentei a esse detalhe, só fui perceber quando fui ouvir a gravação na fita cassete. Fizemos outras tentativas, mas todas frustradas, hora o gravador gravava o som dos pássaros (bem-ti-vi) cantando no quintal, hora o gravador engolia a fita, etc. 
Somente com a capa do filme, consegui descobrir que o carro em questão era um Plymouth Fury 1958. Perdi a conta de quantas vezes loquei esse filme, acredito que na minha ficha da locadora só tinha esse filme locado, isso numa época em que eu nem tinha vídeo cassete em casa! Isso mesmo, não tinha vídeo cassete! 
Para assistir ao filme dependia de outras pessoas! Um dia assistia na casa do meu tio, outro dia na casa do tio do Cléber e assim por diante. Houve até algumas vezes que acabei locando o filme, combinando com um algum tio para assistir na casa dele e por alguma razão não deu para assistir, tendo que devolver o filme e pagar a locação sem ter assistido.
Nunca me esqueço do dia em que combinei de assistir na casa do meu tio Carlos, que ainda morava na mesma fazenda que eu nasci. Nessa época, eu já morava na cidade.
Fui de bicicleta com o filme numa sacola plástica, de baixo de chuva, numa estrada de terra (com a chuva, a estrada estava mais de barro do que terra) em mais de metade do caminho e quando cheguei na casa dele, não tinha ninguém! Só depois fui descobrir que ele teve de levar meu primo ao médico e como ele não tinha telefone na época, não teve como me avisar. Novamente, devolvi o filme sem assistir.



Exemplos de carros com “rabo-de-peixe”. Acima Cadillac Eldorado Conversível 1959 e abaixo Plymouth Belvedere 1958. Apesar do Cadillac ser mais raro e mais caro, minha preferência é pelo Plymouth Belvedere 1958 (gosto não se discute!). 





Certo dia, andando no centro da cidade vizinha, me deparei com uma casa pequena, com uma porta de madeira já sem cor onde estava escrito “Sebo Popular” e sem imaginar o que me esperava, decidi entrar para procurar algumas revistas velhas de carros.
Era uma casa antiga, com piso e teto feitos de madeira, só havia uma mesa na entrada onde um senhor aparentando uns 50 anos estava sentado. Todos os quartos e corredores da casa estavam cheio de estantes lotadas de revistas e livros antigos de todos os gêneros.
Perguntei se havia ali, alguma revista de carros antigos e sem se levantar da cadeira, onde ele estava mais deitado do que sentado, o senhor me disse para seguir o corredor até o último quarto, era lá que estavam todas revistas relacionadas a carros.
Segui pelo corredor iluminado apenas pela luz do sol que entrava pelas enormes janelas dos quartos que estavam abertas até chegar ao último quarto, o qual também era iluminado apenas pela luz que entrava por uma velha e enorme janela de madeira, de onde podia se ver o quintal da casa, onde havia apenas terra e uma enorme árvore no centro.
Não demorou nem dois minutos para que eu começasse a espirrar, pois tudo ali tinha cheiro de mofo! Haviam umas quatro estantes abarrotadas de livros e revistas antigas (hoje consideraria isso um tesouro para vender nas feriras de carros antigos) onde comecei a ver tudo. 
Não tenho noção do tempo, mas acredito que fiquei por ali mais de uma hora, pois o velho senhor chegou até a ir ver se eu ainda estava por lá! Acho que ele pensou que eu havia pego algumas revistas e pulado no quintal pela enorme janela que havia no quarto, mas para sua surpresa eu ainda estava lá, colocando as revistas de volta no lugar de onde havia retirado.
Olhei mais de 300 revistas relacionadas a carros, todas antigas, a maioria nunca tinha ouvido falar, pois eram importadas, mas não me chamaram muito a atenção por serem relacionadas a carros da década de 70 e poucas do final dos anos 60, mas entre todas estas revistas e livros, encontrei várias revistas chamada Mecânica Popular, com os lançamentos de carros para o ano de 1957, e na capa de uma delas, estava entre outros carros, um Plymouth Fury 1957 dourado.
Comprei-a no ato, mesmo a revista sendo escrita em espanhol, pois sabia que a única chance que tinha de saber alguma coisa a mais sobre esse carro era com essas revistas, já que nessa época, não contava com revistas especializadas no assunto e nem com a internet.
As únicas revistas do gênero que apareciam por aqui eram importadas e custavam quatro vezes os valores de uma nacional e para falar a verdade, essa mecânica popular foi uma pechincha, pois seria atualmente algo em torno de cinqüenta centavos cada revista.
Até então achava que aquele era o carro mais lindo do mundo, até mais lindo que o famoso Cadillac 1959, que já tinha visto em filmes, mas quando comecei a folhar aquela pequena revista, me deparei com um carro que simplesmente quase me fez esquecer do velho Plymouth 1958, era um Dodge Coronet 1957.
Nossa! Isso é o que podia chamar de carro da década de 50! Tinha apenas três fotos do carro, uma de frente, outra da traseira e outra de lateral, mas não precisava de mais nenhuma, foi o suficiente.
Novamente fiquei desanimado, pois já havia comprado inúmeras revistas que começavam timidamente a tratar do assunto de carros antigos e nunca nenhuma revista tinha citado ou mostrado tal carro, lembro-me de apenas uma revista que tinha feito uma matéria sobre a evolução dos faróis, mencionar os faróis duplos do Dodge 1959 com suas enormes “pestanas”.
O tempo estava passando e eu já tinha me decidido a comprar qualquer carro antigo pra restaurar, visto que o carro que tanto sonhava, tornara-se impossível financeiramente de comprar, isso lógico, se encontrasse algum para venda!

Acima, algumas páginas da revista Mecânica Popular, com especificações dos carros do ano de 1957.


Mas comprar um carro antigo não era uma tarefa fácil para um adolescente, principalmente um que não fazia idéia de que carro comprar e nem valores relacionados aos mesmos.
Por coincidência, um dia meu pai e eu paramos num posto de gasolina para abastecer na cidade vizinha e vimos um cartaz com os dizeres de um encontro de carros antigos que aconteceria em Rio das Pedras, cidade onde morava. Anotei o dia e local e num domingo chuvoso, lá fui até o ginásio municipal da cidade, onde, ao lado, no campo do estádio municipal, aconteceria o encontro.
Cheguei por volta das dez horas, estava um tempo nublado e de tempo em tempo ameaçava uma pequena garoa, mas não foi o suficiente para “espantar” o público que admirava apenas uns dez carros que por lá apareceram, muitos da década de 20 e 30, mas entre eles um me chamou a atenção, pois era um Ford Custonline 1955 azul escuro.
Esse carro só me chamou a atenção por ser da década de 50, mas não gostei muito do modelo, ainda tinha na cabeça modelos como o Plymouth 1957 e 1958 ou o Dodge de 1957.
Conversando com um proprietário de um dos carros que estava exposto, um Ford 1929 vermelho transformado em Hot Rod, com mecânica de Dodge, ele me disse que no próximo mês iria ter um encontro em Águas de São Pedro, também no interior de São Paulo, bem próximo da cidade onde moro, mas na época, não fazia nem idéia de onde ficava.
Chegando em casa, falei com meu pai a respeito de ir até o tal encontro e ele não viu nenhuma objeção, até perguntou se ninguém mais queria ir ao encontro conosco?
Chegado o dia do encontro, fomos meu pai, o meu primo Rodrigo, meu amigo Alan (apelidado de Digão, que também era fanático por carros antigos) e eu. Quando chegamos ao encontro, ficamos maravilhados com os carros expostos, não sabia qual fotografar primeiro, de tantos modelos lindos e reluzentes que estavam estacionados no gramado bem em frente ao grande hotel da cidade.
Havia um pouco de tudo, Cadillac 1954 conversível vermelho, Ford Ranchero 1957 verde e branca, Buick 1950, Ford Fairlane 1959 duas portas sem coluna, vários Chevrolet Bel Air 1950, 1951 e 1952.
Andando pelo encontro junto do meu pai, meu primo e o Alan, ficamos sabendo da verdadeira dificuldade em se comprar um carro antigo. 
Meu pai é uma pessoa simples e gosta muito de conversar com qualquer pessoa e com essa sua simplicidade, ele viu o proprietário do Buick 1950 limpando o carro e “puxou” conversa com ele.
Na sua simplicidade, meu pai perguntou se vinte mil (na época vinte mil você comprava um carro de luxo 0 km) dava para comprar aquele carro? E o sujeito sem sequer olhar na cara do meu pai respondeu rispidamente:
- Com vinte mil, você não compra nem a grade dianteira desse carro!
Depois dessa, meu pai não falou mais nada, simplesmente saímos de perto do carro e fomos em direção do Ford Fairlane 1959 que estava com uma placa de vende-se. A proprietária do carro estava ao lado e quando nos viu chegar perto do carro foi nos recepcionar cordialmente, nada de cara feia ou medo que danificássemos alguma coisa, pelo contrário, ela até perguntou se meu pai queria ligar o carro? Mas ele recusou, (Há se ela me fizesse essa pergunta!) Mas o que nos interessava era apenas saber o valor do carro.
Ela nos contou toda história do carro, que foi de seus parentes, etc, etc e depois disparou o preço, nada mais, nada menos que quarenta e cinco mil. Agradecemos pela atenção e continuamos o passeio pelo encontro, mas depois que a dona do Ford nos falou o preço do carro, foi como se caísse uma barreira gigantesca bem na minha frente escrita: Você nunca vai conseguir ter um carro antigo!

Na foto, meu pai e o Alan (Digão) no 1º encontro de carros antigos de Águas de São Pedro, SP (1996) enfrente ao um Simca original.

Eu no 1º encontro de carros antigos de Águas de São Pedro, SP (1996).


Mesmo decepcionado com os preços dos carros antigos e sabendo que meu pai também tinha conhecimento disso, não desisti. O tempo passou, agora estava pronto para tirar minha carteira de motorista, foi quando juntamente com alguns amigos que também já estavam “contaminados” com o “vírus do carro antigo”, encontramos um verdadeiro depósito de raridades, que sempre esteve “debaixo de nosso nariz” e nunca tínhamos percebido. Na verdade quem encontrou esse verdadeiro deposito de raridades, foram os meus amigos Cléber e José Ernesto (Zé Ernesto), meio que sem querer, pois estavam andando de bicicleta na pista que dá acesso a cidade de Piracicaba e viram um reflexo que vinha do meio do canavial, parecia ser um pequeno bairro ilhado entre a cana-de-açúcar e algumas árvores. Então ambos decidiram ir verificar o que era e quando descobriram o que na verdade se escondia em meio a tanta cana-de-açúcar e mato, foram direto até minha casa me contar.
Quando me disseram, não acreditei, pensei que estavam de brincadeira comigo e tive que ir ver com meus próprios olhos, mas era verdade, lá estava um ferro-velho repleto de carros dos anos 30, 40, 50 e 60, todos abandonados, mas com uma minoria em estado de recuperação e com documentos, verdadeiras “jóias” apenas esperando para serem “lapidadas”.
A única maneira de chegar até esse ferro-velho era uma estrada de terra pela qual fomos de bicicleta. Quando chegamos a esse ferro velho, já dava para ver pela lateral feita de tela de arame, alguns Bel Air de 1953 e 1954, já em estado de deterioração em meio ao mato e muita sucata de caminhão, mas o mais impressionante era como os adornos e frisos cromados brilhavam com o sol, parecia que o tempo nada fizera a essas peças! Ficamos admirados com o reflexo das mesmas.
Já na entrada havia um grande portão feito de grade, todo trabalhado, cercado por enormes muros de onde dava para ver ao lado direito, muitos carros literalmente jogados em meio ao mato.
Nunca mais me esquecerei dessa visão! Ver tantos carros da década de 40 e 50 parados lado a lado e um atrás do outro, como se estivessem estacionados em um Drive’ in da década de 50, porém todos abandonados. Logo atrás deles dava para ver uma casa com um Bel Air 1953 amarelo e branco aparentemente restaurado parado na garagem, parecia até um cenário dos anos 50.
Já na entrada do ferro-velho estava estacionado um Impala 1963 quatro portas totalmente podre e em meio a tantos carros consegui ver um emblema em forma de V e os foguetes em cima do capô de um Chevrolet 1957 branco, ao lado de um dos maiores carros que já tinha visto na vida, um Oldsmobile 1960 quatro portas sem coluna.
Nesse dia, não entramos no ferro velho, pois os portões estavam fechados e já eram quase 18:00 horas, estavam comigo o Cléber e o Zé Ernesto e ambos decidimos voltar num outro dia, mas mesmo assim, chamamos e perguntamos ao caseiro, (um senhor muito atencioso), quem era o dono do ferro velho? Gentilmente ele nos disse quem era e ainda nos deu o telefone para contato.
A notícia da descoberta correu entre os amigos e logo todos queriam ir até o local para ver também esse verdadeiro paraíso para quem gosta de carros antigos. Fui pessoalmente falar com o proprietário que também tinha outro ferro-velho na cidade vizinha, mas sem sucesso, pois ele não estava. Decidi então tentar falar com ele por telefone num sábado de manhã, porém, novamente ele não estava, mas, consegui falar com um dos filhos dele, que cordialmente permitiu a entrada no ferro velho, na tarde desse mesmo dia.
Como não tinha muito tempo, tentei encontrar o Cléber e o Ernesto para convidá-los a ir comigo, mas não consegui encontrá-los (nessa época não existia telefone celular e nem todos tinham telefone em casa, tínhamos que que ir de bicicleta na casa um do outro para conseguir falar com os amigos), sendo assim, não queria ir sozinho e chamei outros dois amigos, o José Eliandro (Zebra) e o Alan (Digão) que toparam na hora.
Na tarde do sábado, conforme combinado, fomos após o almoço para o ferro-velho. Estava uma tarde ensolarada, perfeita para se andar por entre os carros. Quando chegamos, o enorme portão estava aberto, mas não me atrevi a entrar. Parei o carro do meu pai (um Gol) bem próximo da entrada e tocamos a campainha. Enquanto esperávamos, não contive minha curiosidade e além dos carros que era possível ver em meio ao mato, havia uma cobertura com muitos outros parados. Lá estavam um Bel Air 1957 coupê, Ford Fairlane Coupê 1958, vários Ford e Chevrolet da década de 20, 30 e 40 e entre outros, um velho conhecido, um Impala 1959 quatro portas sem coluna, azul com teto branco e interior em couro vermelho, modelo quase igual ao da funerária que havia visto anos atrás.
Depois de algum tempo, o caseiro, chamado de Sr Zé foi nos recepcionar, ele disse para esperarmos um pouco, que o filho do proprietário já estava para chegar. Enquanto aguardávamos, alguns outros carros foram chegando e entrando! Ficamos os três sem entender nada, pois não sabíamos o que estava acontecendo!
Quando o filho do proprietário chegou, nos convidou para entrar e explicou que todo sábado à tarde era realizado um jogo de futebol no campo que existia ali. Até então acreditávamos que era apenas um ferro velho, mas nos enganamos, pois era uma chácara que aos poucos foi tomada por carros e “aos poucos” é a palavra exata para se dizer, pois esse ferro velho começou a se formar na década de 70, quando muitos donos vendiam seus carros a preço de banana por conta da crise do petróleo.
Da entrada do ferro velho, que agora descobrimos ser uma chácara, não dava para ver a beleza que havia por trás de alguma árvores e carros abandonados, mas quando paramos próximo a garagem onde estava o Bel Air 1953 amarelo e branco, pudemos perceber que a chácara era muito bem cuidada, com piscina, campo de futebol, casa para a família e caseiro e muito maior do que imaginávamos.
O filho do proprietário nos deu liberdade para revirar tudo por lá, enquanto ele iria jogar bola com os amigos. Tínhamos até as 18:00 para ver o que quisesse e o melhor, podíamos fotografar tudo! Levei uns cinco rolos de filme, só para prevenir.
Além dos carros já citados, haviam outras duas garagens, uma fechada e outra aberta. Na que estava aberta, estavam parados lado a lado um Bel Air 1957 azul quatro portas, um Chevrolet Yeomam 1958, um Bel Air 1954, um Ford Prefect e um Dodge 1949, mas havia uma porta nos fundos dessa garagem que dava acesso a parte de trás, onde estavam um Mustang 1968 amarelo, uma Pick-up Fargo, uma Pick-up Chevrolet Marta Rocha 1956 e uma Pick-up Chevrolet 1950, todos em condição de voltarem a rodar normalmente e o mais impressionante! Em frente as pick-ups, havia uma “montanha” de emblemas de diversos carros, anos e modelos.
Estava ansioso para andar por esse ferro velho, pensando em encontrar alguma Plymouth 1957 ou 1958, mas como já disse antes, esses carros eram muito raros aqui no Brasil.
Reviramos o ferro-velho de “cabeça para baixo”, andamos durante quase quatro horas em lugares que nem imaginávamos encontrar carros, havia mato de quase dois metros de altura, onde conseguimos encontrar um Ford Fairlane 1959 quatro portas completo em todos os detalhes, ao lado de outro Ford Fairlane 1960. Tínhamos que subir no teto dos carros para conseguir andar entre eles devido à altura do mato e fotografamos tudo, por mais difícil que fosse. Chegamos a pegar um pedaço de ferro que estava no chão e começamos a corta o mato que estava em frente aos carros para poder fotografá-los.
Uma coisa que me chamava muito à atenção era o silêncio que existia no lugar, somente sendo quebrado pelo som de alguns pássaros, dava para ouvir o som do vento daquela tarde quente e abafada de sábado balançando as palhas da cana-de-açúcar que rodeava todo o ferro velho, tinha a impressão de que estávamos isolados do mundo, parecia muito com um cemitério.
Então chegamos ao lugar onde estavam os carros mais conservados, protegidos do sol e chuva, ali estavam os já citados Chevrolet Bel Air 57 e outros, a maioria que estavam ali eram coupê, mas também tinha alguns quatro portas. Não tinha mais dúvida, o Impala 1959 foi o carro que escolhi para substituir o carro dos meus sonhos, já que havíamos andado o ferro velho inteiro e o mais perto de encontrar um Plymouth que cheguei, foi um modelo da década de 1960 que estava em meio ao mato. Mas o Impala não se encontrava no melhor de seu estado, estava sem suspensão dianteira, tombado ao lado de um Chevrolet 1939, escorado apenas por uma velha roda e sabe-se lá há quanto tempo estava parado, Quando abrimos seu porta-malas constatamos que o mesmo já não tinha mais assoalho, Seu pára-choque traseiro estava todo enferrujado, mas tinha todos os detalhes, inclusive lanternas e adornos raros de se encontrar nos carros desse ano, quando abrimos a porta desse carro, sentimos um cheiro de mofo e poeira misturado, seu enorme banco dianteiro, feito em couro vermelho não tinha nenhum rasgo ou furo sequer. Havia um vespeiro dentro dele, que nos fez sair correndo, pois uma vespa tentou várias vezes ferroar a cabeça do “Zebra”, que só foi “salvo” por estar usando boné.
Já estava entardecendo e junto com o sol que se punha deixando o final da tarde mais dourada do que nunca, fomos embora do ferro-velho, satisfeitos em ver tantas raridades juntas em um só lugar.

 Acima, Bel Air 1953 na garagem da casa, dentro do ferro velho.

 Impala com o Alan (Digão) e o José Eliandro (Zebra).

 Bel Air 1953 com o José Eliandro (Zebra), o Alan (Digão) e eu.

 Acima Ford Fairlane coupê 1958...

...Impala 1959 hard top...

...E Bel Air 1957, ambos em condições de voltar a rodar.

 Alguns carros que estavam no ferro-velho, Bel Air 1957...

 ...Oldsmobile 1960...

 ...Ford Fairlane 1959...

 E Plymouth 1965.

  Acima o Digão e eu em frente a Chevrolet Yeoman 1958...

 E aqui, o mesmo carro com os cromados limpos.

 Que bela essa lateral da Chevrolet Yeoman 1958.

 Reparem ao fundo da foto do Gol do meu pai, um barracão fechado onde estava um Cadillac 1960 totalmente restaurado.

Acima, Bel Air 1957, Bel Air 1954, uma geral do ferro-velho e dois Ford da década de 50.


Localizando o carro.

O mais difícil ainda estava por vir, convencer meu pai de me deixar comprar o carro. Quando comentei com ele a respeito deste Impala 1959, e mostrei as fotos do mesmo ele quase me expulsou de casa, mas ele já sabia que eu estava disposto a comprar um carro antigo, (mesmo que isso significasse declarar “guerra” em casa), pois desde que comecei a trabalhar, nunca gastei dinheiro à toa, sempre guardava, na esperança de conseguir encontrar um carro que me agradasse, ele sabia que esse era meu sonho desde a infância.
Por isso ele resolveu me ajudar (mesmo sendo á sua maneira), pois em seu ponto de vista, era melhor me ajudar a escolher um carro para que a “besteira” não fosse tão grande e para que eu não jogasse dinheiro fora, ou mesmo fosse enganado por pessoas de má fé.
Decidido a me ajudar a escolher um carro (no meu pensamento, antigo, mas para ele, usado, para não ter tanta dor de cabeça) ele me disse que conhecia uma pessoa que tinha um Landau para venda e se quisesse, podíamos ir vê-lo sem compromisso.
Até cheguei a pensar que fosse o Nenê Possignola, dono do ferro velho da cidade, que possuía na época uns três Landau, mas por um golpe do destino (ou muita coincidência), o carro estava na mesma fazenda em que eu havia nascido.
Confesso que fui um pouco contrariado, pois na época um Landau não era considerado um carro antigo e sim um carro de luxo usado, não era bem o que pretendia comprar, mas mesmo assim decidir ir ver o carro, na esperança de poder pelo menos acelerar um carro com motor V8. Quando chegamos à fazenda, nem se quer reparei no Landau, o que realmente me chamou a atenção, foi um outro carro que estava estacionado ao seu lado!
Nunca havia visto esse carro, nem me lembrava dele rodando pela fazenda ou pela cidade, era um Chevrolet Bel Air 1951 coupê preto com teto cinza que estava estacionado numa cobertura bem próximo a oficina da fazenda.
Fui juntamente com meu pai, que novamente havia deixado bem claro que era completamente contra a idéia de comprar um carro antigo, até a administração da fazenda para falar com o proprietário do veículo, mas quem nos recebeu foi o pai dele, o Dr R. Nem se quer toquei no assunto de comprar o tal Landau, já fui logo perguntando sobre o Bel Air, se estava à venda? Quanto valia? Etc.
Após muita conversa e histórias, fechamos negócio, no que seria na conversão da moeda atual, cerca de R$3.000,00 reais, dinheiro esse que eu dispunha, pois havia economizado desde que comecei a trabalhar no hospital. Na verdade, possuía, na conversão da moeda atual, cerca de R$3.500,00 e pedi para que o Dr R aguardasse até que eu e meu pai voltássemos para casa para pegar o cheque e voltássemos para a fazenda para pagar e pegar o carro, que conforme foi dito, estava funcionando normalmente.
No caminho de volta para casa, meu pai não estava acreditando no que havia acontecido, ele havia me levado para ver um carro e sem querer, ele me mostrou outro muito mais antigo, mas em momento algum ele tentou me fazer desistir do carro ou trocar de idéia e aceitar fazer negócio com o Landau, para falar a verdade, acredito (mesmo ele negando) que ele também gostou do Bel Air 1951.
Quando voltamos para a fazenda, com o talão de cheques em mãos, uma decepção! O Dr R. havia ligado para seu filho que estava em São Paulo e o mesmo lhe disse que por menos de 5.000,00, não vendesse o carro! Então, o negocio foi desfeito, afinal, não tinha todo esse dinheiro e o carro não era do Dr. R e sim de seu filho. Ele nos pediu mil desculpas, pois não podia fazer nada sobre o assunto.
Decepcionado, não desisti e voltei a me dedicar à compra do Impala 1959, o qual meu pai não podia nem ouvir falar.

              Acima e abaixo, Chevrolet Bel Air 1951 que estava parado na fazenda em que nasci, ao lado de um Ford Landau.


Mas descobri que o mundo é uma caixinha de surpresa e quando menos se espera, o destino te mostra um outro caminho á seguir.

Numa certa noite em que estava saindo da escola, vi no estacionamento, uma pick-up Ford F-1 de 1951 azul e curioso como sempre, fui até ela. Para minha surpresa, quem havia comprado a F-1 era um conhecido amigo meu chamado César.
Ele me disse que havia comprado de um senhor que possuía vários outros carros parados num barracão em Ourinhos, interior de SP, e que havia tirado várias fotos dos outros carros que estavam lá e para minha sorte, as fotos estavam com ele na caminhonete.
Quando vi a segunda foto, não acreditei! Vi aquele pára-choque cromado, dividido no meio, com uma grade dianteira que decorria de um lado ao outro do carro com um emblema no centro. Não era possível! Estava lá! Parado! No fundo do barracão! Só esperando para ser restaurado, um Dodge 1957. Não dava para saber qual era o modelo, pois a foto só mostrava o carro de frente.
No ato anotei o telefone do dono do carro, minha empolgação era tanta que queria ligar para ele as 23:30 hs, hora essa em que eu chegava da escola, pois no outro dia também tinha que levantar cedo para trabalhar. Todo dia, saia de casa as 05:30 hs da manhã e voltava as as 23:30 hs. Sendo assim, tive de conter a ansiedade e só pude ligar para o proprietário no sábado.
Foi difícil esperar, mas até que enfim o sábado chegou, era meu dia de folga e já sonhava em ir buscar o carro no domingo, mas toda essa empolgação recebeu uma “ducha de água fria”, quando liguei para o proprietário que vou chamar de Sr P.
No primeiro contato com o Sr P. ele me disse que não pretendia vender o carro, e que sua intenção era de restaurá-lo para realizar casamentos, mesmo assim insisti por telefone durante um mês na tentativa de compra, até que um dia ele me deu um preço! Na época queria o valor em dólares, nada mais, nada menos que $12.000,00 dólares (!)
Agora, um momento de reflexão! Imagine um rapaz de 18 anos, que ganhava na época o que seria na conversão da moeda atual, cerca de R$ 600,00 reais por mês (na época um dólar era equivalente a aproximadamente três vezes o valor da nossa moeda), desembolsar $12.000,00 dólares por um carro antigo, parado e precisando de reparos! Quando comentei isso com meu pai ele quase teve um ataque do coração! Ouvi aquele sermão de que de “velho” já chegava ele e coisas do tipo, só faltou ele me deserdar!
Mas à vontade de ter um carro antigo persistia e devido à desilusão de comprar o Dodge, novamente, me voltei ao Impala 1959, pois de vez em quando, íamos de bicicleta até o ferro velho, só para matar a saudade de ver tantos carros antigos juntos. Uma curiosidade é que o Cléber e o Zé Ernesto que foram os “descobridores” desse ferro velho, nunca tiveram a oportunidade de entrar e ver os carros, pois, depois da visita que fizemos, a filha do caseiro se casou e eles mudaram para a cidade, obrigando assim a troca de caseiro e o novo caseiro não era nem um pouco amigável, não queria saber nem de conversa, Fomos certa vez de bicicleta até o ferro-velho e quando dissemos a ele que éramos amigos do filho do proprietário ele veio até perto do grande portão (agora fechado com cadeados e correntes) em posse de uma arma, na verdade um calibre 12 milímetros, nos dizendo que se éramos realmente amigos do filho do proprietário, que viéssemos somente acompanhados dele e que se ele nos visse “rodeando” o ferro velho novamente, ele atiraria primeiro e perguntaria depois! Bom, depois dessa ameaça, nunca mais fui até o ferro velho, pensei que seria melhor tratar do assunto com o filho do proprietário direto no seu outro ferro-velho, localizado na cidade vizinha.
Até pensei em tentar comprar o Bel Air 1951 que estava na fazenda, mas quando entrei em contato com o Dr. R (pai do proprietário) ele me disse que seu filho não venderia mais o carro, pois tinha a intenção de restaurá-lo e deixá-lo em exposição na fazenda.
Falei com o filho do dono do Impala 1959, que me dera uma boa notícia, seu pai venderia o carro pelo que seria na conversão da moeda atual, cerca de R$5.000,00 reais, mas do jeito que estava. Pelas minhas contas, levaria aproximadamente cinco anos para restaurar um carro daqueles (e olha que fui otimista), com o salário que ganhava, mas isso não me desanimou, pois o carro não tinha nenhum vidro trincado ou quebrado, principalmente o pára-brisa e o vidro traseiro que era o mais curvado que já tinha visto na vida.
Primeiramente precisava juntar cerca de mais R$1.500,00 reais para completar o valor pedido e já estava procurando um lugar para deixar o carro, pois o mesmo ficaria sem rodar por um bom tempo, visto que nem suspensão dianteira ele tinha. Não podia deixar em casa, devido ao tempo que levaria para fazer o carro funcionar, além do espaço que ele ocuparia na garagem.
O primeiro lugar que pensei em deixar o carro foi o ferro velho do Nenê, pois ele tinha vários galpões grandes onde ficavam parados alguns ônibus para conserto.
Quando fui falar com ele (sem meu pai saber de nada!), contei-lhe toda a história, o porquê de querer alugar um galpão e tudo mais.
Ele ouviu tudo e depois me contou que também tinha um Impala 1958 vermelho, duas portas sem coluna parado numa garagem junto de outros carros no fundo do bar do pai dele, no centro da cidade e que se eu tivesse interesse, ele podia me vender por R$4.000,00 reais (convertendo o valor da época em moeda atual).
Na hora, contive minha empolgação, mas minha vontade era de pular de alegria, lembrei de quando era adolescente, sempre que voltava da escola, passava em frente à casa de três senhores que mantinham na garagem, um enorme carro coberto por um lençol. Um dia voltando da escola, lá estava ele sem o lençol, um enorme e já bem mal tratado Impala 1958, vermelho com teto branco, duas portas sem coluna, com a pintura toda desbotada, mas aparentemente todo original. Um dia passei em frente a casa deles e para minha surpresa (e decepção) o carro havia desaparecido e a garagem estava vazia. Depois de anos fui descobrir que haviam vendido o carro.
Contei ao meu pai o que ia fazer e ele resolveu me acompanhar. Estávamos á caminho do bar onde se encontrava o carro, pensando ser aquele mesmo velho Impala que tinha desaparecido há anos daquela garagem dos três irmãos, mas quando chegamos, nos deparamos com um carro estranho. Suas linhas mais se pareciam a de um gigantesco Chevrolet Opala, mas olhando mais detalhadamente, ele se diferenciava em muitos detalhes, como a grade dianteira que era enorme com seus quatro faróis. Realmente era um Impala, mas do ano de 1968 e não 1958 como me disseram antes. Ao lado havia um outro Impala 1967 e um Maverick GT vermelho com faixas pretas.
Só depois comecei a reparar bem naquele terreno atrás da casa do pai do Nenê, ali estavam em meio a um pouco de mato misturado a plantações de mamão, um Gordini, alguns Fuscas e um Dodge Dart amarelo, Todos já bem deteriorados, pois estavam à mercê do sol e chuva. Não dava para acreditar que bem no centro da cidade havia um lugar assim. Já tinha ouvido rumores de uma casa com vários carros antigos abandonados nela, mas acreditava que não passava de rumores ou como costumam chamar, lendas urbanas.
O carro estava literalmente sem cor, todo sujo, coberto por uma espessa camada de poeira formada pelas cinzas da queimada de cana que se juntara durante os anos em que o carro ficou parado num enorme barracão no fundo do bar, que não tinha portas.
Sem muita opção, com pouco dinheiro e incentivado pelo meu pai que também foi ver o carro comigo, acabei comprando esse Impala 1968 mesmo, O carro foi levado até o ferro-velho do Nenê para lavar e trocar o óleo e apesar de parecer incrível, aquele carro ainda funcionava.

  Acima e abaixo, fotos do Impala 1967 e do Maverick GT, ambos parados no mesmo barracão de onde retirei o Impala 1968 que estava no mesmo estado dos dois carros da foto, mas mesmo assim, estava funcionando.



O Nenê havia me pedido o equivalente à hoje, R$4.000,00 reais pelo Impala 1968, mas no estado que estava o carro, acabei pechinchando com ele. Disse que compraria o carro só se fosse por R$3.000,00 e ele acabou deixando por R$3.500,00. Ainda me lembro dele dizendo, Deixo por esse preço, mas não dou nem um parafuso a mais, nem mesmo o comutador! Já no ferro velho, dei uma volta no quarteirão, para me adaptar ao carro, foi à primeira vez que dirigi um carro com motor V 8 e hidramático. Pessoalmente, prefiro não me aprofundar muito na restauração deste Impala, até porque na verdade, não foi assim uma grande restauração, foi apenas uma reforma geral no carro, desmontei os pára-choques e foi feita uma pintura em vermelho, sem desmontar o carro, foi feita a tapeçaria do teto, carpete e bancos, os cromados e uma revisão no câmbio automático.
O mais difícil dessa reforma foi encontrar uma lanterna que estava quebrada, mas que foi encontrada pelo meu pai em São Paulo.
Com esse carro, pude aprender muitas coisas que um adolescente pode e não pode fazer no trânsito, foi também testemunha de muita festa, e foi com ele que comecei a namorar minha esposa, que não era muito atraída por ele, mas mesmo assim acabou se acostumando, Também não é pra menos, um dia ficamos “na mão” devido à bateria do carro. Foi na noite que saímos pela primeira vez, ficamos namorando no carro com o som ligado e na hora de ir levá-la para casa, o carro não funcionou, tendo ela que ir embora pra casa a pé e sozinha, pois tive de ir buscar ajuda dos amigos (que eu sabia que estavam na praça da cidade) pra fazer o carro funcionar novamente e isso já era mais de meia-noite. Quando o socorro chegou, ligamos através de um cabo uma bateria na do Impala e ele funcionou, quando estávamos todos saindo do local, o carro apagou novamente e não queria funcionar (como ele era automático, não tinha como fazer funcionar no "tranco"), rapidamente buzinei e todos voltaram para fazer o carro funcionar novamente.

 Acima, meu amigo Cléber (Japão) em frente ao Impala 1968.

 Acima, meu pai, junto do Impala 1968.

Novamente meu pai, junto do Impala 1968.

Traseira do Impala 1968.


Lembro-me de vários casos interessantes com esse carro, o primeiro foi quando levamos ele para casa, ele quase não entrava na garagem que depois de um tempo teve de ser quebrada e o portão aumentado para que ele pudesse entrar e sair com mais facilidade. Outro caso interessante aconteceu depois que ele foi pintado, fomos, meu pai e eu até Piracicaba, cidade vizinha para trocar os pneus do carro que ainda eram os que estavam parados e murchos há anos. No meio do caminho os pneus começaram a se desfazer, soltando vários pedaços na pista. Não sei como conseguimos chegar até o local onde seria feita a troca dos pneus. Depois de trocados, estacionei o carro na parte de fora enquanto meu pai acertava o pagamento com a loja de pneus. Fiquei dentro do carro esperando e de repente apareceu um rapaz perguntando se o carro era meu? (Pensei comigo mesmo! Aposto que vai perguntar se quero vender? e errei). Respondi que era sim e estava terminando de reformar. O Rapaz se apresentou e disse que também tinha um Impala e um Ford 1929 com mecânica de Dodge.
Não é incrível como o mundo dá muitas voltas e coisas surpreendentes acontecem? Pois só depois que ele me disse que era o dono do Ford 29 foi que o reconheci. Era o mesmo que estava há alguns anos atrás num encontro de carros antigos que acontecera em Rio das Pedras com o mesmo Ford 1929 e foi ele também que me falou sobre o primeiro encontro de carros antigos que fomos participar em Águas de São Pedro, interior de São Paulo. Ele cordialmente me convidou para participar dos encontros que aconteciam em Piracicaba, no estacionamento da prefeitura da cidade aos sábados à tarde e logicamente aceitei.
Junto do meu pai e do meu amigo Cléber, comecei a freqüentar esses encontros e também a fazer parte do Clube de carros antigos de Piracicaba, onde conheci muitas pessoas com a mesma paixão que a minha, os carros antigos e alguns até mais nostálgicos, também gostavam do bom e velho Rock´n´roll.
Participava todo sábado que podia, às vezes com a companhia do Cleber, outras vezes com o Alan (Digão) e outras vezes sozinho. Meu pai não participava muito, até por que o encontro acontecia sempre no mesmo horário em que ele assistia futebol na TV. Os locais de encontro foram mudando com o tempo, mesmo assim, continuava a participar com o Impala 1968. Certa vez estávamos num bar, onde acontecia o novo encontro e deixei o carro debaixo de um abacateiro carregado de abacates maduros, eis que de repente, só ouvimos um barulho de abacate batendo na lata do carro. Na hora fiquei gelado, pois imaginava que o abacate tivesse caído sobre o teto ou capô do carro, nem quis ir até o local para ver, mas o presidente do clube (na época) o senhor Caetano, foi até o carro para ver o estrago, mas o mesmo, (vindo com o abacate rachado ao meio) constatou que ele havia caído sobre a quina do pára-lama dianteiro e não havia feito nada no carro, ainda brincando ele me disse, Pode ficar tranqüilo, não fez nada no carro, mas para você ficar mais calmo, pegue açúcar no bar e vamos comer esse abacate!
Como já disse o pessoal do clube era super atencioso, não importando o modelo do carro, todos eram tratados com igualdade, pois o que se levava em conta era a paixão pelo carro que todos tinham em comum, e junto com eles comecei a ir a encontros fora de Piracicaba, sendo que o primeiro foi em Jundiaí, SP, o qual saímos em carreata de um posto de gasolina. Fomos meu pai, minha namorada Flávia, o Cléber e eu. Ao chegar, deixei o carro estacionado junto de outros ícones dos anos 50 e também perto de um Impala do mesmo ano do meu, porém este amarelo e conversível. Um lindo exemplar que só tinha visto em revista.
Nesse encontro, pude ver que existem muitas pessoas como eu nessas cidades “a fora”. A maioria dos jovens que estavam nesse encontro usavam jaquetas de couro e topetes com brilhantina. Tinha até mesmo um show de rock dos anos 50 “rolando solto” no encontro. Fiquei maravilhado com tudo isso, parecia até uma volta ao passado, dá para imaginar você vendo ao vivo uma banda de topetudos tocando Jailhouse Rock, Little Star entre outras musicas, cercados por Ford Fairlane 1959, Impala 1959, Bel Air 1955 entre muitos outros carros da década de 50, e no meio do salão, garotos usando jaquetas de couro, com calças jeans, topetes com muita brilhantina, dançando com garotas de vestidos de bolinha e saias rodadas? Não, isso não era combinado e nem mesmo ensaiado, os garotos e garotas não eram contratados da banda e nem pela organização do encontro, eles se vestiam assim por que gostavam da década de 50 e eu não podia deixar de conversar com eles, até para trocar endereço de contato (há se existisse e-mail nessa época), pois eles tinham até uma publicação que eles mesmos faziam sobre carros antigos e festas dos anos 50 (não havia nada igual aqui por aqui).
Na volta do encontro, um problema no carro quase nos deixou na estrada, pois começou a subir óleo nas velas e o carro começou a falhar muito e a perder potência, mas como estávamos voltando em carreata e já estávamos próximos a Piracicaba, decidimos continuar do jeito que dava. Quando chegamos em casa, retirei do motor, as oito velas que estavam encharcadas de óleo, foi só limpá-las e o carro voltou a funcionar normalmente.
Andava com o carro pela cidade sempre cheio de amigos e com a namorada junto, certa vez cheguei a andar com dez pessoas dentro do Impala, (hoje considero isso uma loucura). Era só diversão! Também continuava a participar dos encontros em Piracicaba, agora em um novo local (fomos, como posso dizer, “expulsos” do antigo bar por um grupo de pagode, o qual acertou de tocar todos os sábados com o dono do bar, não deixando lugar para estacionar os carros, acredito que davam mais lucro para o dono do bar) e também a participar de encontros na região. Lembro de um encontro que fomos participar em Piracicaba mesmo, no mês de agosto, que era o encontro anual de carros antigos de Piracicaba e região, onde eu fiquei encarregado de fazer a parte sonora do evento, com músicas dos anos 50 e 60. Como sempre a Flávia foi me acompanhando, mesmo estando uma manhã de domingo muito fria! Ela estava até usando luvas de couro com lã de carneiro por dentro para poder se esquentar e para piorar, a parte de equipamento do som ficava sobre uma perua Kombi que pertencia à prefeitura. Na época nada de MP3, tinha de fazer o som cd por cd ou algumas vezes até mesmo música por música, apenas com a ajuda da Flávia. Era uma loucura, pois toda hora aparecia alguém pedindo para oferecer uma música ou para tocar determinada música, isso sem falar do pessoal que queria falar no microfone! Toda hora aparecia alguém com um ou outro recado para ser anunciado e tinha que sair do interior da Kombi para fazer a parte sonora, mas posso dizer que foi muito divertido.
Foi também participando de encontros pela região que comecei a notar que o Impala não era exatamente o carro que sempre tinha sonhado, embora fosse um carro diferente, todos o viam apenas como um carro usado bem cuidado, isso quando não o confundiam com um Opala! Na verdade, tinha vontade de ter um clássico da década de 50, modelos como Bel Air 1955, 1956 e principalmente o 1957, Ford 1959, Impala 1958, 1959 entre outros muitos que povoavam minha imaginação.
Tenho que confessar que mesmo participando de inúmeros encontros pelo Brasil a fora, nunca me deparei com uma Plymouth 1957 ou 1958 e isso me deixava muito frustrado, pois vendo a imensa gama de carros dos anos de 1957 e 1958 que haviam nos encontros, nunca  tinha visto tais carros e ficava imaginando que talvez nem existisse um modelo desses no Brasil.
Embora estivesse aproveitando ao máximo o Impala 1968, continuava sonhando com um carro com aqueles enormes “rabos-de-peixe”.
Apesar do carro estar lindo, estava mesmo era querendo trocar de carro, e também confesso que ainda não havia esquecido o Dodge 1957, isso sem falar da Plymouth 1958 do filme Christine.
Certa vez, meu pai me disse que encontrou na cidade de Campinas, interior de São Paulo, uma empresa que trabalhava na restauração de carros antigos, e havia vários carros já prontos, para venda (agora ele já estava começando a gostar de carros antigos). Como ele não sabia bem os nomes dos carros, eu insisti para que fossemos numa sexta-feira até Campinas para ver os carros que lá estavam principalmente depois que ele me disse que havia um carro vermelho com teto branco para venda, com quatro faróis na dianteira e com frisos cromados que começavam na dianteira do carro e terminavam na parte traseira. Na hora me veio à cabeça um Plymouth 1958.
Como de costume, convidei o Cleber para ir também e ele topou na hora. Mesmo eu tendo trabalhado doze horas na noite anterior no hospital, saímos cedo (assim que sai do plantão) rumo a Campinas e não posso dizer como foi à viagem até lá, pois fui dormindo o caminho todo. Ao chegarmos ao local, logo na entrada da empresa, que mais parecia uma enorme casa com um ferro-velho no quintal, nos deparamos com um caminhão Chevrolet 1941 totalmente restaurado numa garagem, ao lado de um Impala 1963 ainda aguardando restauração. O local era incrível! A parte de restauração ficava bem ao fundo do terreno, mas para chegar até lá era preciso passar pelo amontoado de peças que ficavam espalhados em um terreno de mais ou menos 500 metros quadrados.
Minha prioridade era ver os carros, depois voltaria para ver as peças, sendo assim fomos até a parte de restauração, onde estava um Oldsmobile 1963 sendo restaurado junto de um Chevrolet 1935 duas portas. Encontramos com o proprietário, um senhor aparentando uns 60 anos que nos recebeu muito cordialmente. Ele nos contou a história da sua empresa e nos mostrou os carros que estavam sendo restaurados e os que já haviam sido restaurados, mas o que mais me interessava eram os carros para venda, não agüentava de ansiedade por ver o tal carro que meu pai me falara.
O escritório do proprietário ficava no piso superior, onde ele tinha na parede, fotos de todos os carros que já passaram por sua empresa. Poderia ficar ali o dia todo observando as fotos, pois eram centenas delas coladas na parede, havia um pouco de tudo, mas os mais raros que vi por ali foram Ford Edsel 1958, Oldsmobile 1957 conversível, La Salle 1939 conversível, Packard 1939 e um Cord 810 1936, o qual só sabia o nome por ter lido em uma revista sobre sua avançada tecnologia de faróis escamoteáveis e tração dianteira.
Posso dizer que olhei quase todas as fotos, mas não detalhadamente e mesmo assim, não vi a foto de nenhuma Plymouth 1958.
Fomos então até onde estavam os carros para venda e para minha decepção, o tal carro que meu pai viu, era um Impala 1964, já restaurado. No local estavam para venda um Ford 1948 quatro portas, um Chevrolet 1951 quatro portas verde, o já citado Impala 1964, junto de alguns nacionais como Dodge, Simca, Aero Willis e uma Pick-up Ford 1951 transformada em Hot Rod no melhor estilo americano.
Perguntei ao proprietário se ele já tinha visto alguma Plymouth 1957 ou 1958 no Brasil?
Ele me disse que sim, tinha visto uma 1958 (nesse momento já fiquei eufórico) na década de 60 (passou a euforia!) e depois nunca mais viu nenhum exemplar desses rodando pelo Brasil e olha que ele mesmo disse que já tinha visto muito carro por esse Brasil a fora.

 Na foto acima, meu pai e o Cléber junto de um Ford 1929 para venda.

 O Cléber e meu pai junto de um Chevrolet 1951, também para a venda.

 O Cléber e eu junto do Chevrolet 1951 para a venda.

O Cléber e eu junto de alguns carros também para a venda.


Depois de entrar no Ford 1948 que estava para venda, tive certeza de que não era um carro assim que estava procurando, realmente queria um clássico dos anos 50. Na parte das peças havia de tudo um pouco, claro, tudo para ser restaurado.
Agradecemos muito pela atenção do proprietário e voltamos para casa, pelo menos eu, agora com a certeza do tipo de carro que queria!
Tudo estava indo muito bem, usava o Impala para sair aos sábados à noite, trabalhar entre outras coisas, mas alguma coisa me incomodava, uma lembrança que me perturbava, algo que não conseguia esquecer! Era o velho Dodge 1957, mas, talvez já tivesse sido vendido! Sem querer, depois de três anos do primeiro contato com o Sr P., revirando alguns papéis em casa, acabei encontrando o seu telefone. Então resolvi ligar só pra saber se ainda estava com o carro e quanto estava pedindo por ele, caso fosse um preço convidativo, poderia até vender meu Impala 1968. Até pensei que o número de telefone não era mais dele, pois quem atendeu foi uma mulher, no caso esposa dele que me disse que ele não estava, havia viajado e só iria voltar no sábado, porém a mesma me adiantou que ele ainda tinha uns dez carros “velhos” para venda. No sábado pela manhã, sem perder tempo, liguei e finalmente falei com o Sr P. que constatou para minha alegria que ainda estava com o carro, mas o valor era o mesmo pedido há três anos, $12.000.00 dólares.

A primeira tentativa.

Desanimado, já estava desistindo de vez de comprar aquele carro, pois mesmo depois de reformado, meu Impala não chegaria ao valor pedido pelo Sr.P, mas mesmo assim o Sr.P. me propôs de ir até Ourinhos, SP e ver pessoalmente o carro. Com muito custo convenci meu pai e no domingo seguinte, após combinarmos com o Sr P., fomos para Ourinhos com a intenção de conseguir negociar o carro.
A viagem foi longa e cansativa, saímos por volta das seis horas e chegamos quase onze e meia, pois havia muita neblina na estrada, também não foi fácil de encontrar a casa do Sr. P. que já estava a nossa espera em frente a um portão feito de grade, bem simples.
O Sr. P. era um senhor já nos seus cinquenta e poucos anos, de estatura baixa e de pouca conversa, ele nos levou até um galpão onde estavam vários carros parados, juntamente de incontáveis objetos antigos. Desde bicicletas penduradas no teto a aparelhos de TV guardados dentro dos carros, podia se ver de tudo um pouco. O Sr. P. entrou de cabeça baixa e andando rapidamente entre as bicicletas e objetos, meu pai e eu tentamos segui-lo, porém, íamos batendo a cabeça nas bicicletas penduradas, o local era enorme e um pouco escuro, na verdade, parecia ser uma construção inacabada de um sobrado (parecia mais uma caverna). O primeiro carro que me chamou a atenção foi um Monza americano, nunca tinha visto um desses, lá também estavam um Aero Willys 1961, um Opel que acredito ser de 1965, um maravilhoso Buick 1961 coupê branco e junto deles, o carro que havia esperado três anos para ver de perto, o Dodge 1957. Mas olhando o carro atentamente, tinha alguma coisa diferente! O carro não era igual ao que tinha imaginado, não era igual ao da revista que comprara há anos atrás, ele era diferente! Tudo bem que o da revista era duas portas e este era quatro, mas não era isso! Esperava encontrar um carro com a carroceria com o rabo de peixe igual ao da revista, que começava depois da porta do motorista e continuava subindo em linha reta até o final da carroceria, tipo o Dodge Coronet de 1957.
Mas para minha alegria, já que sempre quis uma Plymouth 1957 ou 1958, a carroceria era idêntica a das Plymouth 1957 e 1958, só mudava dos para-lamas para frente, já os para-choques traseiros, lanternas, frisos era tudo igual ao das Plymouth 1957.

Dodge 1957 dentro do barracão em Ourinhos, SP. Reparem em quantos objetos antigos estão junto do carro e no Buick 1961 ao fundo. 

Acima, foto do para-choque traseiro do Dodge coberto por teias de aranha, sujeira e muita poeira. Reparem que estava faltando uma lanterna do lado esquerdo e o friso do “rabo de peixe” do lado direito.


Agora estando de frente para o carro, parecia que o tempo havia parado, observei cada detalhe de sua enorme frente e seus emblemas, fui andando ao lado dele até o final do friso lateral, onde encontrei um emblema escrito Kingsway Custom quebrado ao meio e com todo cuidado do mundo, levantei ambos os lados, deixando novamente a escrita junta. Não conseguia ver aquele carro no estado em que estava realmente, eu já o visualizava pronto, pintado, cromado, brilhando como novo, mas na verdade ele estava em péssimo estado, quase treze anos parado ali, sem funcionar e para piorar ainda mais, alguns garotos haviam pulado o portão e entrado no galpão onde estavam os carros parados e com pedras, trincaram o para-brisa e os vidros laterais do carro, que ficaram com rachaduras.
Então comecei a ver a realidade do carro, três das quatro portas não abriam, os pneus estavam os quatros “carecas” e murchos, faltava uma lanterna traseira, um friso traseiro do “rabo-de-peixe” e o rádio, o vidro do painel estava trincado, os retrovisores estavam quebrados, não dava pra ver o para-choque traseiro, pois este estava coberto por teias de aranha com muita sujeira, havia de tudo, folhas, moscas mortas, poeira, que alias, cobria o carro todo.
Os para-choques dianteiros estavam sem cromo, a grade dianteira estava amassada, os aros dos faróis estavam sem cromo, pintados de preto, as duas lanternas dianteiras estavam trincadas e a carroceria estava muito arranhada e com pontos de ferrugem aparentes em alguns lugares, como por exemplo, nas quinas das portas, caixas de ar e ao lado do aro do farol direito.
Internamente o carro estava com bancos separados, que um dia foi da cor branca, só tinha um pedaço da alavanca de câmbio e um carpete marrom, que estava todo sujo. Ele não cheirava, na verdade, ele fedia, como se tivesse um animal qualquer morto dentro do carro, em estado de decomposição. Debaixo do painel havia um emaranhado de fios soltos e o retrovisor que ficava bem no meio do painel, também estava quebrado.
Vendo tudo isso, tentei negociar com o Sr.P. um valor menor, pois agora estava vendo o verdadeiro estado do carro e mesmo assim, ele, que ficava jogando e pegando uma moeda como se estivesse fazendo um cara ou coroa, só respondia a mesma coisa:
- “Não tenho interesse em vender, vou arrumar e alugar esse carro para fazer casamentos”.

A segunda tentativa.

Agradecemos ao Sr. P por ter nos deixados ver seus carros, mas antes de sair, fiquei olhando aquele senhor fechando o portão do galpão onde estavam os carros e fiquei pensando: Porque ele nos convidou para vir até aqui se ele não tinha interesse em vender o carro? O que será que ele estava pensando? Será que ele achava que eu me interessaria por algum outro carro que estava lá?
Confesso que foi muito ruim voltar para casa com a sensação de que nunca teria condição de comprar esse carro, meu pai, viu pela primeira vez no semblante do meu rosto, a certeza de uma derrota.
Ele já estava começando a gostar de carros antigos devido aos encontros que também participava e pela primeira vez na vida, quando chegamos em casa, ele é que propôs de continuar tentando. Acho que as linhas clássicas daquele Dodge conquistaram até meu pai.
Nessa época, coloquei meu Impala 1968 a venda e fiz anúncios em várias revistas de carros, sendo que tive algumas propostas de troca, mas por carros antigos que não me interessavam muito. Ofereceram-me um Dodge Dart, outro um Maverick, também recebi proposta de um Landau e até de um Fusca 1968! Mas nenhum me chamou a atenção. 
Quando saiu o primeiro anúncio do Impala numa revista, vi na mesma outro anuncio de um Chevrolet 1948 transformado em Hot.
Me interessei pelo carro, pois na revista havia uma foto dele. Aparentemente estava muito bem montado e para falar a verdade, esse tipo de carro estava começando a me chamar a atenção (nunca fui de gostar de carros da década de 40, mas esse em especial me despertou um sentimento diferente, não sei explicar, mas era um carro que provavelmente trocaria com o Impala 1968).
Numa sexta feira à noite, liguei para o proprietário do carro e fiz várias perguntas a respeito. Conversei com ele sobre qual seria a proposta e ele me sugeriu de irmos até a cidade dele para avaliar o carro, então marcamos para um sábado e como de costume, um de meus amigos quis ir junto.
No sábado de manhã, já estavam prontos a minha namorada Flávia, a qual também queria ver o carro, meu pai que iria dirigindo o carro que tínhamos na época, meu amigo Zé Ernesto, sua namorada e eu, todos rumo à cidade onde o rapaz morava para ver o tal carro.
Quando chegamos, (não foi difícil achar a casa do proprietário) apertamos a campainha e o dono do carro logo veio nos receber. Depois de uma breve conversa ele tirou o carro da garagem, logo vi que o carro estava com o teto rebaixado em uns dez centímetros, estava com motor e câmbio original. Seu proprietário também gostava de músicas dos anos 50 e me convidou para dar uma volta no carro, logicamente com ele dirigindo! Perguntamos se mais alguém gostaria de ir, mas ninguém quis, nem mesmo meu pai que ficou avaliando o carro enquanto nos distanciávamos.
Esse carro chamava muito a atenção por onde passava, mas estava com muitos problemas, fomos ouvindo num velho toca-fitas que ficava escondido de baixo do painel, algumas músicas de Elvis Presley. Durante o trajeto que ele estava fazendo, o carro chegou a parar umas quatro vezes, e ele sempre colocava a culpa no carburador, dizendo que precisava limpá-lo, mas dava para perceber que além do carburador, o velho motor seis cilindros original de 1948, já estava muito “cansado”, principalmente pela fumaça escura que exalava do escapamento em algumas ruas mais íngremes, onde era necessária uma aceleração mais forte. Depois de voltarmos e termos uma conversa com o proprietário, ele nos disse que até trocaria o Chevrolet 1948 pelo Impala, porém, ele queria uma volta em dinheiro. Depois de avaliarmos o carro, dissemos que iríamos pensar na proposta, mas na verdade, esse carro não estava como havia imaginado, não só de mecânica, mas o teto estava muito mal rebaixado. No lado do carona, por exemplo, a porta tinha uma diferença de um centímetro entre a porta e o teto e nem mesmo a borracha da porta escondia isso. Depois de pensar durante alguns dias, decidi que não era o modelo de carro que estava procurando e o estado do carro também não ajudava muito, teria que restaurar o carro por inteiro para ficar bom e essa não era minha intenção. A não ser que fosse um carro da década de 50.
Liguei para o proprietário para dizer que não iria fazer negócio, mas nem precisei, ele me disse antes de qualquer coisa que não iria mais aceitar trocas pelo carro, pois estava precisando de dinheiro, mas mesmo assim, agradeceu pela visita, pois é sempre bom “trocar uma ideia” com quem gosta de músicas dos anos 50 e carros antigos.


Na foto, eu e meu pai junto do Chevrolet 1948 transformado em hot.

Novamente anunciei o carro para venda em revistas, agora, dizendo que também aceitava troca por carro antigo da década de 50, principalmente modelos dos anos de 1955, 1956,1957 ou 1958 e foi numa dessas revistas que encontrei o único carro que me faria esquecer daquele Dodge 1957!
Na mesma sessão de classificados, junto do anuncio do Impala, estava um anuncio que eu pensei que nunca iria ver em nenhuma revista ou jornal do Brasil:
- VENDO PLYMOUTH BELVEDERE 1958 POR R$5.000,00 (cinco mil reais).
É claro que tratei de entrar em contato imediatamente com o dono do carro pelo telefone, pois, numa época em que ainda não dispunha de internet, era solicitado fotos pelo correio, mas por telefone já fiquei sabendo de alguns detalhes, era uma Plymouth Belvedere 1958 quatro portas sem colunas, estava em no Rio Grande do Sul, tinha todos os detalhes, mas não tinha documentos. O carro, pelo que me foi explicado, pertenceu durante anos a um cigano, que o deixava no sol e chuva, depois disso foi vendido e deixado num barracão, (já estava ficando chata esta história de carro em barracão). Ele permaneceu muito tempo nesse barracão, não sei bem como, mas parece que ficou com o lado do motorista dentro da água ou algo parecido, isso acabou enferrujando todo o assoalho do lado esquerdo e a caixa de ar. O bom desse carro eram os detalhes, tinha todos os frisos, as calotas, o pára-brisa e o vidro traseiro intacto, mas o interior estava sem nenhum acabamento e faltavam alguns detalhes como maçanetas, por exemplo.
Aguardei ansioso as fotos que havia solicitado para o proprietário, que chegaram depois de alguns dias. Depois de ver o estado do carro, pude constatar que realmente à parte de baixo do carro estava muito podre, a caixa de ar e assoalho, quase não existia mais! Mesmo uma das fotos mostrando uma lateral do carro já em fase de restauração, o proprietário já havia me informado que teria que refazer toda essa parte novamente, pois não havia ficado bom.
Meu pai que também estava ansioso por ver a foto dessa Plymouth 1958, também achou que seria muito difícil restaurar um carro nesse estado, ainda mais com a dor de cabeça que iria dar para conseguir regularizar os documentos desse carro, pois foi feita uma pesquisa com despachante que já descartou a hipótese de fazer um novo documento.
Isso tudo não me desanimou, mas aprendi da pior maneira possível que quando você encontra uma jóia rara, primeiro você deve pegá-la para depois procurar saber seu valor e não deixá-la onde encontrou para primeiro pesquisar se vale ou não alguma coisa, pois sempre pode chegar alguém e pegar essa jóia de você!
O que estou querendo dizer é que esse é um carro muito raro, mesmo no estado em que estava, deveria ter fechado negócio já no primeiro contato telefônico com o proprietário, mas ainda assim, teria que vender o Impala 1968. Depois do primeiro contato, fiquei aguardando as fotos (que levaram aproximadamente duas semanas para chegarem) e depois que elas chegaram, levei mais uma semana (entre pesquisas com despachantes e etc para saber sobre os documentos) para finalmente entrar novamente em contato com o proprietário para tentar negociar uma troca com o Impala, mas nesse período, outra pessoa já havia comprado o carro.
Não podia acreditar, havia perdido a chance de realizar meu sonho de infância, o sonho de comprar o carro com o qual sonhei minha vida toda! Foi à primeira vez que escutei a frase do meu pai dizendo:
 - Se realmente era para ser meu, seria de qualquer maneira, mas se não fosse, não adiantava ficar insistindo e se lamentando.
Ainda tentei junto ao antigo proprietário, negociar o carro com a pessoa para a qual ele havia vendido, mas sem sucesso, pois o novo proprietário não tinha a menor intenção de vender ou trocar sua nova aquisição.
Ficava pensando, como era possível, esperar tanto tempo para encontrar um carro desses e quando finalmente um modelo desses aparece, ele escapa “das minhas mãos”! Estava inconformado, pois desde criança esse foi o primeiro Plymouth 1958 que ouvira falar no Brasil, realmente era um carro muito raro, mas também me lembrei de que nunca havia visto ou ouvido falar de um Dodge 1957 Kingsway Custom no Brasil, nem mesmo para venda em revistas ou jornais. 



 Acima e abaixo, fotos do Plymouth Belvedere 1958 quatro portas sem coluna, anunciada para venda em uma revista de carros.

Isso para mim foi um sinal de que realmente tinha que tentar de todo jeito comprar aquele Dodge 1957, que não me saia da cabeça.
Quando realmente decidi ir para o “tudo ou nada”, foi uma verdadeira maratona! Todo sábado pela manhã, ligava para o Sr.P. para fazer uma oferta, sempre sem sucesso, claro! E isso continuou durante seis meses seguidos, todos os sábados pela manhã era a mesma coisa. Até tinha enviado para o Sr.P. algumas fotos do meu Impala 1968, com toda descrição do carro, como, câmbio automático, direção hidráulica entre outros itens, mas sempre sem sucesso, pois ele não demonstrava nenhum interesse pelo meu carro e só repetia que não queria vender o Dodge e toda aquela mesma história de antes.
Num sábado, já esperando ouvir a mesma resposta ou até mesmo algum tipo de ofensa por estar cansado de todos os sábados receber ligações minha e escutar a mesma coisa, liguei novamente para o Sr.P., mas dessa vez quem atendeu foi o filho dele, um rapaz de aproximadamente vinte e poucos anos. Conversando com ele por telefone, ele me perguntou se eu era o dono daquele Impala 1968 que ele tinha visto por fotos na casa do pai?  E eu afirmei que sim! Então aconteceu algo realmente inesperado, que me deixou quase mudo! O rapaz me perguntou:
- Quer fazer uma troca? O seu carro pelo Dodge 1957 do meu pai?
Acho que na hora, se tivesse esperado um pouco para dar a resposta, ele não teria percebido o quanto eu queria aquele carro, mas depois de tanto tempo de espera ele nem bem terminou de me fazer à pergunta e já havia respondido: 
- Claro que sim!
Claro que ele aproveitou da situação e me pediu uma volta no carro de R$2.000.00 reais.
Pra mim não via problema nisso, minha única preocupação era de chegar na casa do Sr. P. com o meu carro num caminhão e na hora da troca o Sr.P. interferir na negociação e seu filho desistir do negócio.
Mas seu filho me garantiu a negociação, disse que, quem estava tratando da troca agora era ele e não seu pai, isso me tranqüilizou e no mesmo dia, comuniquei a troca ao meu pai.
Embora meu pai acreditasse ser uma verdadeira loucura o que eu estava fazendo, ele concordou em me ajudar, sendo assim, ligamos para uma empresa de transporte e combinamos de levar um carro e trazer o outro. Acredito que agora, como quem está lendo isso deve achar que eu deveria estar internado num hospício, seja a hora de fazer uma confissão! Quando anunciei o Impala 1968 para venda, estava pedindo o valor de R$8.000.00 (oito mil reais), mas apesar do bom estado aparente em que se encontrava, o carro tinha vários problemas, talvez não conseguisse vendê-lo por mais de R$5.000.00 (cinco mil reais), pois apesar de antigo, não era um carro tão procurado na época. Podia considerar o Impala como um “cenário”, pois estava muito bonito por fora, mas cheio de problemas de mecânica.
Vendo desta maneira, não me parecia ser uma grande loucura, pois estava trocando um carro que precisava de vários reparos, mas não tão procurado e de pouco valor na época, por outro que também precisava de muitos reparos, mas que era muito mais raro e depois de restaurado poderia valer bem mais, se bem que nem pensava na hipótese de um dia vir a vender esse carro.
Nesse mesmo sábado à noite, sai com a minha namorada Flávia e fomos até a cidade vizinha, para dar uma volta, fomos com o carro do meu pai, pois não queria sair com o Impala já que ele estava praticamente vendido, (ou trocado!) Fiquei o tempo todo falando sobre a troca dos carros, estava ansioso, pois era a realização de um sonho.
Ela nunca foi nem a favor e nem contra a troca do Impala pelo Dodge, também acredito que esse assunto não a interessava muito, pois sentia que mesmo o Impala 1968 não a agradava muito. Ela chegou a ver algumas fotos que tinha do Dodge da primeira vez que fomos até Ourinhos e me perguntou se um carro desses era muito difícil de ser restaurado?
Eu respondi que não, disse que as peças usadas neles eram mais fáceis de encontrar do que as que eram usadas no Impala, (mal sabia eu o que me reservava o futuro).
Não ficamos passeando muito, comemos alguma coisa e voltamos logo para casa, pois além de saber que tinha que acordar cedo no outro dia, também não agüentava esperar de ansiedade.
Era uma manhã de domingo, quase seis da manhã, quando colocamos o Impala 1968 no caminho plataforma e fomos rumo a Ourinhos, saímos bem cedo de casa, com um pouco de neblina na estrada. No caminho até Ourinhos, o motorista do caminhão chamado Luciano, comentou que estava com sono, pois no sábado à noite ele havia participado de uma festa. Isso me chamou a atenção, pois na noite do sábado, quando estava com a Flávia na cidade vizinha, passando pela Avenida 31 de Março, vimos do outro lado da avenida, um caminhão plataforma e mostrei para ela, comentando que seria um caminhão igual aquele que iria buscar o carro no domingo. Conversando com Luciano, ele me confirmou (sem que eu falasse que havia visto o caminhão no dia anterior), que era ele mesmo que estava lá parado no estacionamento de uma cervejaria, pois a festa era num conjunto de prédios em frente ao local onde o caminhão estava. Vejam como é o destino, mal sabia eu que era naquele mesmo caminhão que eu estaria no dia seguinte.
A Flávia não pode ir junto (e acredito eu que nem queria ir), pois no caminhão cabiam apenas o Luciano, meu pai e eu, ainda assim, um pouco apertado.
Chegando à casa do Sr.P. nem ajudei a descer o Impala 1968, desci do caminhão e fui falar com o filho do Sr.P. que já me aguardava em frente ao galpão onde estava o carro. Não sei como ele conseguiu tirar o carro do meio de tanta tralha, mas o carro já estava fora do local onde permaneceu por treze anos parado, debaixo de uma espécie de cobertura que antecedia a entrada do barracão, com os pneus meio murchos e os vidros abertos, (acredito que essa cena nunca vai sair da minha cabeça).
O Luciano mal acabara de descer o Impala e o filho do Sr.P. já entrou nele e saiu “cantando pneu”, deixando a negociação a cargo de seu pai, o que confesso, me deixou um pouco preocupado, sendo assim, também resolvi deixar as negociações a cargo do meu pai.
Enquanto meu pai tentava convencer o Sr.P. a deixar os R$2.000.00 reais parcelados em quatro cheques de R$500.00 reais, Luciano e eu estávamos estudando uma maneira de tirar o carro debaixo dessa cobertura, pois o caminhão não entrava até onde o carro estava.
Como já disse antes, onde o carro estava parecia um enorme sobrado inacabado e onde ele estava agora, parecia mais ser uma enorme garagem que antecedia esse sobrado.
Era estranho e quase difícil de acreditar, mas o Sr. P. havia varrido a sujeira de cima do Dodge com uma vassoura! É! Isso mesmo! uma vassoura comum, dessas de varrer casa.



Acima, o carro que foi literalmente varrido, de tanta sujeira que havia sobre seu porta-malas.

Era a primeira vez que consegui ver o para-choque traseiro do carro e até que ele estava em bom estado.
Luciano resolveu colocar o caminhão de ré e baixou a plataforma o mais próximo possível do carro, mesmo assim, ele teve que engatar um cabo de aço e puxá-lo até a plataforma do caminhão. Quando finalmente estava na plataforma, outro problema, o carro era grande demais e quase não cabia nela, os calços da plataforma tiveram de ser recuados o máximo possível, o carro chegou quase a encostar na cabine do caminhão e o “rabo de peixe” ficou quase um metro para fora da plataforma.
Nesse momento, toda a vizinhança já estava na rua vendo o que estava acontecendo, alguns senhores que teimavam em querer conversar comigo, ficavam ali contando histórias sobre o Sr.P. e seus carros “jogados” no barracão. Mesmo eu não prestando muita atenção no que eles falavam, pois nesse momento se passava muita coisa na minha cabeça, pude perceber que o Sr.P. era muito conhecido na vizinhança.
Já me imaginava dirigindo esse enorme carro em minha cidade, com o rádio em último volume tocando Elvis Presley, cantando Tutti Frutti, Litlle Richard cantando Ready Teddy, Ernie Maresca com seu Shout Shout (Knock Yourself Out) entre outros.
Os documentos do carro estavam bem atrasados e no nome do antigo proprietário que residia em São Paulo, e o carro ainda estava com placas amarelas. Finalmente meu pai terminou a negociação e convenceu o Sr.P. a deixar os R$2.000,00 divididos em quatros cheques.
Na volta para casa, as pessoas que passavam pelo caminhão, buzinavam, acenavam, faziam sinal de positivo e piscavam o farol do carro, faziam tudo para chamar a atenção. De dentro do caminhão, olhava para traz e nem acreditava que estava levando aquele carro que tanto sonhava para casa. Ficava olhando aquela frente gigantesca, faltando quase todas as letras do capô, onde deveria estar escrito Dodge e a grade que um dia foi cromada, toda opaca e com alguns amassados e pontos de ferrugem e pensava em como eu iria conseguir desamassá-la? O símbolo da Dodge no centro ainda era o original e ficava pensando em como resistiu tanto tempo sem nenhuma rachadura, pois parecia ser feito de acrílico ou algum material parecido! Meu maior medo era que os cabos se soltassem com o peso do carro, ou que com o balanço dos buracos que passávamos, algum friso caíssem ou o para-brisa acabasse de se estilhaçar.
Já eram quase duas da tarde, não havia uma nuvem no céu, o que destacava ainda mais aquele gigantesco carro sobre a plataforma do caminhão, então resolvemos parar para comer alguma coisa num posto de beira de estrada, desses com lojas de conveniências, foi ali que tive a primeira proposta de compra do carro, feita por um senhor que também havia parado ali, ele viu o carro todo sujo com os vidros abertos e perguntou se tinha interesse em vendê-lo? A resposta foi curta e grossa: - Não!
Mesmo com os vidros aberto e aquecido pelo sol, seu interior estava ainda com um cheiro que era um misto de poeira e sujeira.
Já cansados, chagamos a Piracicaba, SP, onde tivemos o nosso maior susto de toda a viagem! Numa rotatória próxima ao shopping Piracicaba, um carro passou a placa pare em alta velocidade e quase bateu no caminhão! A cada minuto que passava, ficava mais angustiado e ao mesmo tempo ansioso para chegar em casa.
E enfim, quando chegamos em casa, outro problema! O carro não funcionava e a entrada de casa era pequena para o caminhão, a solução foi colocar o caminhão de ré e baixar a plataforma até nivelar com a entrada da garagem, a qual era uma pequena rampa, mesmo assim, foi preciso “braço” para empurrar o velho Dodge para o fundo da garagem, pois os freios dianteiros estavam travados, ficando com a frente voltada para a saída da casa.


O Dodge na garagem de casa, no dia em que chegou de Ourinhos. Reparem na sujeira em que estava.


Em casa.

Depois que o Luciano foi embora, estava tão entusiasmado que fui até a casa da minha namorada buscá-la para ver o carro, Junto veio também um casal de amigos, o Zé Ernesto e sua namorada na época.
Quando chegamos em casa, os três olharam o carro de traz até a frente, ficamos então parados olhando pra ele até que a namorada do Zé Ernesto disse:
-Você é louco...
Minha namorada olhou bem para aquilo que um dia foi um carro, olhou pra mim e disse:
-Eu não vou andar nisso com você, dentro dele está fedendo e acho que esse cheiro nunca vai sair daí, sem falar que deve ter até rato e barata ali dentro!
 O Zé Ernesto olhou pra mim e disse:
-Pô! Carro legal cara! Se precisar de ajuda pra alguma coisa é só me chamar.
Já estava entardecendo, tinha acabado de levar meus amigos e minha namorada para a casa, mesmo assim, chegando em casa, fui tirar algumas fotos do carro do jeito que estava, foi quando tive outra surpresa, mas dessa vez foi uma boa surpresa. O porta-malas estava sem o miolo da fechadura, havia apenas um buraco quadrado bem pequeno, Até então, não o tinha aberto, nesse momento, não tive dúvidas, peguei uma chave de fenda e o abri.
Dentro dele estavam a lanterna que estava faltando, juntamente dos frisos que também faltavam, inclusive o último friso, uma pequena dobra na ponta do “rabo-de-peixe”, que encontrei quebrado ao meio, uma parte estava dentro do carro e a outra parte no porta-malas.
Também reparei que estavam faltando três maçanetas internas das portas.
Não me importava que horas eram, peguei a mangueira de água, um balde com sabão, vários panos (que depois foram jogados no lixo)  e lavei o carro, obviamente depois tive que lavar também a garagem, pois a mesma ficou toda suja de lama.
Nessa época, não estava mais trabalhando no hospital, já estava em outro serviço que embora fosse na cidade vizinha, era mais bem remunerado e não tinha que trabalhar aos sábados, domingos e feriados.
No dia seguinte, tive que ir trabalhar e não pude fazer nada no carro durante o dia, mas quando cheguei em casa, pra minha surpresa, minha mãe, que sempre foi contra a idéia de ter um carro antigo, havia limpado todos os vidros e os bancos, que eram separados e brancos, assim como as laterais de porta e o tampão traseiro, deixando tudo como novo, embora o tampão estivesse rasgado.
Faltava limpar apenas o carpete, que mesmo deixando o carro com os vidros abertos, continuava com aquele cheiro horrível.
Todas às noites, trabalhava um pouco no carro, até chegar à hora de ir à casa da minha namorada. Ficava arrumando pequenos detalhes, limpando uma coisinha aqui, outra ali, até chegar o sábado, que era o dia em que mais podia trabalhar no carro.
É bom esclarecer que, mesmo trabalhando no carro durante a noite, nunca deixei de ir à casa da minha namorada, alguns dias aparecia mais cedo, outros dias mais tarde, mas nunca deixei de sair com ela ou a deixei de lado por conta de trabalhar no carro.
O primeiro item a ser “mexido”, foi o interior do carro e para isso, fui com o meu pai até Piracicaba e compramos dois tipos de carpetes, ambos vermelhos, um para o interior do carro outro para o porta-malas.
Comprei também uma lata de cola de sapateiro e uma espécie de pano soft branco para cobrir o tampão traseiro, estava tão entusiasmado que preferia fazer tudo em casa. E foi o que fiz, pois sempre gostei de por em teste minhas habilidades.
Ao voltar de Piracicaba retirei os bancos, dianteiros e traseiros, retirei todo o carpete que estava completamente podre e joguei fora, limpei todo o assoalho ou o que tinha restado dele. Antes de comprar o carro, já achava que tinha alguns buracos no assoalho, mas não imaginava o tamanho do “estrago”, havia muitos buracos com mais de trinta centímetros no assoalho, até meu pé passava por alguns e olha que eu calço número 45. Até as colunas estavam podres, tive de ir novamente até o centro da cidade, comprar algumas latas de massa plástica automotiva para tentar remendar alguns buracos.
Para tentar tampá-los, recortava algumas latas, lixava e fazia o remendo na carroceria colocando massa plástica por cima e pintando por baixo, depois de seco, lixei a massa e pintei tudo de preto, para não aparecer muito! Também comprei uma massa para emborrachamento e passei em todo assoalho do carro, deixando secar até o domingo. Isso foi o suficiente para impedir a entrada de água dentro do carro.
Minha namorada acompanhava tudo o que estava fazendo no carro, algumas vezes ela não estava presente, mas a cada “passo” dado, eu mostrava pra ela tudo o que estava fazendo. Ela não me incentivava muito, mas também, quem incentivaria uma loucura dessas?
Na noite do sábado, fomos ao shopping de Piracicaba passear e acabei encontrando uma cera para polimento da cor do carro, que além de polir, também encobria alguns riscos, comprei sem pensar duas vezes. No domingo acordei bem cedo, tirei a medida do carpete, cortei e costurei, inclusive do console central, o qual fiz questão de fazer um compartimento “secreto” para esconder um rádio atual, já que no painel do carro iria colocar um rádio antigo que não funcionava, apenas para fechar o buraco existente.
Depois de passado a cola de sapateiro e colar o carpete já cortado dentro do carro, fui passar a cera da cor do carro. Depois de aplicada e retirado o excesso, o carro ficou com outra aparência, parecia ter revitalizado a cor dele, estava até com brilho.
Estava começando a ficar com cara de carro, mas faltava muito pra chegar onde eu queria, um bom exemplo era a parte elétrica do carro, que estava toda solta e pendurada de baixo do painel. Não tinha dinheiro pra pagar um eletricista automotivo e nem como levar o carro até o mesmo, então recorri ao meu tio Valdemar, ou como é conhecido na família, o Tio Zé.
Todas as noites chegava em casa e ficava olhando para aquele carro parado na garagem. Ainda era difícil de acreditar que depois de tanto tempo sonhando, finalmente tinha o modelo de carro que tanto procurei bem na garagem de casa, mas daí até fazer ele funcionar normalmente já era outra história!
Mesmo assim, estava super entusiasmado, cada peça que retirava para lavar ou limpar era uma nova descoberta, algumas noites, não fazia nada no carro, apenas ficava observando e imaginando como seria dirigir um carro desse pelas ruas da pequena cidade de Rio das Pedras. Aos poucos, meus amigos vinham em casa para ver, finalmente o Dodge na garagem e até eles achavam que eu tinha enlouquecido de ter trocado o Impala por esse carro.


  Acima o interior na parte dianteira antes de limpar e trocar o carpete, abaixo depois de limpo e com carpete novo.







 Acima o interior na parte traseira antes de limpar e trocar o carpete, abaixo depois de limpo e com carpete novo.


 O Dodge em casa, depois de lavado e encerado com uma cera especial que além de dar brilho, cobria os riscos mais superficiais.


Certo dia, o meu tio Zé também apareceu em casa, pedi a ele se poderia me ajudar com a parte elétrica e ele disse que se encarregaria de colocar uma ordem nos fios que estavam soltos debaixo do painel. Ele deu uma boa olhada no estado que estava e achou melhor deixar o trabalho que iria realizar para a próxima semana, pois não daria tempo de fazer tudo o que era preciso naquele dia.
Meu tio Zé sempre foi um admirador de carros e já teve vários modelos diferentes, com o qual tivemos várias aventuras, mas com certeza, um que nunca vou me esquecer é o Opala 1969 verde que ele teve.
Quando eu era adolescente, fomos dar uma volta com o Opala e quando estávamos numa avenida não muito movimentada da cidade ele me falou: Segure em alguma coisa! Como não sabia o que ele ia fazer, apenas segurei no painel do carro. Foi quando bruscamente ele fez um “zerinho” com o carro no meio da avenida! Quando ele olhou, eu havia caído debaixo do painel do Opala! Mas apesar disso, ele sempre dirigiu com responsabilidade e também preferia fazer ele mesmo os ajustes em seus carros.
Aproveitando as noites quentes da semana, eu fazia pequenas coisas no carro, como, por exemplo, retirar e limpar os botões do painel, separar os fios do motor e do painel, claro que sem saber o que era e para onde ia, pois a cada fio que começava a desenrolar daquele emaranhado, a maior parte acabava solto sem função. Não podia fazer muita coisa durante a noite, pois trabalhava no carro das 18:30 até as 20:00 horas, depois ficava com a minha namorada Flávia, que começava a reclamar de tanta atenção voltada para o carro.
Sábado pela manhã, meu pai e eu resolvemos começar a limpeza do motor, pois iríamos funcioná-lo em casa mesmo.

 Foto do que um dia foi um motor v8 de Dodge nacional, que estava no Dodge 1957, faltando várias peças para o funcionamento.

Começando o trabalho.

Todo sábado pela manhã era a mesma rotina, acordava bem cedo e juntamente com meu pai, íamos trabalhar no carro.
Finalmente, começamos a “mexer” no motor, na verdade, estava apenas o bloco do motor, das oito velas, tinha apenas uma, tinha uma sobra do que um dia foi um carburador, mas que agora estava longe de ser utilizado novamente, não tinha distribuidor, cabos de vela, alternador, filtro de óleo, bomba de gasolina, correia de alternador entre outros detalhes.
Avaliando tudo isso, começamos retirando o cárter de óleo para limpeza, no qual havia uma pasta negra a qual eu achava que um dia tinha sido óleo, retiramos também as tampas de válvulas para limpeza e para nossa surpresa havia até folha de goiabeira dentro dela!
Depois de tudo limpo, fomos fazer uma visita ao ferro velho do Nenê, o maior da cidade, para procurar algumas peças que faltavam para funcionar o motor.
Meu pai já havia trabalhado com o Nenê há muitos anos atrás, e ele também já me conhecia, devido às visitas semanais que fazia quando jovem, em busca de algum carro antigo em seu ferro velho e principalmente pela compra de seu Impala 1968.
Quando chegamos no ferro velho, ele estava sentado numa pequena sala que mais parecida com uma recepção, descansando.
O Nenê era um senhor já com mais de sessenta anos, com aparência de mecânico, um homem que você olha para ele e vê um senhor que não tem medo de trabalho, mesmo sendo deficiente físico.
Meu pai me contou que ele perdera um braço num acidente de carro e que quando trabalhou com ele, isso não era nenhum incômodo, para desmontar um câmbio, por exemplo, ele pisava com um pé em cima do câmbio e com o outro braço desmontava o mesmo.
Por causa dessa deficiência, ele tinha todos os carros hidramáticos ou automáticos, sendo a maioria Landau. Ele chamava meu pai pelo apelido de “Mecânico” desde quando trabalharam juntos.
Meu pai costumava dizer que o Nenê, mesmo sem um dos braços, trabalhava mais do que muita gente que tinha os dois.
Seu ferro velho era gigantesco, tinha uma área equivalente à de um quarteirão inteiro e dentro dos barracões, haviam passarelas com bancadas cheias de peças de todos os modelos de carros, uma sobre a outra, totalizando seis andares de passarelas. Quando chegamos, falamos para ele a lista de peças que estávamos procurando. Ele nem se levantou, disse que a maioria ele tinha, mas tinha que procurar nas bancadas das passarelas. Perguntei se ele se importava que eu desse uma olhada nas bancadas e ele disse que poderia ficar a vontade. Enquanto procurava, ele ficou conversando com meu pai.
Revirei todas as bancadas de cima a baixo, só não encontrei o motor de partida, do restante encontrei tudo, tinha até uma carcaça de um velho blower vermelho, muito usado hoje em dia para aumentar a potência em motores V8, perdido no meio das peças de caminhão. Perguntei ao Nenê se ele sabia o que era aquilo? Ele me disse que era de caminhão, então lhe contei a finalidade do blower. Ele ficou surpreso e disse: - Para que instalar um “negócio” desses num motor V8, se o próprio motor por si já é muito forte?
Ali olhando para aquele blower, começava a passar pela minha cabeça como iria prosseguir com o projeto do Dodge? Pois seria quase que impossível devolvê-lo a sua originalidade, onde encontraria peças originais, motor original, etc.
Levamos todas as peças para casa, mas antes passamos no Laerte, um conhecido eletricista automotivo e também uma espécie de faz tudo da cidade em relação a carros, se alguém tinha um motor de partida para o motor do Dodge, esse alguém era o Laerte e sem sombra de dúvida, foi lá que encontrei o último item que faltava para montar os periféricos do motor.
Quando chegamos em casa, erguemos o Dodge com um macaco e apoiamos a roda dianteira com calços, deixamos o câmbio engatado em primeira marcha e colocamos óleo nas válvulas do motor. Enquanto meu pai colocava o óleo, eu virava com a mão a roda traseira, que estava suspensa. Com isso o motor virou macio, parecia não ter nenhum pistão travado e nenhum problema interno no motor.
Montamos todas as peças, inclusive um velho carburador DFV 446, que havia encontrado no ferro velho, ele já estava completo, só precisou de uma limpeza e de novas juntas, que também encontramos numa loja de peças que o Nenê também tinha no ferro-velho.
Refiz também a parte elétrica da bateria para o motor de partida e do fio terra, seguindo o mesmo esquema que estava antes, faltava ainda à parte elétrica que ficou a cargo do meu tio Zé.
No domingo, como havia prometido, meu tio Zé veio dar uma geral na parte elétrica, pois dessa parte eu entendia bem pouco. O primeiro passo foi retirar todos os fios soltos que estavam sem utilidade nenhuma. Não dava para acreditar, mas haviam fios que eram usados em antenas de televisão, de baixo do painel, havia até mesmo fio que dava a volta no painel todo, ia até o motor e voltava nele mesmo, todos enrolados com fita isolante, que devido ao tempo e sujeira, se soltavam como se fosse pano enrolado nos fios, pois já não tinha nem sinal de cola neles.
Depois observamos o que ainda poderia ser usado dos fios que sobraram, verificamos se não havia risco de curto circuito ou incêndio e até mesmo pane elétrica. Pode parecer mentira, mas os fios que sobraram eram exatamente os fios originais do carro, foi só puxar tudo em uma nova caixa de fusível que colocamos debaixo do painel e distribuí-los para seus respectivos locais.
O carro ainda não funcionava, mas toda a parte elétrica correspondente ao som, já estava pronta, eu havia feito também toda à parte de fiação dos autos falantes. Foi bom lembrar do rádio, pois quando foi instalado o rádio novo, eu o deixei escondido dentro do console central, que havia feito novo, baseado no antigo molde que veio com o Dodge.
O rádio deixado no painel do carro era um velho rádio que estava no Fusca que meu pai vendera há anos, usei apenas a parte externa do rádio. Já o rádio novo, eu desmontei e retirei seu botão de liga e desliga, junto com o botão de volume e fiz uma extensão por traz do painel até o rádio antigo, que ao ligar, também acendia uma forte luz verde, dando a aparência de rádio original no painél.
Agora com os fios todos ligados e a bateria nova no lugar era hora de testar se todas as luzes funcionavam. A primeira a constatar que funcionava foi à luz de cortesia do teto, que ao abrir a porta iluminou todo interior do carro, isso já era mais ou menos 18:00 hs e começava a escurecer deixando o interior do carro que era branco, bem iluminado.
Um pouco receoso, girei o botão da lanterna e ao ligar, acendeu também o painel de instrumentos, todo na cor verde, iluminando o fundo preto com os números em branco, depois foi à vez do farol, da luz alta, das setas e finalmente o limpador de pára-brisa, tudo funcionou normalmente, vale ressaltar que as lâmpadas apenas das lanternas traseiras e das setas dianteiras foram trocadas, as outras eram todas originais que estavam no carro, inclusive as pequenas lâmpadas que iluminavam o painel, que ficavam dentro de uma espécie de vidro arredondado de cor verde. Nem sei como elas ainda acendiam, depois de tanto tempo parado.

 O porta-malas com o carpete pronto e com a parte de som ligado, em seis autos falantes espalhados pelo interior do Dodge.

  Na seqüência de fotos, primeiro acendemos as lanternas, depois os faróis. Reparem que o emblema dianteiro, também acendeu com as lanternas e apagou quando acendemos os faróis.
 Esperava ansioso para girar a chave, mas tive que conter essa vontade por mais uma semana, pois não havia retirado o tanque de gasolina para limpá-lo e também estava sem gasolina em casa. Seguindo o conselho do meu pai, era melhor esperar até o próximo sábado, pois faltava colocar a correia e o alternador, que estava sem suporte.
Durante a semana, à noite, continuava limpando alguns detalhes do carro, como por exemplo à luz da placa, que embora tivesse funcionado, estava com a lente pintada de preto.
Aproveitamos também as noites da semana para retira as lonas e os “burrinhos” de freio das rodas, e também dar uma verificada em como estava à suspensão dianteira, depois de algumas noites trabalhando nelas, deixamos a parte de freio pronta para funcionar.
Lembro-me que num feriado eu tive de ir trabalhar, mas meu pai ficou em casa, falei com ele para descansar nesse dia ao invés de ficar trabalhando no carro. Quando cheguei em casa, abri o portão e dei de cara com o carro penso só do lado esquerdo, com a suspensão caída em cima da roda, fiquei intrigado e fui perguntar para meu pai o que havia acontecido?
Ele me disse que como estava entediado, foi mexer na suspensão do carro e ele havia ficado assim, depois de muito “quebrar a cabeça” conseguimos deixá-lo na posição normal.


 Reparem como ficou o Dodge com um dos lados quase encostado no chão, deu o maior trabalho para acertá-lo na altura correta.

Além de todo sistema de freio, fizemos também as novas linhas de freios, só não trocamos o Burrinho de óleo, pois iria colocar um mais sofisticado e moderno.
Já as lanternas de freio, foram feitas pelo antigo dono, no lugar onde ficavam localizadas as luzes de ré, seguindo o modelo do Plymouth 1958, mas usando lentes invertidas do Chevrolet Opala, comprei duas lentes novas, na época, pela bagatela de R$5,00 (cinco reais) cada uma e troquei as antigas, já opacas e trincadas. Se não falasse para ninguém, todos pensavam serem as originais do carro.
Fiz também um modelo de suporte do alternador, pois não encontrei nenhum em todos os lugares que havia procurado. Na sexta feira ficou pronto, na medida exata e na noite de sexta mesmo, já instalei o alternador e deixei o carro pronto para dar a partida no sábado de manhã, mesmo sem o tanque de gasolina, pois íamos usar um galão ligado direto na bomba de combustível.
Enfim chegara o grande dia, o dia de funcionar o motor, o enorme V8 que há tanto tempo havia ficado parado, sem uso e manutenção, Confesso que fiquei um pouco receoso, pois corria o risco de dar a partida e o motor travar, mas por outro lado, tudo que podia ser limpo e trocado assim foi. Bomba de óleo, bomba de gasolina, filtros de gasolina, filtro de ar, enfim, tudo estava pronto, lembrando que o carro ainda estava sem freios.
Com o câmbio desengatado, colocamos o galão de gasolina ligado em uma mangueira que estava ligada direta na bomba de gasolina e esperei meu pai dar o sinal para dar a partida, sempre com um extintor de incêndio junto (nunca se sabe quando vai precisar).
Virei a chave e claro que o carro não pegou de primeira, o motor deu muitas voltas e nada de funcionar, estava pesado e mesmo a bateria sendo nova, estava esgotando a carga, pois o motor não conseguia fazer o alternador carregá-la, então retiramos um pouco de gasolina do galão e colocamos direto no carburador. Depois, girei a chave, pisei fundo no acelerador e finalmente o motor funcionou.
O que restava do escapamento jogou ferrugem e óleo até na parede de casa, cerca de mais de um metro! Saiu uma fumaça preta que escureceu toda a garagem onde o carro estava com o inconfundível cheiro de gasolina com óleo queimado, já o motor, não “virava” legal, estava estourando muito, (parecia queima de fogos no final de ano) e prá piorar, o escapamento estava furado e remendado em vários pontos, deixando o barulho ensurdecedor.
Pela fresta do capô, de dentro do carro, pude ver uma grande labareda de fogo que subiu do carburador, que estava sem seu filtro de ar, quase atingindo o capô do carro.
Dei mais uma acelerada forte e tirei o pé do acelerador, nisso (pelo relato do meu pai) uma grande labareda de fogo saiu do que um dia foi o escapamento. Mas pelo menos o motor virou sem bater válvulas. Sem saber o que estava acontecendo, resolvi desligar o motor e avaliar os cabos de vela e o distribuidor.
Não deu outra, tínhamos colocado os cabos de vela invertidos, estavam três ou quatro cabos trocados! Com os cabos no lugar, dei novamente a partida, o motor funcionou bem, mas ainda dava uns estouros quando se pisava mais forte.
Reparei que quando o motor funcionou, a alavanca de câmbio tremeu muito mais que o normal! Resolvi dar uma olhada na travessa do câmbio e pra minha surpresa ele estava solto, sem nenhum coxim segurando ele, havia apenas um parafuso sem porca colocado num dos lados do câmbio, sem falar que a embreagem também estava solta, pois era hidráulica e estava sem óleo, além de não estar ligada ao garfo do platô.

  O Dodge 1957 no dia em que fizemos seu motor funcionar, na garagem de casa mesmo
 Foto do motor no dia em que funcionamos, reparem no suporte do alternador feito novo e nas peças novas que colocamos.

Finalmente chegou a hora de levar o carro para uma oficina especializada para poder trabalhar com as ferramentas certas, pois o trabalho que seria executado pedia mão de obra mais qualificada e equipamentos que não tínhamos.
Depois de conversar com alguns donos de carros antigos, nos indicaram uma oficina que prefiro chamar de “Oficina do LL”, pertencendo ao próprio senhor LL em Piracicaba. Novamente chamamos o Luciano para transportar o carro até a oficina, nada muito difícil, ao chegarmos, empurramos o carro para um canto fora da oficina, onde já fui tirando o capô e uma espécie de hidro-vácuo antigo que parecia pertencer a alguma antiga pick-up, juntamente com o “burrinho” de freio.
O senhor LL era um homem trabalhador, colocava a “mão na massa”, mas não era toda hora que ele estava disponível para executar todos os trabalhos que tinha. Para isso contava com a ajuda de alguns funcionários, que só fiz questão de conhecer por apelido, A equipe era formada pelo “Baixinho”, o “Velhinho” e outro que não lembro nem o apelido.
Como dizem, “a primeira impressão é a que fica” e a primeira impressão que tive de sua equipe, não foi das melhores. Empurramos o carro para dentro da oficina, para retirar o motor. Soltamos o câmbio e tudo o que estava preso ao motor.
A primeira falha da equipe foi ao retirar o motor, enquanto meu pai e eu conversávamos com o senhor LL, eles guinchavam o motor, mas, não engataram direito as correntes no mesmo e ao levantá-lo com o guincho, um lado se soltou e o motor caiu em cima do para-lama do lado esquerdo, deixando um grande e vistoso amassado. Não podia acreditar naquilo, o senhor LL, chamou a atenção de todos eles gritando em alto e bom som:
- Seus burros! Não sabem nem prender uma corrente num motor?
Comecei a perceber algo de estranho na oficina! Os três funcionários pareciam embriagados, mas era estranho, pois ainda eram dez horas da manhã!
Perguntei onde era o banheiro e se poderia usar? O senhor LL me indicou, ficava no fundo da oficina, teria que passar por uma espécie de estoque de peças e uma pequena cozinha.
Foi nessa pequena cozinha que reparei em cima da mesa, duas garrafas de bebida alcoólica, já pela metade. Comecei a desconfiar do trabalho deles, mas como tinham boas referências, resolvi dar um crédito a eles, talvez estivessem comemorando algo ou por ser sábado e a oficina estar meio vazia, estavam se descontraindo. Na verdade a oficina não estava “meio” e sim totalmente vazia, só estava lá um jipe do próprio LL sendo montado e o meu carro.
Durante a semana, não podia acompanhar o trabalho na oficina, pois quando saía do trabalho, a oficina já estava fechada e também estava fazendo um curso no período noturno, sendo obrigado a sair do trabalho direto para esse curso. Meu pai também trabalhava durante o dia e era muito difícil passar para acompanhar o trabalho que estava sendo executado no carro.
No sábado, fomos até a oficina para raspar o capô, passar cola e colarmos um feltro antitérmico do lado interno. Para minha surpresa (na verdade decepção!), o novo carpete que havia colocado no carro a menos de um mês, estava todo sujo de graxa e óleo, sem falar que havia buracos e marcas de queimadas em vários lugares do carpete.

Não precisei nem pergunta, foi só ficar observando para perceber que o “Velhinho” trabalhava no carro fumando um “monstruoso” e fedorento cigarro de palha e as bitucas que caiam, formavam verdadeiras crateras no carpete do carro. Também não precisei nem chamar a atenção dele, meu pai vendo esta cena, tomou a minha frente e falou “poucas e boas” pra ele, do tipo: sabe quanto custou esse carpete prá você ficar derrubando bitucas de cigarro e queimando ele? Entre outras coisas (além do risco de incêndio).
Comecei a observar o ambiente em volta do carro e já estava arrependido de ter levado o carro a esta oficina, pois sobre o carro, estavam varia peças, algumas retiradas dele e outras retiradas de outros carros (tudo bem que o carro não era novo, mas também não era uma prateleira). Também observei algo estranho! “Milagrosamente”, depois que deixei meu carro na oficina, começou a aparecer mais carros e caminhonetes para conserto na oficina e com esse aumento de trabalho, o LL foi deixando meu carro de lado e trabalhando nos outros, com a desculpa que meu carro por ser antigo, não tinha pressa, já os outros eram carros de trabalho e uso diário. Na maioria, eram velhas pick-up’s C-10, D-20 e Veraneio, mas também haviam algumas mais antigas como uma GMC da década de 1950 .
Não podia tirar o carro da oficina, pois já estava sem o motor e o para ser sincero o LL trabalhava bem, ele mesmo já havia colocado o câmbio no carro, e também me mostrou que o motor estava desnivelado, por causa do cárter de óleo, que batia na travessa da suspensão dianteira e deixava o motor caído para a parte traseira, isso explicava o fato do câmbio estar totalmente solto, pois ele ficava inclinado em ângulo e não encaixava na travessa.
Retiramos o cárter para fazer um pequeno trabalho de funilaria nele, nada muito grande, cortamos em forma de “L” invertido na parte frontal e soldamos, fechando essa parte, assim, não seria necessário trocar o suporte do motor e nem mexer na travessa da suspensão.
Este sábado estava muito ensolarado, mas mesmo assim raspei todo o capô do carro com a ajuda de um removedor de tinta pastoso, depois preparei o capô com três camadas de colas na lata e três camadas no feltro, colando ambas as partes, conforme me ensinou o LL que garantiu que isso levaria anos pra sair. Depois de pronto fui reparar que devido ao sol, meu rosto e meus braços estavam vermelhos e com algumas queimaduras do produto que usei para remover a tinta interna do capô, que sem querer, respingou nos meus braços.
Ao mesmo tempo em que ficava irritado com os funcionários, também percebia que o LL sabia muito bem o que estava fazendo, sempre com a camisa suja de graxa e com um óculo de proteção redondo na testa, ele não tinha medo do trabalho, acho que se não fosse pelos seus ajudantes, ele teria até mais trabalho.
Durante os outros sábados em que fui trabalhar no carro, não podia fazer muita coisa na parte de mecânica, pois o próprio LL estava executando esse trabalho no carro, ele já havia instalado o novo sistema de freio, retirando o antigo burrinho hidráulico da embreagem e criando um novo varão, com isso o sistema de freios e a embreagem já funcionavam.
Aproveitando os recursos da oficina, coloquei o tanque de combustível que fora para a oficina no porta-malas do Dodge e as novas linhas de combustível, também comecei a fazer uma melhora na estética do motor que ainda estava fora do carro. Levei-o com um guincho até a parte externa da oficina e com um jato de produto químico específico, removi toda tinta antiga do motor, deixando o mesmo secar por duas horas, então com um compressor, pintei o motor na cor vermelho, já que sua antiga cor era azul.

 Foto do capô sendo raspado com o uso de removedor pastoso. Observação: sempre que fizer um trabalho com produtos químicos, utilize equipamentos de proteção individual como, luvas, óculos de proteção entre outros, pois descobri da pior maneira que esse tipo de produto pode causar queimaduras químicas.

  Pick-up GMC da década de 50 na oficina em que estava o Dodge.

  Motor v8 no momento de sua limpeza. 

 Acima o Dodge na oficina durante a adaptação do câmbio.
Nessa etapa, o carro já estava com a documentação em andamento, precisei então, rever todos os detalhes que faltavam como os retrovisores externos e limpadores de para-brisa novos, pois os outros estavam muito desgastados.
Faltava agora, colocar o motor no lugar, ­o que seria feito no sábado seguinte. Quando chegamos à oficina, naquela manhã de sábado, tive uma surpresa (dessa vez agradável!). O carro já estava estacionado na rua, em frente à oficina, sem o capô com os vidros abertos. Acho que foi a primeira vez que tinha olhado realmente o tamanho daquele carro, pois senti uma sensação de estar vendo um caminhão, a suspensão estava bem baixa, o que realmente dava uma aparência de que o carro era maior do que realmente é.
Pelo visto o LL já havia testado o carro, pois seu radiador ainda estava quente, como quem já deu uma volta no quarteirão! Lembrei-me de quando eu e meu pai retiramos o radiador para limpar em casa, estava completamente cheio de terra, com alguns furos, tivemos que desmontar e levar até uma oficina para reparo. Depois de aberto, não acreditei no que vi, havia crescido dentro do radiador, vários brotos de pés de feijão, que já estavam secos devido ao tempo que ficaram sem água, como foram parar lá dentro eu não faço nem ideia! (só para observação, também não descobri até hoje como as folhas de goiabeira foram parar dentro das tampas de válvulas!)
Não havia uma nuvem no céu e o sol era refletido no enorme para-choque dianteiro que ainda mantinha um pouco de seu cromado original e no para-brisa trincado. Olhei aquele carro parado no meio fio, e fiquei observando, até com um pouco de medo, pois seria a primeira vez que iria dirigi-lo. O LL ao me ver, já veio com as chaves na mão e gritando de longe, como era o jeito dele:
-Aposto que está louco de vontade para dar uma volta com essa máquina, não está?
Ele estava certo, não via a hora de poder dar uma volta, sentei no banco do motorista e o LL sentou no banco do carona, chamei meu pai para nos acompanhar, mais ele preferiu ficar ali esperando. Liguei o motor e ouvi aquele ronco forte, mais que o normal para um motor V8, depois lembrei que o escapamento estava todo remendado e furado.
Não há como descrever a sensação que senti dentro do carro, vendo na minha frente aquele enorme motor V8 funcionando, pois o carro ainda estava sem o capô, a cada acelerada que dava, o carro pendia para o lado e podia ver toda reação daquele motor, ele se “torcia” todo a cada acelerada, é uma visão que não tem como descrever em palavras, só que já teve a oportunidade de acelerar um motor V8 sabe do que estou falando.
Depois de me familiarizar com o acelerador e embreagem, que ainda estava um pouco alta, engatei a primeira marcha, acionei a seta para a direita e finalmente coloquei o carro em movimento. Essa é outra sensação que não consigo descrever, por um tempo parece que fui transportado de volta à década de 50, parecia que não havia mais nenhum carro na rua além do meu, estava hipnotizado pelo funcionamento do motor, pelo seu ronco e mais ainda pelo modo como aquele carro andava. Já havia andado com carro V8, meu antigo Impala era V8, mas esse carro parecia ter mais potência, eu pisava no acelerador e ele respondia de imediato.
Só dei uma leve pisada no acelerador na esquina da oficina e foi o suficiente para sair “cantando pneu”, mas acabei diminuindo, pois LL havia me lembrado que era apenas um teste e que o carro ainda estava sem alinhamento, balanceamento e com pneu meia vida.
Os freios, apesar de serem a tambor, se mostraram muito eficientes para o peso de duas toneladas do Dodge. Fiz apenas uma volta num quarteirão e parei em frente à oficina onde meu pai me esperava ansioso para saber como estava o carro, na verdade não precisava nem falar, pois ele viu como eu vim acelerando na rua, que tinha uma enorme reta até a frente da oficina.
Nesse sábado o carro saiu da oficina do LL para trocar os pneus, fazer o alinhamento, balanceamento e trocar o escapamento, pois seria necessário para a perícia que teria que fazer para trocar a placa e regularizar a documentação.
Aproveitamos o tempo e deixamos o carro na empresa especializada em troca de escapamentos do Sr Dirceu, um amigo que conheci no clube de veículos antigos de Piracicaba. Ele e seu filho Fabrício são grandes admiradores de carros antigos, tanto que nessa época ele tinha um Morris Oxford 1951, transformado em Street Rod com mecânica de Chevrolet Opala.
O Sr Dirceu me convidou para ir até a casa dele para ver pessoalmente seu carro, pois nunca o tinha visto.
Deixamos o Dodge em sua empresa, pois levaria cerca de uma semana para fazer a troca do escapamento, não era simplesmente retirar o velho e colocar um novo, não existia um escapamento pronto que se adaptasse ao carro, então foi necessário a criação de um novo.
Optei por um escapamento de duas polegadas e com duas saídas, uma para cada lado do motor.
Durante essa semana, procurei em vários lugares as calotas do centro da roda, pois só tinha uma, e sem sucesso, tive a ideia de construir essas calotas com espelhos!
Meu pai encomendou a Vidraçaria Paulista o corte de vários espelhos, no formato redondo, na medida das calotas centrais originais. Foram feitas ao todo 20 espelhinhos, para que em caso de quebra, já houvesse mais para a reposição. Para colar esses espelhinhos, limpei toda área onde os mesmos seriam colocados e depois colei com uma cola especial.
No sábado pela manhã fomos buscar o carro e ele já estava parado do outro lado da rua, com o escapamento pronto, mas a porta do lado do passageiro, não estava mais travando. Sem saber disso, quando fui fazer a curva do retorno da oficina, a porta se abriu violentamente, amassando um dos frisos laterais do para-lama, nada muito sério.
Não tendo outra solução no momento, amarrei a porta com um pedaço de fio usado em construção, que havia encontrado por ali. Depois de muito tempo esperando, finalmente levaria o carro rodando para casa. Confesso que fiquei um pouco apreensivo, pois nunca havia dirigido esse carro numa rodovia, mas até que ele andou bem, melhor do que havia esperado.

De volta para casa.


Quando cheguei em casa, o carro estava todo sujo e a primeira providência foi lavar e limpar o carro por dentro, claro que com a ajuda do meu pai. Foi uma verdadeira atração no bairro, todos queriam ver o carro e depois de limpo, tive que levar o pessoal da família para dar uma volta, pois todos queriam andar nele, até minha avó queria dar uma volta, mesmo já estando “traumatizada”, pois quando a levei para dar uma volta com o antigo Impala, acabei freando tão bruscamente numa esquina que ela bateu a cabeça no para-brisa.
Para fazer a vistoria, quem levou o carro foi meu pai e ele me disse que não teve nenhum problema, assim como para emplacar o carro.
Durante algum tempo, fui rodando e participando de alguns encontros e eventos com o carro do jeito que estava, a Flávia sempre me acompanhava, dizia que não ligava para o carro, mas dava para perceber uma pontinha de ciúmes ou algo parecido que ela começava a demonstrar.

  O Dodge depois que voltou da oficina e na outra foto, já vistoriado e emplacado, na rua ao lado de casa. Virou atração no bairro.


Com o passar do tempo, trocava alguns detalhes, que fazia questão de produzir pessoalmente, como o novo tampão traseiro e as novas laterais de porta. Já mentalizando a cor que iria pintar o carro, fiz essas peças na cor que pretendia deixar todo o interior do carro, como não possuía material apropriado para o trabalho, como serra tico-tico, por exemplo, tive que improvisar. Para fazer os buracos dos alto-falantes, usava uma pequena chave de fenda e um martelo, com o qual, batia na chave de fenda, fazendo os buracos redondos na medida necessária. Nessa etapa, havia chegado à hora de tomar uma decisão. Manter o carro o máximo original possível ou transformá-lo em um street rod para uso diário?  Durante todo esse tempo em que o carro passou por esse processo para funcionar, pesquisei muito sobre seu modelo e ano, ainda não possuía recursos como internet e isso dificultou muito minha pesquisa. A ideia inicial era de deixar o carro original, mas seria quase impossível, pois muito já havia se perdido durante todos os anos em que o carro havia ficado parado. Participando de alguns encontros de carros antigos, procurei por um motor igual ao usado na época e acabei encontrando um motor V8 que tinha pertencido a um De Soto 1958, mas já estava muito danificado e o dono pedia muito caro! Já os detalhes de acabamento interno também foi outro ponto em que a originalidade já havia sido descartada, assim como a tentativa de encontrar seu banco dianteiro original. Muito outros detalhes também teriam de serem procurados, detalhes mecânicos e de acabamento, porém a todos os comerciantes que perguntava sobre peças para esse modelo, me diziam que seria muito difícil de encontrar alguma coisa e a importação ainda estava descartada, pois o valor das peças era altíssimo.


  Confecção das novas laterais de porta na medida e formato das antigas.

  Acima e abaixo momentos da confecção e troca do novo tampão traseiro, feito nos moldes do antigo.

    Acima e abaixo momentos da confecção e troca do novo tampão traseiro, feito nos moldes do antigo.
   Acima e abaixo momentos da confecção e troca do novo tampão traseiro, feito nos moldes do antigo.



Em muitos encontros de carros antigos que participei e em algumas revistas de carros que passaram a divulgar carros antigos com maior frequência, percebia uma mudança em alguns carros que estava começando a se popularizar no Brasil! Eram carros com carrocerias originais, a maioria mantendo seus frisos e detalhes externos, mas com mecânica muito mais forte, algumas até atual, mais modernos e com interior repleto de tecnologia.
Noticiadas por muitas revistas, essa nova “moda” que estava começando no Brasil estava sendo chamada de Street Rod o que caracterizava o carro com uma aparência original, mas mecânica modificada para uso no dia a dia e detalhes ao gosto do proprietário. Não havia um padrão a ser seguido, bastava o proprietário ter uma ideia, um carro, dinheiro e muita paciência para montar um Street Rod a seu gosto e necessidade.

 Acima e abaixo, Chevrolet 1957 transformados em Street Rod, observe que os carros mantiveram quase todos os frisos laterais e detalhes.




Decidi então transformar o carro num street rod, pois o valor que gastaria para importar os itens faltantes seria muito alto. Mas não pretendia modificar a carroceria, para falar a verdade, minha intenção era manter a aparência externa o mais original possível e modificar apenas alguns itens da parte mecânica, deixando o carro um “lobo em pele de cordeiro”.
Nesse tempo, já havia feito mais algumas modificações na parte do rádio, havia retirado o console e coloquei um falso ar condicionado, que abria a parte frontal, onde dentro havia apenas um rádio mais atual, mas ainda mantive o mesmo comando de volume e liga e desliga no rádio antigo que ficava no painel do carro.
Depois de tomada a decisão de transformar o carro em street rod, tinha que começar a procurar peças para adaptação, como por exemplo freios a disco, câmbio automático e direção hidráulica. Esse último era um item indispensável, pois o carro estava com direção comum e para estacionar era preciso ter um braço de halterofilista, pois a direção era muito pesada.
Lembro-me que um dia, um amigo de trabalho chamado Edson queria ver o carro, pois até então, só o tinha visto por fotos, então fui trabalhar com ele, e para estacionar o carro foi necessário fazer várias manobras, pois o estacionamento do meu trabalho era pequeno e ali ficavam vários carros, o mesmo aconteceu na hora de sair, precisei até pedir ajuda da minha outra amiga de trabalho, a Sandra, para não bater nos carros que estavam estacionados. Uma curiosidade é que, enquanto manobrava o carro, um senhor, aparentemente de sessenta anos, que estava passando pela rua, parou no portão e ficou conversando com a Sandra, ele havia pedido se poderia entrar no estacionamento para ver o carro?
Para mim não havia nenhum problema e enquanto estava manobrando, ele ficou parado próximo ao portão, admirando o carro, sem falar nada junto com a Sandra. Parecia que sua mente voltara aos bons tempos, fiquei até um pouco com pena, pois ele tinha uma aparência bem humilde (parecia um andarilho), fiquei até imaginando, o que se passava pela cabeça dele? Será que ele já teve um carro desses? Conheceu alguém que teve? Ou simplesmente se lembrou de uma época que teria sido boa para ele?
Depois de sair com o carro, pensei que ele iria pedir para ver o motor, dar uma volta ou algo parecido, mas ele não pediu nada, apenas agradeceu com um singelo obrigado e seguiu seu caminho em silêncio.
Lembro-me que o Edson já havia andado no meu Impala 1968, num dia que havia levado o carro para o pessoal do trabalho ver pessoalmente. À noite o Edson pediu para que eu o levasse para dar uma volta no quarteirão, para ver como o Impala andava. Mesmo com o motor sem retífica, sai da frente do meu trabalho “fritando” os pneus e quando olhei para o Edson, ele estava literalmente grudado no banco do carro. Acredito que o carro rendera mais do que ele esperava.
Agora decidido a transformar o carro em Street Rod, precisava procurar as peças necessárias e pensei em começar pelo ferro velho do Nenê, mas antes, me lembrei que havia em Rio das Pedras um senhor, com um Dodge 1979 batido na garagem da sua casa e o que mais me chamava à atenção nesse carro era seu jogo de rodas, modelo “gaúchas” cromadas com largos pneus na traseira. Esse carro ficava parado na garagem, coberto com um lençol, mas dava pra ver que estava batido. Esse carro pertencia ao filho do Sr. E.
Pensei em começar a mudança do visual do meu carro pelas rodas, então fui com meu pai, que, diga-se de passagem, já estava contaminado pelo “vírus” do carro antigo, ver se o Sr. E. vendia o jogo de rodas do seu carro.
Para nossa surpresa, o Sr. E. vendia o carro todo pelo preço das rodas, o motivo era que seu filho queria restaurar o carro e o Sr. E. não queria gastar com essa restauração. Claro que havia outros motivos, um deles era que seu filho havia batido com o carro anos atrás e depois da batida, ele não parou o carro, colocou um radiador de caminhão no lugar do original que havia furado, amarrou a frente do carro com arame e continuou andando com o carro nesse estado mesmo.
Varias vezes ele foi parado pela policia que já estava ameaçando prendê-lo caso não parasse de usar o carro nesse estado. Temendo pela segurança do filho, o Sr. E. esvaziou os pneus do carro e escondeu a chave de seu filho (isso tudo foi relatado pelo próprio Sr.E). Anos depois, com o carro já em avançado estado de deterioração, o Sr. E. resolveu restaurá-lo.
Levou o carro arrastado até uma oficina em Rio das Pedras mesmo, onde o carro foi desmontado e semi raspado, ficando quase dois anos encostado na oficina, sem ser realizado nenhum trabalho nele. Durante esse tempo, seus detalhes e algumas peças foram roubados e outras desapareceram da oficina no decorrer do tempo e com isso o Sr. E. desanimou de vez e trouxe o carro de volta para sua casa, deixando-o parado durante anos.
Como o preço do carro estava bem convidativo, compramos o carro e o levamos guinchado novamente com o caminhão do Luciano, até a oficina do LL. Ambos me chamaram de louco! Até minha namorada me chamou de louco, agora já mais conformada com esse meu “hobby”.


  Dodge 1979 guardado durante anos numa garagem. Fui comprar as rodas e o carro veio de brinde! (brincadeira, mas foi quase isso).

Na verdade, minha intenção era de retirar algumas peças para usar no meu carro, não pretendia trocar o motor pelo que estava no meu carro, pois como disse o Sr .E, este motor estava zerado. Quando comprei o carro estava pensando em retirar as peças necessárias e deixar o carro com as peças que estavam no meu, depois com o tempo, iria restaurá-lo e deixá-lo para meu pai.
Mas não foi bem assim! Quando chegamos à oficina do LL , não havia lugar para trabalhar no carro, mas do outro lado da rua havia um posto de gasolina desativado, o qual o LL usava para deixar alguns veículos guardados, então ele teve a ideia de deixar o Dodge 1979 parado entre dois galpões para que eu pudesse retirar as peças que iria precisar.
Estava em período de férias no trabalho e no mesmo dia comecei a desmontar as peças que iria usar do carro, mas alguns itens já havia deixado em casa, como os bancos dianteiros e traseiros que usaria no meu carro.
Quando comecei a desmontar a parte mecânica do carro, comecei a observar que o estado da lataria do carro estava em péssimas condições, os para-lamas dianteiros haviam sido soldados aos suportes do radiador, à parte do assoalho estava muito podre, entre outros muitos problemas aparentes.
Não tinha jeito, já havia descartado a hipótese de restaurar esse carro, pois estava em estado pior do que meu Dodge 1957. Só me restava tenta conseguir algum lucro com o que restava dele.
Levei cerca de uma semana para desmontar esse carro, já que estava de férias por duas semanas do trabalho. Quando faltava apenas desmontar a suspensão, empurramos o carro para frente da oficina do LL e lá terminei de desmontá-lo, ficando só a lata e os vidros. Já era noite quando chamamos um caminhão do Nenê para buscar o que sobrou do carro e levá-lo para o ferro-velho dele.
Já havia acertado previamente com o Nenê de trocar o que restou do carro por outras peças, algumas peças foram trocadas, outras foram doadas para amigos. Como é o caso do suporte cromado da lanterna, doado para um outro Dodge do mesmo ano do meu grande amigo Sr Francisco, pois haviam batido no seu carro e ele estava precisando de um aro cromado. Já outras peças não tinham condições de uso e foram descartadas, mas mesmo assim, ainda acabei ficando com muitas peças em casa, caso do painel, que estava intacto e funcionando normalmente.
Outras peças que usei com o tempo desse Dodge 1979 foram à suspensão traseira por feixes de mola, caixa de câmbio, caixa de direção hidráulica, bancos dianteiros, bancos traseiros, diferencial, freios a disco dianteiros, freios a tambor traseiros e o motor.
Um fato curioso desse carro aconteceu quando fui retirar as rodas dele. O Cléber estava junto me ajudando nesse dia.

Retiramos as rodas de um lado do carro e quando fui retirar as do outro lado, a porca do parafuso da roda não saía, parecia estar emperrada. Usamos até óleo lubrificante para tentar soltar a porca e nada dela se mover. Até o Cléber tentou e nada dela sair, então coloquei a chave de rodas em forma de cruz na porca e pedi para que o Cléber ficasse segurando na outra extremidade. Com um golpe violento com o pé, a chave de rodas fez um grande barulho e finalmente se moveu para baixo, mas para nossa surpresa, havia quebrado a boca da chave de rodas e a porca nem se movera. Quando fui pedir ao LL uma boca de chave de rodas na medida da porca, ele perguntou o que havia acontecido e depois de contar o acontecido, ele me disse que esse tipo de carro tem as roscas do parafuso invertido, por isso não conseguia soltá-las. Agora sabendo disso, foi só forçar com a nova chave para o lado contrário que a porca saiu facilmente. Nada como falar com quem conhece do assunto!  

  Acima o Dodge 1979 antes de ser desmontado, apesar da boa aparência estava muito danificado. 

  Acimadepois de ser desmontado.

                     Momento em que estavam levando o carro para o ferro velho.


Acima as peças do Dodge 1979 que seriam usadas no Dodge 1957 já dentro do seu porta-malas.




Decepções.


Ainda não pretendia instalar o motor do Dodge 1979 no meu carro, pois minha intenção era de economizar um pouco para fazer um banho de loja no motor, cromar umas peças, pintar outras, etc.
Novamente levei meu Dodge 1957 para a oficina do LL onde estavam as maiorias das peças, confesso que fiquei apreensivo de deixar o carro novamente nessa oficina, mas resolvi dar mais um voto de confiança a ele. Lá foram instalados os freios a disco, a direção hidráulica e o novo câmbio, pois o antigo estava vazando óleo e com pequenos problemas. Não pude acompanhar o trabalho, pois já voltara a trabalhar e também as aulas, mas quando fui no sábado para ver o trabalho, fiquei novamente decepcionado com que vi.
Um dos funcionários do LL, o Velhinho, estava debaixo do carro, como se estivesse verificando alguma coisa e o motor estava sem o cárter de óleo. Perguntei a ele o que havia acontecido e não tive resposta, perguntei novamente e continuei sem resposta, então me abaixei para ver o que ele estava fazendo e para meu espanto, ele estava dormindo debaixo do carro, totalmente embriagado.
Fui então procurar o LL para saber por que estavam mexendo no motor, ele me disse que foram examinar a bomba de óleo, pois parecia que o motor estava esquentando mais que o normal. O que eu não sabia é que o Velhinho havia retirado um dos parafusos que prendia a biela do pistão ao virabrequim e reapertado só com a mão. Claro que só fiquei sabendo disso depois que o pior já tinha acontecido, Agora, por que ele havia feito isso sem que ninguém houvesse pedido, nunca fiquei sabendo, não tive explicação nenhuma.
Com o carro montado já com as novas peças, levei-o para casa e no caminho, já estava ouvindo uma batida estranha do motor, mas não parecia nada muito preocupante, observei que a temperatura estava mais alta que o normal, cheguei até a parar para verificar o nível de óleo, que também estava normal.

 Novas rodas e freio a disco na dianteira. Reparem que nessas rodas também coloquei espelhos redondos como calotas centrais.

 Na foto, meu pai ao volante do Dodge, fazendo um teste na rua de casa para ver se descobria o que estava errado.

Dirigir o carro com direção hidráulica era muito bom, mas estava totalmente sem alinhamento, pois a cada freada o carro jogava para todo lado, se ultrapassasse a velocidade de 110 quilômetros por hora, o carro começava a balançar para os lados como um pêndulo.
Quando cheguei em casa, com o rádio desligado e o carro em marcha lenta, percebi que o barulho havia aumentado, era uma batida muito estranha, nunca tinha ouvido nada parecido, então na garagem de casa, dei uma acelerada bem forte e o barulho aumentou mais ainda, acelerei novamente e o pior aconteceu! A biela se soltou do virabrequim e acabou furando o bloco do motor e o cárter de óleo.
Meu pai só ficou olhando, não falou nada, mas também nem precisava, pois dava para ver na cara dele o que ele ia dizer!
Não havia mais nada a fazer a não ser desmontar o motor, mas não queria levar o carro até a oficina novamente, então, decidi fazer isso em casa mesmo. Na amanhã de sábado, comecei a desmontar o motor, depois chegou meu tio Zé para me ajudar. Parte por parte fomos desmontando o V8, algumas peças estavam boas, outras um pouco desgastadas.

 Acima e abaixo, momentos da desmontagem do motor V8 que devido à quebra de uma biela, teve o bloco e o cárter de óleo furado, inutilizando de vez o seu funcionamento e descartando a possibilidade de uma retífica.




Emprestei uma caminhonete do ferro velho do Nenê, coloquei tudo na carroceria e levei a uma oficina especializada em retifica de motores, para saber o que havia acontecido exatamente.
Enquanto o motor estava parado na oficina, resolvi colocar o motor que havia retirado do Dodge 1979, no meu carro, para isso tive de levar o carro novamente para a oficina do LL com a ajuda do Luciano e seu caminhão de transporte, pois o motor retirado do Dodge 1979 estava guardado lá. Mesmo ainda sem saber o que havia acontecido, havia tomado uma decisão, somente meu pai, o LL e eu iríamos “colocar” as mãos no carro, não queria mais nenhum funcionário dele fazendo nada no carro e deixei isso bem claro.
Foi uma troca simples, pois o carro já estava sem o motor, e também já havia pintado o outro motor também de vermelho, aproveitando que ele estava fora do carro, foi só colocar o motor no lugar do e colocar as peças que faltavam, como cabos de vela, carburador e fazer uma geral no óleo, nada muito complicado, fizemos isso numa manhã de sábado.
Olhando para o motor já colocado no Dodge 1957, lembrei de quando comprei o Dodge 1979, seu proprietário me dizendo que esse motor estava quase zerado! Que seu filho andava como louco com aquele carro, mesmo sem o radiador, ele teria rodado quase 20 Km depois da batida para voltar de Piracicaba até Rio das Pedras.

Depois de tudo colocado e funcionando, fiz um teste no quarteirão e o carro funcionou bem, nada de anormal. Na volta para casa, começou a demonstrar seus primeiros problemas, estava aquecendo muito e perdia potência quando acelerava, lembro que estava na pista a caminho de Rio das Pedras, subindo próximo o Clube de Campo e o carro estava “se rastejando” a lentos 40 quilômetros por hora e atrás dele, havia uma fila com quase dez carros querendo me ultrapassar, quando foi possível, um Fusca me ultrapassou fazendo sinal de que meu carro era movido à manivela!

 O motor quando estava no Dodge 1979 antes da desmontagem e o mesmo motor abaixo, já limpo e pintado no Dodge 1957.



Quando cheguei em casa, diga-se de passagem, “roxo de raiva”, fui verificar o motor, que estava mais que fervendo, achei que a válvula termostática havia travado fechada, por isso esse aquecimento. Quando abri o capô, já senti um forte cheiro de borracha queimada. Dos oito cabos de vela, sobraram três, os outros cinco estavam derretidos até a entrada da vela no motor. A primeira providência foi esperar o motor esfriar para retirar a válvula termostática.
A minha maior surpresa foi retirar a mangueira do radiador, que estava colabada, e ver que não havia nenhuma válvula termostática. Isso me fez começar a pensar se esse motor estava realmente quase zerado ou se já havia “zerado” sua vida útil!
Depois de colocar novos cabos de vela, continuei usando o carro dentro da cidade, indo até a casa da minha namorada e voltando, nada mais longe do que isso, e assim mesmo, derretia alguns cabos de vela e o motor superaquecia.
Com isso outros pequenos problemas começaram a aparecer, como por exemplo, a gasolina que vazava do carburador, o carro não tinha regulagem, ficava sempre “morrendo” e começou a queimar muito óleo. Chegou a um ponto em que gastava mais com cabos de vela e óleo do que com gasolina.
Um dia estava indo à casa da minha namorada com o carro e fui obrigado a parar num posto por culpa dos problemas que estavam acontecendo e o carro chamou a atenção de um rapaz conhecido na cidade como “Yellow”. Ele é um jipeiro de primeira, conhecedor de muitas oficinas em Piracicaba e conversando com ele sobre o que estava acontecendo, fui indicado a procurar pela oficina Filizola, do Senhor “Sorrisal”, em Piracicaba.
Durante a semana, fui até a oficina indicada e conheci o Senhor Sorrisal e seu filho Tito, pessoas super atenciosas e de boa conversa, falei com eles o que acontecia no meu carro e ambos me indicaram uma revisão no motor ou até mesmo unir dois em um, já que tinha várias peças do outro motor parado numa oficina.
Fiz um orçamento de quanto gastaria para refazer o motor, que estava com muitos problemas, mas o principal problema seria onde deixar o carro durante o processo de retificação do motor, pois ele teria que ficar em Piracicaba. Não confiava mais em deixar o carro na oficina do LL, não por ele, mas pelos seus funcionários e na retifica, não havia lugar para deixar o carro.
Com o orçamento na mão, quase cai de costa, pois entre a retifica e a aquisição de novas peças, ficaria um valor muito elevado, teria que deixar o carro muito tempo parado, pensei então em deixar na oficina do Sorrisal e fui falar com ele a respeito da ideia.
Explicando tudo pra ele, o Tito me sugeriu uma outra alternativa!
O Tito me propôs de colocar provisoriamente um motor de pick-up Chevrolet Silverado, seis cilindros no meu carro junto com o câmbio do mesmo. Assim poderia ir rodando normalmente com o carro, até retificar o motor e fazer os reparos necessários na lataria.
Confesso que gostei da ideia e o próprio Tito se encarregou de encontrar um motor apropriado para a troca. Com isso vendi as peças que sobraram do antigo V8 que não seria mais possível de se usar.
Meu pai e eu emprestamos novamente uma caminhonete do Nenê e fomos buscar as peças, Também já combinei de levar o carro até a oficina quando o novo motor fosse encontrado.
Não demorou uma semana e o Tito me ligou, dizendo que havia um rapaz que iria trocar o motor da sua pick-up por um motor a diesel e estava interessado em vender o seu motor a gasolina. O preço do motor e câmbio não chegava nem na metade do que teria que pagar para fazer a retifica do motor V8, sendo assim, desisti da ideia de fazer uma retifica nesse motor e resolvi vendê-lo do jeito que estava.
Marquei de levar o carro num sábado de manhã e novamente pedi ajuda para o Luciano com seu caminhão, pois acho que o carro não chegaria até Piracicaba rodando. Quando chegamos na oficina e descemos o carro, já no meio da rua, acelerei bem forte e “escureci” a rua com uma fumaça preta. O óleo do motor estava saindo todo pelo escapamento, tanto queimado como em gotas.
Com o carro andando lentamente, levei-o para dentro da oficina, onde num canto estava o novo motor que seria usado no carro, junto com o câmbio. Deixei o carro na oficina do Tito e fui até o ferro velho do Japão, em Piracicaba mesmo, onde deixei combinado dele ir buscar o motor V8 que seria retirado do carro, pois ele havia comprado o mesmo junto com o câmbio.
Na segunda feira à tarde, para minha surpresa, o novo motor já estava instalado, não foi preciso nem mesmo retirar o capô do carro, apenas pedi para não fazer nenhuma mudança nos suportes do motor, pois futuramente pretendia voltar a usar um V8 no carro. Sendo assim, foi feita apenas uma adaptação nos suportes do motor e câmbio. O que foi mais demorado nessa etapa foi à construção de um novo cardã, pois o antigo não se adaptava na medida entre o novo câmbio e o diferencial.
Depois de algumas semanas, a parte mecânica estava instalada por completa, então estava na hora de fazer a parte elétrica do novo motor, para isso, Tito me indicou outra pessoa de confiança, o Tonhão, como é conhecido, da auto elétrica Mateuzo. O carro foi levado para sua oficina rebocado pela pick-up do Tito e na oficina do Tonhão, o carro foi quase que todo desmontado em seu interior, ele retirou até os bancos traseiros, o carpete e painel do carro.


 Acima, o novo motor 6 cilindros da pick-up Chevrolet Silverado e abaixo a instalação da nova parte elétrica do motor e painel.


Durante o processo de restauração do carro, nos locais que frequentava, tanto levando o carro, como apenas procurando peças, quase sempre me deparava com algum outro carro antigo sendo restaurado, o que não foi diferente na oficina do Tonhão. Lá estava parado num canto escuro da oficina, um Chevrolet 1934 quatro portas azul, também com mecânica de Chevrolet Silverado, apenas aguardando a troca do radiador para dar prosseguimento ao projeto. Apesar de estar com um aspecto aparentemente original, provavelmente este seria um futuro projeto de Hot Rod com uma mecânica mais moderna.



 Chevrolet 1934 com mecânica do Chevrolet Silverado já adaptada. Provavelmente um futuro projeto de Hot Rod.


Aos sábados, fazia algumas visitas à oficina para ver como prosseguia o trabalho no carro e também aproveitava para ver o que estava faltando, como por exemplo, a luz de ré, que não tinha no carro. Aproveitando que já estava na elétrica, resolvi adaptar uma de baixo do para-choque do carro.
Não queria nada muito atual, o que me fez procurar algo num estilo mais antigo, me levando assim de volta para o ferro velho do Nenê, em Rio das Pedras.
Durante a semana, ouvi meu tio Edemur comentando a respeito de um carro antigo que estava na oficina do ferro velho do Nenê, disse meu tio que viu esse carro “cantando” pneu em frente ao ferro velho, mas ele não sabia me dizer qual era o modelo nem o ano.
No sábado em que fui procurar uma lanterna de ré para meu carro, sem querer acabei encontrando o misterioso carro! Era um Chevrolet Monte Carlo, do ano de 1974, com um gigantesco motor V8, Estava nos fundos do ferro velho, já em avançado estado de desmontagem. Reparando bem, o carro estava muito podre, e conversando com o filho do Nenê, que estava junto do carro, fiquei sabendo que esse carro havia sido comprado pelo proprietário apenas para retirada de peças, que seriam usadas numa pick-up Chevrolet “Marta Rocha” 1957.
Esse carro era incrível e o que mais me chamou a atenção nele, foram os bancos dianteiros, que tinham uma rotação lateral, para facilitar a saída do condutor e do acompanhante. Já tinha visto em revistas, bancos desse tipo em carros da Chrysler, da década de 60, mas pessoalmente, nunca tinha visto nenhum, até pensei em colocá-los no meu Dodge, porem, não estavam à venda, seriam usados na “Marta Rocha” que o proprietário estava restaurando.
Do restante do carro, somente os vidros e lanternas poderiam ser usados, pois nem mesmo os para-choques tinham restauração.
Deixando o carro de lado, fui falar com o Nenê a respeito do que estava procurando e ele me indicou colocar como luz de ré as lanternas dianteiras usadas nos velhos Galaxie da Ford, de início, pretendia colocar aquelas lanternas próprias de ré, muito usadas nas velhas Chevrolet Veraneio, lembro me de que quando estive no ferro velho pela última vez, vi um para-choque com um par delas, precisando de uma boa limpeza, porém já não estavam mais lá. Revirei o ferro velho todo novamente para tentar acha algo mais parecido com elas, pois achava a lanterna do Galaxie muito grande, mas como não encontrei nada, acabei aderindo à ideia dele e as levei.
Colocadas no carro, elas nem pareciam mais tão grandes assim, na verdade, para muitos que não conheciam o modelo do carro, chegaram até a pensar que eram originais do carro, devido ao seu desenho mais antigo.
Depois de algum tempo, a nova parte elétrica estava pronta, foram instaladas novas caixas de fusíveis e as novas partes elétricas do painel, aproveitei também para ligar o ar condicionado “novo”, que havia trocado por peças que não usei do antigo Dodge 1979.
Os suportes das lanternas de ré foram encomendadas a um funileiro que fez o trabalho no local onde estava o carro, depois de pronto foi só pintar da cor do carro e instalar as lentes do Galaxie.
Aproveitei e troquei o rádio por um outro, um pouco mais moderno, pois o que estava em uso, estava escondido dentro da antiga caixa de ar condicionado, que era oca, e os comandos estavam dentro do rádio antigo que ficava no painel, Embora o carro estivesse na elétrica, não fiz toda a parte elétrica do carro, pois sabia que teria que desmontá-lo futuramente e a fiação que meu tio Zé havia feito, ainda estava em perfeitas condições de uso, isso foi comprovado pelo próprio Tonhão.

 Na foto acima, instalação do novo rádio, mais moderno e na foto abaixo as novas lanternas de ré que foram instaladas.


Tenho que confessar que estava um pouco decepcionado por estar colocando um motor de 6 cilindros em vez de um V8 no carro, mas tinha a certeza de que seria provisório, apenas até a parte de funilaria estar pronta. Depois minha intenção era de colocar um V8 de Pick up Dodge Ram, ou se conseguisse encontrar um motor V8 Hemi da Chrysler, até encontrei numa revista, uma Pick-up Dodge que havia capotado e o que sobrara dela estava para venda, inclusive seu motor, um V8 de 5.7 litros, com injeção de combustível e câmbio automático, mas o valor pedido por esse conjunto era muito caro na época, teria que esperar até terminar a funilaria do carro para somente depois pensar em trocar novamente o motor por um V8, já que teria que economizar muito para conseguir comprar um motor igual a esse ou quem sabe até o término da restauração, teria sorte e encontraria o sonho de consumo de vários proprietários de hot rod, um motor V8 Hemi para colocar no carro e assim, deixá-lo mais apimentado ainda. Mas no momento a minha única saída seria a utilização da mecânica 6 cilindros. Mas também me lembrei que na década de 50 havia uma linha de carros iguais ao meu que saiam de fábrica com a mecânica de 6 cilindros, sendo assim, isso me deixava mais conformado, pois se na década de 50 esses motores já eram bons, imagine coma tecnologia atual como eles poderiam estar mais potentes e confiáveis.


Motor V8 331 Hemi da Chrysler, muito difícil de se encontrar no Brasil.

Porém outra decepção ocorreu quando o carro começou a rodar com o motor 6 cilindros, o carro foi levado para fazer alinhamento e balanceamento, pois quando havia trocado as rodas pelas que estavam no Dodge 1979, não fiz nada dessa parte, até porque o carro não passava de 80 quilômetros por hora mesmo.
Para fazer o alinhamento e balanceamento, me indicaram a oficina do Glauco e fui com o carro já funcionando até lá, mas quando o carro foi fazer uma curva, já próximo à entrada da oficina do Glauco, a suspensão literalmente caiu!
Sem outra maneira de locomoção e próximo da oficina, o Glauco ergueu o carro com um macaco jacaré e empurramos o carro para dentro de sua oficina.
O Glauco e seu irmão também apelidado de Tito são ótimas pessoas e assim como eu, eles amam carros antigos, tanto que o Tito tinha uma pick up Chevrolet “Marta Rocha” 1957 na sua chácara, a qual fui convidado a ver pessoalmente. Na oficina também estavam uma pick-up Ford 1969, um Ford 1928 e dois Ford 1929, esses dois sendo transformados em Hot Rods.
Além de fazer o alinhamento e balanceamento, o Glauco também trocou os amortecedores e as buchas de toda suspensão dianteira. Já a suspensão traseira estava em ordem, pois já havia colocado a suspensão que estava no Dodge 1979 e só faltava serem trocados os amortecedores velhos por novos.

 Dois modelos Ford da década de 20 sendo transformados em Hot Rods  na oficina do Glauco.


Como já havia dito antes, durante esse tempo em que comprava uma peça aqui e outra ali, fui encontrando pelo caminho, mais carros antigos, a maioria em oficinas, outros eu ouvia boatos de onde estavam e ia até o local para vê-los. Caso da pick-up do Tito, onde fui com meu pai e o próprio Tito até o local, que mais parecia uma oficina do que uma chácara, pois estava repleta de peças de pick-ups, tanto de lataria como acabamento.

 Pick-up Marta Rocha do Tito usando caçamba da concorrente Ford.


Depois de feita a suspensão, foi hora de fazer novamente o alinhamento e balanceamento do carro e para essa tarefa o próprio Glauco me indicou a oficina do Sr. Randau, outro apaixonado por carros antigos, pois já haviam tentado fazer em uma outra oficina e não havia ficado bem alinhado.
Já conhecia o Sr.Randau dos encontros que participava, sendo assim, fomos até sua oficina onde havia um Impala 1964 amarelo com teto preto que ele mesmo havia restaurado. O carro estava perfeito, sem nenhum amassado se quer nos friso, ele me disse que quase todas as peças desse carro, foram trazidas dos EUA, nem perguntei quanto ele havia gasto nesse carro, pois, junto dele estava um Landau 1983 que ele também restaurou, só esse Landau ficou mais de R$30.000,00 reais para restaurar (preço do ano de 2002).
Junto com meu carro estavam ainda um Ford 1948 quatro portas, outro Landau que ele estava vendendo e um Oldsmobile 1964 duas portas sem coluna.
Como tempo sempre foi um problema para mim, deixei o carro na oficina dele por uma semana, sendo que o trabalho que precisava ser feito foi realizado em dois dias.
Quando fui buscar o carro no sábado o Sr Randau me disse que esse carro era um modelo muito raro no Brasil, e que ele só tinha visto um igual num filme de época, mas as sinaleiras dianteiras eram amarelas. Também me perguntou se já sabia quem iria restaurá-lo só para ter uma idéia de preço? Respondi que ainda não estava pensando nessa etapa, mas mesmo assim ele me deu um orçamento para restauração incluindo nele: pintura, funilaria, cromação das peças, estofamento e acabamento. Por tudo isso ele cobraria (ainda no ano de 2002) um valor aproximado de R$ 45.000.00 reais. Esse foi meu primeiro orçamento (quase caí de costa), mas conforme disse o Sr Randau, esse valor seria para deixar o carro igual a quando saiu da fábrica em 1957. Confesso que fiquei desanimado com o valor aproximado da restauração, mas ainda teria muito tempo para pensar em outras funilarias e ver outros orçamentos.
Ao voltar para casa com o carro, ouvindo Litlle Richard cantando Long Tall Sally e Elvis Presley com Hound Dog entres outros, percebi que o motor 6 cilindros “empurrava” muito bem as quase duas toneladas do carro e o seu alinhamento e balanceamento ficou perfeito, o carro parecia deslizar sobre o asfalto, rodava macio e tranqüilo, mesmo em velocidades mais altas.
Meses depois participei de um encontro de carros antigos de Piracicaba com o carro, mesmo com o pára-brisa trincado, esse era o segundo ano que participava do encontro de Piracicaba com esse carro e já estava me preparando para no ano seguinte fazer algumas mudanças nele.
O primeiro passo seria fazer o pára-brisa dianteiro e a funilaria do teto, aproveitando que seriam retirados todos os vidros, depois passaríamos para o resto da funilaria. Pelo menos essa era a idéia inicial, e assim fui rodando com o carro como estava, com uma mecânica nova e um aspecto de velho. Lembro que nesse encontro, a Flávia e eu fomos com o Dodge, já meu pai e minha mãe, foram com o carro que ele tinha na época. No final do encontro, para sair de onde o carro estava foi necessária várias manobras, pois ele quase não passava na porta de acesso ao barracão. Na volta vim com o Dodge na frente e meu pai veio um pouco atrás, quando chegamos em casa minha mãe me disse que eles estavam na pista de acesso a Rio das Pedras e nos viu passando por cima da ponte que cruzava a pista, ela disse que o pára-choque do Dodge, mesmo sem cromação, brilhava muito com o reflexo do sol, parecia até ser o de um carro novo de tanto que brilhava.
Todos os itens de segurança do carro estavam em ordem, os cintos de segurança foram trocados, sendo colocados novos em cada coluna lateral, melhorando a segurança dos ocupantes. Isso pode ser comprovado num dia que estava a caminho de Piracicaba junto da Flávia, numa estrada que liga os dois municípios, onde trafegam caminhões de cana de açúcar puxando até duas carretas. Quando estava a caminho de Piracicaba, SP, na minha frente havia um caminhão, que estava a cerca de dois quilômetros, Esse caminhão estava começando a subir o morro em direção a Usina Santa Helena, mas de onde estava, tinha uma vista ampla da estrada, vendo que seria possível ultrapassar um simples caminhão, então acelerei o Dodge a quase 170 Km/h e quando saí para a esquerda para ultrapassar o caminhão percebi que ele estava puxando duas carretas de cana, e bem de frente vinha outro carro. Olhei rápido para trás, pelo retrovisor e vi que não vinha nenhum veículo, então pisei no freio e o carro parou na hora, a Flávia, se não estivesse com cinto de segurança teria parado de baixo do painel do carro. Lógico que levei a maior bronca dela do tipo: precisa correr assim e etc (até hoje ela fala para todos que eu queria matá-la e não consegui).


Marcando presença no encontro de carros antigos de Piracicaba no ano de 2002.
Reparem que agora o Dodge está com todas as letras no capô.


Depois disso um ano se passou, além das letras da escrita DODGE do capô, que havia comprado novas, não havia feito nenhuma grande modificação no carro, até porque tinha que economizar para fazer a parte de funilaria do teto e um novo pára-brisa para o carro.
Acabei fazendo apenas os bancos dianteiro e traseiro, trocando os dianteiros que eram separados, pelos que foram retirados do Dodge 1979, deixando assim o dianteiro inteiriço já na cor que acompanharia a futura pintura do carro.

Acima e abaixo, fotos dos bancos dianteiros e traseiros que foram retirados do Dodge 1979 já colocados no Dodge 1957.


 Acima e abaixo, fotos dos bancos dianteiros e traseiros que foram retirados do Dodge 1979 já colocados no Dodge 1957, ambos prontos.


Usava o carro nesse período somente nos finais de semana para participar de encontros semanais em Piracicaba e uma vez ou outra, saia com ele durante a noite para levar a Flávia até a sua casa, pois todos os dias nós namorávamos, digo de vez em quando por que não era todo dia que estava em casa. Estava fazendo um curso técnico em Piracicaba e quando saia do curso, já vinha direto para a casa dela com o carro do meu pai, sendo assim, era difícil sair com o Dodge todos os dias.
Outra dificuldade que tinha para sair com o carro era a garagem de casa, pois como usava pouco o Dodge, ele acabava ficando sempre estacionado em primeiro lugar e deixava o carro do meu pai estacionado atrás dele, sendo assim, para sair com o Dodge, tinha que abrir o portão da garagem, tirar fora o carro do meu pai, fechá-lo, sair com o Dodge, fechá-lo, voltar para abrir o carro do meu pai para guardá-lo dentro da garagem, fechar a garagem e finalmente poder sair com o Dodge, agora imagine tudo isso num dia de chuva!
Até cheguei a usá-lo para ir fazer algumas compras em Piracicaba, mas mesmo assim, era somente um ou outro sábado no mês, pois tinha medo que alguém, por curiosidade ou por pura maldade, quebrasse alguma coisa do carro enquanto estávamos fazendo compra.
Quando participava dos encontros, o Cléber também me acompanhava, tinha até um encontro especial de Piracicaba que era realizado todo terceiro domingo do mês na Rua do Porto, do qual não faltava um mês, mesmo o carro estando sem sua funilaria feita.
Foi participando desses encontros que comecei a sentir na pele o preconceito com carros modificados e transformados em Hot. Muitas pessoas admiravam o carro, como por exemplo, o presidente do clube na época, o Sr. Caetano. Me lembro que no primeiro dia que fui com o carro nesse encontro, ele ficou tão impressionado com o carro que me pediu para levá-lo para dar uma volta, mas ele queria ir sentado no banco de trás, como se fosse um “marajá”, todo imponente com o braço esquerdo para fora do carro.
Saímos do encontro com várias pessoas nos observando, em velocidade de no máximo vinte quilômetros por hora, tocando no rádio The Chordettes, com Lollipop, por onde passávamos, todos olhavam o carro. Voltamos ao encontro ouvindo no rádio o som dos The Kalin Twins cantando When, ainda sobre os olhares curiosos das pessoas que estavam presentes.
O Sr. Caetano ficou muito impressionado com a maciez do carro, mesmo em ruas um pouco mais esburacadas. Mas, como disse antes, várias pessoas tinham preconceito com carros modificados, pessoas que participavam dos encontros, que faziam parte do próprio clube. E não era somente com os carros modificados, mas também, com modelos nacionais como Chevrolet Opala, Ford Galaxie e Ford Maverick e até mesmo com os potentes Dodge nacionais como Dart, Charge e principalmente com os Wolksvagem Fusca.
Quando fiz as primeiras modificações no carro, como por exemplo, os freios a disco nas rodas dianteiras, fui participar de um encontro semanal em Piracicaba e depois que todos me deram parabéns pelo carro, foi a vez dos que “torcem o nariz” para os Hot Rod´s entrarem em ação. Sem querer, acabei ouvindo um dos sócios comentando com outro membro do clube sobre as modificações que havia feito. Eu estava do outro lado do carro e eles estavam abaixados observando o freio a disco da roda do outro lado do carro e um deles comentou:
-Olha só que pena, o rapaz estragou o carro colocando esses freios a disco nele! É uma pena mesmo, também colocou direção hidráulica, acho que pessoas assim não deveriam comprar carros antigos para estragarem. Não falei nada para ninguém para não criar confusão, mas fiz questão de falar para os dois que as peças usadas eram todas da mesma marca do carro e ambos ficaram constrangidos quando perceberam que havia ouvido os comentários maldosos a respeito do carro.



 Fotos do Dodge durante o encontro de carros antigos de Piracicaba em 2004, ao lado do carro, minha mãe e meu pai que também passaram a gostar de carros antigos.



  Acima e abaixo, fotos do carro após o encontro ao lado de casa.



O último encontro que participei com o carro, foi o de Piracicaba em 2004, na semana seguinte ao encontro já comecei a procura por um funileiro para avaliar o carro.
Durante o ano que se passou, fiquei procurando alguma empresa que trabalhasse com vidro curvado, procurei em revistas especializadas, na internet e em listas telefônicas, mas nada de encontrar algo do gênero. Mas quase que sem querer, acabei encontrando uma empresa que trabalhava com vidros curvados bem “de baixo do meu nariz”.
Foi conversando com um médico dermatologista, grande amigo meu que descobri que ele tinha um primo que trabalhava com esse tipo de vidro. Ele me passou o endereço da casa do seu primo e meu pai e eu, fomos falar com o proprietário da empresa num sábado de manhã e até levamos o carro para que  ele pudesse avaliar o que teria que ser feito.
Ele não estava em casa, mas sua esposa nos passou o endereço de sua empresa e fomos até lá falar com ele. Ao chegarmos, fomos muito bem recebidos pelo proprietário, que nos mostrou toda sua empresa e fez uma avaliação do que seria feito, mas o preço era muito alto, ficava em mais de R$3.000.00 (três mil reais) para fazer o molde e o vidro. Conforme ele havia me explicado, o que encarecia mais o trabalho era a confecção do molde, que depois ficaria comigo. Conheci toda a fábrica e vi como eram feitos os moldes e os vidros verdes, temperados e laminados, também vi o funcionamento das máquinas e como o vidro é curvado.
Já estava quase tudo acertado para fazer o vidro, mesmo tendo um valor tão elevado para a época, só faltava achar uma funilaria para fazer o teto, aproveitando que iria desmontar toda essa parte do carro. Mas enquanto procurava, aconteceu algo que nunca poderia imaginar, o dono da empresa faleceu, antes de fazer qualquer molde para o vidro do carro e a empresa parou de funcionar.
Não sei o que aconteceu, pois ele, aparentemente era um rapaz de uns trinta e poucos anos, não mais que isso, bem saudável e não aparentava problemas de saúde. Achei melhor não perguntar ao meu amigo dermatologista, pois eu não tinha nada a ver com isso, ele só estava fazendo negócios comigo e achei chato tocar nesse assunto de morte em família com ele.
De volta à estaca zero, fui fazer um orçamento com um funileiro que me indicaram dizendo que ele trabalhava com carros antigos em Piracicaba, mas ele nem se quer olhou direito o carro e já foi logo me avisando que só poderia “pegar” o carro para “fazer”, depois que ele terminasse uma Chevrolet Veraneio, que por sinal era do Sidney, dono da empresa que havia feito o tanque em aço inox para o meu antigo Impala 1968. Ele estava no começo da restauração e levaria aproximadamente um ano para terminar, pois estavam trabalhando somente aos sábados e eram apenas o proprietário da funilaria e um funileiro e não havia muito espaço na sua funilaria para deixar outro carro grande como o Dodge.
Era um sábado de manhã, e junto do meu pai, estava começando a ficar desanimado, pois já sabia que outros iriam pedir um valor absurdo para fazer esse trabalho (Não sei por que, mas todos acham que dono de carro antigo é milionário), então resolvi voltar para casa e procurar em outra cidade como Saltinho ou Mombuca, onde sabia de um funileiro muito bom, por sinal parente do meu pai. Mas meu pai teve uma idéia, ele se lembrou de um funileiro que fez uma funilaria no nosso velho Gol, quando bati com o carro num barranco há muitos anos atrás. Resolvemos então ir falar com ele. No início achei que não era uma boa idéia, pois sabia que ele trabalhava com carros novos, mas mesmo assim resolvi seguir a intuição do meu pai.
Quando chegamos na funilaria, observei que havia um Ford 1951 quatro portas com placa de Jundiaí terminando de ser polido, O dono da funilaria, conhecido como Toninho Português (mais conhecido pelo apelido de Português), foi quem veio nos recepcionar. De imediato, perguntei se aquele carro havia sido restaurado ali? Ele disse que sim, estava quase há um ano em restauração.
Pela avaliação que fiz do Ford, tinha ficado perfeito, não havia nenhum amassado ou risco na lataria, que são comuns no processo de montagem de um carro com muitos frisos, quando não se tem muita experiência com esse tipo de carro.
Perguntei se havia ficado muito caro e a resposta que ele me deu foi à maior verdade que poderia ouvir de um bom funileiro: Cada caso é um caso e cada carro é diferente um do outro, sendo assim o que é caro para você?
Entendi! Ele não poderia comparar um carro com o outro, sendo assim pedi se ele poderia avaliar o meu e fazer um orçamento.
Sabia que não ia ficar barato, pois tinha muita massa e remendos feitos durante os anos, lembro-me que um dia levei o carro no caminhão plataforma para a oficina do LL e quando fomos descer o carro, a plataforma tinha que ficar um pouco elevada, caso contrário o carro rasparia o pára-choque no chão, então para poder descer o carro, meu pai teve a “brilhante” idéia de calçar os pneus com pedaços de madeira. Quando começamos a descer, um dos pedaços de madeira ficou mal colocado e assim que o carro começou a fazer peso sobre a madeira, ela escapou de baixo do pneu e bateu violentamente contra a lata do carro, que já enferrujada, afundou, deixando um enorme buraco com mais de 20 centímetros na parte traseira do carro. Esse buraco eu tampei usando massa plástica automotiva, se não me engano usei umas três latas e depois pintei com tinta spray preta. Só poderia ver a diferença se entrasse por baixo do carro, pois sua tinta já estava um pouco fosca e gasta também.
Com isso e outros pontos de ferrugem que já sabia existir no carro, não tinha uma idéia de quanto ficaria para fazer a funilaria total do carro e por isso, minha intenção era fazer somente o teto.
Ele foi ver o carro e enquanto estávamos caminhando até o outro lado da rua onde havia estacionado, ele já estava me antecipando que não iria pegar mais carros antigos para restaurar, pois o último deu muita mão de obra. Ele me disse que estava trabalhando com carros segurados, pois esse tipo de trabalho era mais rápido devido à facilidade de se encontrar peças de reposição, já um carro antigo seria preciso moldar as peças, pois não são encontradas mais no mercado, salvos algumas raras exceções. Com isso já fiquei pensando que realmente havia sido perda de tempo ter parado na oficina dele, pois como já imaginava, ele não iria fazer a funilaria do carro. Mas como meu pai sempre diz: “conversando tudo se acerta”, resolvi não dizer nada e esperar a sua avaliação.
Quando o Português chegou perto do carro, ele levou uma chave de fenda junto com ele, e a primeira coisa que fez foi tentar retirar o friso superior que segura a borracha do vidro e o pára-brisa. Ele virou e virou e virou o parafuso que segurava o friso e nada dele sair, ele achou que tinha quebrado dentro da lata, pois estava virando muito fácil, até com a mão ele virava; então ele resolveu puxar o parafuso e esse para nossa surpresa, saiu inteiro do friso.
Com isso ele pegou o friso e puxou de uma vez com força e junto com o friso, saiu o outro parafuso, cheio de terra na parte interna; na parte do carro onde deveria existir lata para segurar o friso e o vidro, não tinha nada a não ser ferrugem e muita terra seca.
Sem querer, devido ao susto e talvez por impulso, falei bravo com o Português, que era apenas para avaliar o carro e não começar a desmontá-lo. Ele me olhou bem de baixo para cima e depois para meu pai e voltou seus olhos para o carro, observando o buraco existente na lata, cheio de terra seca, pelo qual se podia ver dentro da forração do teto do carro.
Olhou o restante das colunas do carro e os encaixes de borracha do vidro traseiro e chamou meu pai para conversar no seu escritório.
Pequei o friso que ele havia retirado e tentei colocá-lo de volta no lugar, mas sem sucesso, acho que o que segurava ele no lugar era a ferrugem que havia saído quando o Português o puxou. Nessa hora o Português que já atravessava a rua junto com meu pai, me olhou e me viu tentando recolocar o friso no lugar e simplesmente balançou a cabeça fazendo um sinal do tipo negativo. Pensei comigo mesmo: Se ele já não queria fazer essa restauração, depois do grito que dei com ele, provavelmente já decidiu que não vai fazer mesmo e deve estar levando meu pai para falar isso longe de mim. Não consegui colocar o friso de volta e deixei o mesmo dentro o carro.
Depois de alguns minutos meu pai voltou e falou que devíamos ir até a vidraçaria Paulista, falarmos com o Paulinho para retirar os vidros do carro no próximo sábado. Com isso deduzi que o Português havia aceitado fazer a restauração do teto do carro e perguntei para meu pai o que ele tinha decidido?
Meu pai me disse que quando o Português viu o carro, ele já estava decidido a não fazer nada nele, mas depois ele percebeu, conversando comigo e vendo como me comportei quando ele retirou o friso, o quanto eu gostava desse carro. Eu também já havia falado para ele que se o trabalho fosse realizado na sua oficina, eu mesmo iria desmontar os detalhes do carro. Meu pai disse que por isso ele mudou de idéia e resolveu fazer a restauração e pediu para levar o carro na oficina dele no próximo sábado, já sem os vidros.
Fiquei feliz, mas ao mesmo tempo estava preocupado, pois ele ainda não havia feito uma avaliação de quanto gastaria, apenas tinha falado algo em torno de R$ 2.000.00 reais, que poderia aumentar conforme fosse surgindo mais problemas na lata.
Passamos na vidraçaria e falamos com o Paulinho, deixamos tudo acertado para o próximo sábado, levaria o carro sem nenhum friso para que ele retirasse os vidros do carro. Ele apenas pediu para que não deixasse os vidros na sua empresa, pois não tinham lugar para guardá-los. Como diz meu pai: “conversando tudo se acerta”, ele não cobraria nada, por enquanto, pelo serviço, até porque, depois de pronto o teto, ele mesmo iria colocar os vidros de volta no carro e somente depois poderia fazer um orçamento do trabalho. Também conversando com ele, descobrimos uma empresa que trabalhava com vidros curvados em São Paulo, que já havia feito alguns vidros para o Paulinho, sendo assim, anotamos o telefone para contato. Ao voltar para casa, desmontei todos os frisos do carro. Meu Deus! Nunca tinha visto tanta terra junta num carro! Parecia que o carro nunca tinha sido lavado! (e olha que quase todo sábado eu o lavava) parecia até que o carro havia sido enterrado! Separei todos os frisos e guardei em uma caixa para depois lavá-los, meu único medo era que no caminho de Rio das Pedras até Piracicaba, os vidros se soltassem e se quebrassem devido aos buracos da estrada, mas pensando bem, o que segurava os vidros no lugar, não poderia ser os frisos, pois estavam todos soltos pela ferrugem. Sendo assim, decidi levar o carro rodando normalmente, pois não tinha cabimento, pagar outras vez um caminhão para levar o carro se ele estava rodando normalmente, apenas precisava andar mais devagar com ele.


 Com a parte dianteira e traseira sem os frisos de acabamento, já dava para ver que o carro estava bem mais podre do que parecia.



Ligamos para a empresa que fabricava pára-brisa e estudamos um orçamento, pensei que assim como a última empresa havia cobrado um preço um pouco alto, esta também não ficaria atrás, mas estava errado, o valor cobrado foi de R$1.500.00 reais, pois a empresa ficaria com o molde, sendo assim, combinamos que ele iria buscar o pára-brisa trincado na empresa do Paulinho, e nós ficaríamos esperando por ele no sábado de manhã. 
Finalmente era sábado, o dia estava ensolarado e não havia uma nuvem para cobrir o céu, o que me animava, fomos até Piracicaba e com o carro já sem os frisos e acabamentos das portas, paramos no Paulinho para retirar os vidros, o que não levou mais que dez minutos, tinha levado juntos, alguns cobertores velhos, para colocar o vidro traseiro, que ficaria na funilaria do Português, já o pára-brisa que estava trincado foi o que demorou mais, colamos fitas adesivas largas por dentro e por fora para que não quebrasse ao ser retirado, pois esse vidro seria usado como molde para fazer um novo. Esse pára-brisa foi envolto em plástico bolha e colocado em uma caixa própria para transporte. Depois de retirado o vidro, comecei a ver o real estado do carro, só para se ter uma ideia, quando puxei a borracha do vidro, para minha surpresa, a coluna onde esta estava presa veio junto! O carro já não tinha quase nenhuma coluna intacta, estavam todas enferrujadas. Como não tínhamos mais o que fazer ali, fomos até a funilaria do Português, onde deixaria o carro. Meu pai foi com o Gol e eu fui acompanhando com o Dodge. Nunca vou esquecer-me de como foi dirigir aquele carro, com uma mistura de terra e ferrugem voando com o vento no meu rosto, ainda bem que havia levado um óculo comigo.


Foto do Dodge sem o pára-brisa dianteiro e o vidro traseiro. Posso dizer que nunca havia visto tanta ferrugem em um só lugar.

Quando chegamos à funilaria, ainda estava cedo, aproveitei o tempo para desmontar mais alguns detalhes como, por exemplo, as lanternas traseiras, que haviam sido compradas novas em um encontro em Águas de Lindóia, um verdadeiro achado, pois o próprio vendedor me disse que essas lanternas são muito raras de se encontrar.
Essas lanternas estavam custando um preço relativamente alto, como demonstrei interesse no ato em que as vi, o vendedor não descontaria nem um centavo de seu preço, foi ai que recorri à pechincha do Sr José Luiz Ortolani, (meu pai). Não conheço pessoa melhor para negociar do que ele. Foi ele que me ensinou depois disso, que não posso demonstrar muito interesse em algo que gostaria de comprar, caso contrário não tem como pechinchar. Ele passou como quem não quer nada pela barraca do vendedor e viu as lanternas, perguntou o preço e começou a pechinchar, por fim saiu com elas com um desconto de 30% do valor pedido pelo vendedor.
Como essas lanternas são difíceis de encontrar, resolvi desmontá-las, pois é melhor prevenir do que remediar.
Aproveitei para desmontar outros detalhes do carro como emblemas, antenas e outras miudezas.
Levei tudo para casa, o que tinha conserto, lavei e poli com solução própria, fiz o mesmo com todos os frisos que havia retirado do carro, já o que não tinha condição de ser recuperado, separei para serem refeitos por uma empresa especializada.
No sábado seguinte, fui até a oficina falar com o Português, pois minha intenção era de fazer apenas o teto, já que não tinha dinheiro para fazer todo o carro, Mas isso mudou quando ele me fez uma proposta! Ele me disse que poderia fazer o carro todo e eu pagaria um pouco por mês, uma espécie de prestação mensal.
Realmente era um grande negócio, até por que o carro já estava na funilaria e depois de pronto o teto, se fosse montar e esperar conseguir dinheiro para fazer o resto do carro, teria que desmontar todo o teto novamente, sem falar do risco de estragar o que já estava pronto.
Quem comandava a parte financeira da funilaria do Português eram sua esposa e filha, e foi com elas que acertamos de fazer o carro todo, pagando um pouco por mês, durante 20 meses, para ser exato. Parece loucura, mas na verdade encarava isso como um financiamento de um carro antigo, sendo que já tinha o carro, mas só poderia andar depois de pago, ou no caso restaurado.
Na parte de funilaria quem estava trabalhando no carro era um rapaz apelidado de Baixinho, que já havia removido toda ferrugem do teto, cortando partes podres com o maçarico e estava começando a fazer os remendos dos pontos podres do teto. Tudo era feito com solda e lata apropriada, fiz uma exigência de não utilizarem massa plástica automotiva, só lata e solda e eles aceitaram.
Já que o carro seria restaurado inteiro, teria que desmontar todo o resto que faltava, exemplo dos bancos, que eram novos e os frisos laterais entre outras coisas.
Comecei pelo mais fácil, os aros de faróis, as lanternas de ré, alguns frisos, depois passamos para o banco dianteiro, já que o banco traseiro já havia retirado e deixado em casa. Tanto o banco dianteiro, vidro traseiro e mais alguns detalhes, foram colocados no andar superior da funilaria do Português.


Foto do local onde estavam a borracha e o para-brisa do carro, não havia sobrado quase nenhuma parte sem ferrugem.

O carro chamava muito a atenção, principalmente por que ele ficou bem na entrada da funilaria, facilitando para quem passava por ali, vê-lo. Ao desmontar o carro, perdi as contas de quantos curiosos pararam para vê-lo e de outros tantos que só sabiam dar palpites, alguns até dispensáveis, acredito que o mais esdrúxulo que ouvi foi o de colocar um motor da Volkswagen Kombi a diesel no lugar do motor da Chevrolet Silverado, pois teria mais economia (!!)
Nossa! Pode se dizer que ouvia de tudo um pouco, cada barbaridade que não tem tamanho, um dia desmontando os para-choques do carro, um rapaz tentou me convencer de que o motor de Silverado não prestava para esse carro, ele falou tanto que cheguei a pensar que ele iria me indicar um motor de Dodge Viper, mas na verdade ele estava tentando me convencer que seria melhor se eu tivesse colocado o motor do Chevrolet Omega seis cilindros! Oras bolas! Mas não é o mesmo tipo de motor?
Aos poucos ou literalmente aos pedaços, o carro ia voltando para casa, a cada sábado em que meu pai e eu íamos até a funilaria, trazíamos de volta um montante de peças para limpeza ou pintura.
Com o carro na restauração, era hora de começar a correr atrás de outros detalhes, como por exemplo, alguns emblemas. Par se ter uma idéia da raridade desse carro, em todos os encontros que participei nesse período da restauração, perguntava aos vendedores de peças se tinham alguma peça ou emblema para Dodge Kingsway 1957, e a maioria nunca tinha visto ou ouvido falar num carro desses. Sendo assim alguns emblemas foram feitos numa empresa de Rio das Pedras mesmo, como, por exemplo, uma placa com a inscrição Dodge, feita para ser colocar no motor e algumas letras também com a mesma inscrição.
Nesse período, aprendi que você tem que ter definido o que pretende fazer na restauração do seu carro, pois acabei gastando um bom dinheiro em coisas que foram desenvolvidas para o carro e que nunca usei, ou até outras que durante o tempo acabaram se perdendo em outras empresas. Foi o caso dos frisos das portas, os quais encomendei a uma empresa que trabalhava com modelação em alumínio fundido, oito frisos que seriam usados como acabamento interno das portas, depois de pronto, tirei as medidas e dei acabamento nas peças, só ficou faltando a cromagem de todos eles, mas justamente quando os levei para cromar, o responsável me disse que teria que levá-los em um torneiro mecânico para deixá-los retos, pois tinham muitas ondulações.
Segui o conselho e levei todos os frisos para um torneiro mecânico, o qual tentou deixar um friso reto, mas acabou estragando ele e depois quebrando. Depois disso, acabei abandonando os outros frisos por lá mesmo, nunca mais fui buscar os que sobraram.
Depois de algum tempo acabei comprando um jogo de friso da caixa de ar do Ford Corcel 1, para fazer o acabamento das portas, até cheguei a deixá-los na medida exata de como seria o desenho das portas, mas também acabei não usando. Isso sem falar dos frisos das canaletas do teto, que comprei em um ferro velho em Santa Bárbara do Oeste, retirados de um Dodge Station Wagon da década de 70 e que nunca foram usados, paguei R$300,00 por eles e acredito eu que estão até hoje guardados no sótão da funilaria do Português.

Muitas outras peças acabei comprando ou fazendo e nunca usei, como por exemplo os aros dos faróis, que foram feitos na medida do original, mas na hora que ficaram prontos, não tinham os sulcos de acabamento, tive o maior trabalho para fazer na mão pois não tinha como usar qualquer ferramentas nessas peças devido a sua delicadeza. Depois de cromadas, ficaram perfeitas, porém, nunca as usei, estão guardadas em casa, assim como algumas letras com a escrita Dodge e um novo painel de acabamento para o rádio, feito no padrão do original, que foram feitos e nunca foram utilizadas. 


 Acima e abaixo, os novos aros de faróis feitos de alumínio sendo trabalhado.



  Acima o teste no carro e abaixo ambos já cromados e prontos.




Acima e abaixo, frisos comprados novos para fazer um novo desenho na lateral da porta, porém nunca foram usados.


 Painel do novo rádio abaixo, que seria usado nos moldes do original.

Rádio com painel original do Dodge Kingsway 1957.

Lembrando dessas peças e algumas outras, percebo o quanto fui impulsivo, acabei fazendo e comprando muita coisa inútil e deixando de comprar algumas que realmente necessitava, por exemplo, o que gastei com todas essas peças que não foram utilizadas, poderia ter comprado um jogo de calotas para deixar guardada até terminar a restauração do carro.
Nesse mesmo tempo, corria para conseguir fazer outras peças do carro, que seriam usados durante a montagem, como por exemplo, o tanque de combustível. O original não estava com nenhum defeito, mas não tinha quebra ondas e nem divisória dentro dele, quando andava com o carro, a meio tanque, por exemplo, o ponteiro do marcador de combustível se movia do vazio para o cheio, devido ao movimento do combustível dentro do tanque, sendo que para saber quanto realmente havia de combustível, era necessário parar o carro e esperar o combustível parar de balançar dentro do tanque.
A construção do novo tanque ficou a cargo do Sidnei, proprietário da Chevrolet Veraneio, citada antes, que estava em restauração. Ele era proprietário de uma empresa que trabalha com aço inoxidável, principalmente na construção de tanques de combustível.
Retirei o velho tanque do carro, junto de suas cintas metálicas de segurança e as levei dentro do Gol do meu pai até a sua empresa, foi preciso rebater os bancos traseiros do Gol para colocar o tanque. Deixei a cargo dele construir uma reprodução fiel do antigo tanque.
O tempo estava passando e o pessoal da oficina trabalhava como podia no carro, não era fácil, pois não é um carro comum e suas peças não eram encontradas como as de um carro novo ou mesmo um nacional, elas tinham de serem fabricadas.
Nos Estados Unidos, a restauração de um carro se torna absurdamente cara por causa da mão de obra, as oficinas especializadas cobram por hora trabalhada e encarecem muito o trabalho, mas em contra partida, as peças de lataria e acabamento são encontradas facilmente, já que muitas empresas particulares compraram os moldes abandonados pelas montadoras e reproduzem sobre licença da própria montadora, peças perfeitas de qualquer carro, ano ou modelo, sendo muito mais fácil de se restaurar um carro de qualquer década. 
A importação de qualquer item para restauração do carro iria encarecer ainda mais sua restauração, sendo mais fácil de serem reproduzidas na oficina as peças que teriam de ser trocadas, caso, por exemplo, da caixa de ar do carro, que foi toda feita nova na medida da original.

O tempo não para.


Continuava trabalhando em casa nas peças que havia levado para restaurar, algumas deixei numa empresa de cromação, outras estava pintando e fazendo um acabamento melhor. Mesmo assim, todos os sábados, durante a parte da manhã, passava pela oficina (era como preferia chamar a funilaria e pintura do Português) para ver o andamento da restauração, o que a cada semana estava me desanimando mais e mais.

 Acima e abaixo, fotos do assoalho do carro sem as massas que havia colocado.




 Acima coluna dianteira sendo restaurada e abaixo a coluna traseira totalmente podre.



O pessoal da oficina estava trabalhando no carro, mas quando era possível, pois era um carro muito grande e com muitas avarias, o que acabava até cansando o pessoal.
Lembro-me que num sábado, tivemos que ir, meu pai, minha mãe e eu até Piracicaba para comprarmos alguma coisa no centro da cidade e depois demos uma passada na oficina para ver o andamento do trabalho. Até minha mãe ficou impressionada em ver como o Baixinho trabalhava no carro, pois às vezes ele se via obrigado a soldar pequenos pedaços de lata no carro, que muitos deixariam passar despercebido.

Outro motivo pelo atraso no cronograma da restauração era que o Português trabalhava com carros e veículos de seguradora e tinha que dar preferência para esses carros, pois era cobrado dele um prazo de entrega do veiculo e para cumprir com esse prazo, muitas vezes ele tinha que parar o trabalho do meu carro e começar o de outro.


 Refazendo o assoalho e as caixas de ar laterais do Dodge.


 Refazendo o assoalho e as caixas de ar laterais do Dodge.


 Refazendo o assoalho e as caixas de ar laterais do Dodge.


 Refazendo o assoalho e as caixas de ar laterais do Dodge. 


O que tinha que ser trocado estava sendo cortado, moldado e soldado, tudo novo, na medida da peça original, a intenção era de refazer o carro para que o mesmo durasse mais trinta anos sem precisar refazer nada do que já estava sendo feito, não importando a peça ou o tamanho da mesma, se estava podre, essa era literalmente cortada do carro.

No detalhe acima e abaixo porta-malas antes podre e depois com o novo assoalho.




Não podia reclamar, pois como ele dizia, meu carro era um carro para passeio e não para trabalho (engraçado que todos diziam a mesma coisa, como se fosse deixar o carro de enfeito depois de pronto), então a prioridade da oficina eram os veículos de seguro.
Até acabei passando por isso, pois no final do ano, minha família marcou uma viagem para o litoral, com saída no dia 23 de Dezembro para passar o fim de ano por lá, mas uma semana antes, tive um acidente com um motoqueiro.
Estava a caminho do trabalho, parado em um semáforo quando o motoqueiro bateu na parte traseira do carro do meu pai, em grande velocidade. Ele passou voando por cima do carro e caiu, batendo a cabeça, o braço, a costela e tendo uma fratura exposta no joelho.
Depois de prestar socorro ao motoqueiro, me dei conta do que havia acontecido ao Gol do meu pai, o joelho do motoqueiro tinha afundado toda a lateral de baixo do vidro traseiro do Gol, quebrado a lanterna traseira, o pára-choque e estourado um pneu.
Não podia viajar com o carro naquele estado, tinha que fazer os reparos necessários na lataria, pois mesmo que comprasse uma lanterna e um para-choque novo, não se encaixaria no local, que estava muito amassado. Isso aconteceu numa segunda feira, nesse mesmo dia acionei o seguro novamente, pois uma semana antes também havia me envolvido em outro acidente, uma batida que havia amassado a porta do motorista. Acredito que não era minha semana de sorte, pois dois acidentes seguidos era muita falta de sorte.
A seguradora me disse que poderia procurar um funileiro de minha confiança para realizar o trabalho, então liguei no mesmo dia para o Português e levei o carro para ele na hora do almoço, pedi, por favor, para que ele desse um jeito de passar o carro do meu pai na frente, pois tinha uma viagem marcada para daqui quatro dias. Ele me disse que faria o possível, mas que não poderia comprometer o serviço que seria realizado no carro.
Dois dias depois ele me ligou na hora do almoço, pedindo para ir buscar o carro, pois como havia trocado o para-choque traseiro, teria que levar o carro para fazer um novo emplacamento. Realmente eles trabalharam rápido no carro, no dia em que liguei, ele comprou a lateral completa do Gol, a lanterna e o para-choque e desmontou toda a parte amassada, nesse mesmo dia ele já montou as novas peças e preparou para pintura e no dia seguinte esperou secar a tinta e deu um polimento, ele me disse que todos trabalharam até mais tarde para conseguir terminar em tempo e realmente conseguiram, pois na sexta feira levei o carro para emplacar e no sábado saímos de viagem sem nenhum problema.

Sabendo disso, não podia exigir dele que trabalhasse mais rápido no Dodge, pois realmente ele não seria usado para trabalho diário e sim para passeios de fim de semana, sendo assim tive que ter mais uma dose de paciência e ajudar no que fosse possível para adiantar a restauração do carro.

Parte da funilaria dianteira já parcialmente pronta e com fundo anticorrosivo aplicado.

Num desses sábados, estava desmontando o diferencial para verificar suas peças, trocar o óleo e cromar a tampa do mesmo, para isso precisava de uma chave especial que o Português havia emprestado para o Luiz, da oficina do outro lado da rua, em frente a sua.
Fui até lá para pegar a chave e para minha surpresa me deparei com uma caminhonete Chevrolet 1950 vermelha, sem a caixa de direção.
Para minha maior surpresa, ela estava equipada com um motor de Dodge nacional, o 318 V8 e com o câmbio do mesmo carro, minha primeira pergunta para o dono da oficina foi se o dono da caminhonete tinha a intenção de trocar de motor comigo, abriria mão do 6 cilindros que havia colocado no meu carro junto do câmbio, que serviria como uma luva na caminhonete e colocaria a mecânica V8 de volta no meu carro, levando-se em conta que aparentemente o motor estava em ótimo estado.
Mas o dono da oficina já me adiantou que o proprietário da caminhonete não tinha a intenção de trocar nada dela, pois estava apenas terminando para guardar como recordação. Pela história que ele me contou, a mesma havia pertencido ao seu filho, que havia falecido num acidente e o pai estava terminando de montar a caminhonete como era de seu gosto, por esse motivo, ele não pretendia nem vender nem mudar nada nela.
Realmente depois que a caminhonete saiu da oficina, nunca mais a vi rodando pela cidade e nem se quer em algum encontro de carros antigos, com certeza ela deve estar guardada a “sete chaves” como lembrança de um filho querido.

Pick-up Chevrolet sendo restaurada em frente à oficina onde estava o Dodge.

 Fotos acima e abaixo mostram várias etapas da funilaria na parte da coluna traseira que estava muito danificada pela ferrugem.





 Fotos acima e abaixo mostram várias etapas da funilaria na parte da coluna traseira que estava muito danificada pela ferrugem.



Com o carro sendo restaurado, o tanque sendo feito, os detalhes sendo cromados, faltavam as rodas e os pneus. Como estava querendo deixar o carro o mais próximo possível da originalidade externamente e pensava em futuramente colocar calotas cromadas originais nele, tomei a decisão de trocar as rodas de liga leve por rodas de ferro, as quais também poderia futuramente, alargar as rodas traseiras, melhorando a estabilidade do carro e seu visual.
Mais uma dificuldade a vista! Onde encontrar rodas de ferro na medida da furação usada no Dodge?
Com certeza, em ferros velho de uma grande cidade seria mais fácil de encontrar, mas por aqui seria quase impossível, pensei até em pedir para um velho amigo, o “Zé da roda”, providenciar alguma roda aro 14 usadas dos antigos Opalas e modificar o centro, usando a furação do Dodge, mas então pensava nas calotas, será que elas serviriam numa roda de um carro de montadora diferente?
Decidi então esperar um pouco e nesse meio tempo, apareceu um rapaz na oficina onde estava o Dodge 1957 dizendo que tinha visto umas rodas de Dodge nacional num desmanche na cidade de Jundiaí e que com certeza serviriam no meu carro.
Ele propôs comprá-las e trazê-las até Piracicaba, onde estava o carro, mas o preço que ele estava pedindo era um pouco alto por quatro rodas usadas. Decidimos então, meu pai e eu, esperar e pensar no assunto.
É nessa hora que o destino nos prega uma peça, pois, nesse mesmo sábado, quando estávamos voltando para Rio das Pedras, bem na saída da cidade, no estacionamento do ferro velho do Ayrton para ser mais preciso, estava parado, ao lado de um Maverick e de uma Pick up Ford, um Dodge nacional! E adivinha só, ele tinha as rodas de ferro originais, as mesmas que eu estava procurando.
Então tive uma idéia! Por que não propor uma troca ao proprietário do Dodge nacional? Não custava nada tentar, embora meu pai acreditasse que o dono do carro não aceitaria fazer a troca.
Paramos e fomos falar com o dono do carro, que gentilmente nos mostrou todos os detalhes do carro, que estava à venda e as rodas e pneus que estava usando.
Propus para ele uma troca pelas rodas do meu carro e ele aceitou, mas com a condição de ver as rodas primeiro. Sendo assim voltamos para a oficina do Português, onde estava o carro, para sua avaliação e depois de vê-las, fechamos o acordo. Ele iria trocar as cinco rodas do meu carro pelas cinco do carro dele e ele ainda pagaria a mão de obra da troca de pneus e o balanceamento das rodas.
Confesso que o carro ficou com um aspecto mais original com as rodas de ferro, agora faltavam alargar as rodas traseiras, mas isso seria quase no final da restauração do carro, pois teria que comprar também os pneus na medida da nova roda.
Depois de meses de trabalho, finalmente o carro estava com a funilaria da carroceria quase concluída, faltavam alguns pequenos detalhes para concluir o término da restauração, entre esses detalhes, optei por trocar as luzes de ré, pois achava que as que estavam no carro eram muito grandes e também havia decidido colocar saídas duplas de escapamento, sendo assim, não sobraria muito espaço para a luz de ré que estavam instaladas.
Depois de pensar muito e ver vários modelos da década de 50, decidi colocar as luzes de ré iguais às lanternas dianteiras do De Soto 1958, pequenas e redondas, bem discretas, mas funcionais. 

Se encontrar peças para meu carro estava quase impossível, imagine encontrar as lanternas de um De Soto 1958! Seria mais fácil encontrar alguma semelhante e procurando no lugar certo, não foi difícil de encontrar.



 Acima, fotos do Dodge nacional com as rodas de ferro original (e meu pai olhando o Maverick que iria para o desmanche), depois abaixo com as rodas trocadas com as que estavam no Dodge 1957.





O sonho virou pesadelo.


Durante o tempo de restauração do carro, outras coisas estavam acontecendo ao mesmo tempo, por exemplo, a Flávia e eu, já havíamos ficados noivos no início do ano de 2004, bem na virada do ano de 2003 para 2004 na praia de Peruíbe, SP. Eu não vivia exclusivamente para restaurar o carro, eu encarava isso como um hobby, pelo menos no começo, sentia como se fosse a realização do meu sonho. Até o momento, estava focando o assunto mais no carro, sobre o tempo em que estava restaurando e tudo que estava fazendo, mas para entender a reviravolta que houve em minha vida, tenho que entrar num lado mais pessoal da história.
Minha rotina diária era mais ou menos assim:
Durante o dia trabalhava em Piracicaba- SP, cidade vizinha a Rio das Pedras- SP onde resido, entrava as 08:12hs da manhã, tinha uma hora de almoço e saia as 18:00hs, sendo que tinha que tomar banho e jantar no trabalho, pois as 19:00hs estava fazendo um curso técnico no qual ficava até as 22:45hs.
Depois que saia desse curso, voltava para Rio das Pedras- SP e antes de ir para casa descansar, todo dia passava para ver a Flávia, onde ficava algumas vezes até as 23:30hs conversando com ela (ou namorando). Minha vida era corrida, mas acredito que durante os nove anos que namoramos, só deixei de vê-la uma semana na qual ela foi trabalhar em São Paulo e um dia em que fiquei doente e não pude ir até a casa dela, pois estava chovendo muito, o que poderia piorar meu estado de saúde, no demais estávamos sempre juntos.
Como já disse antes, quando ela viu o carro pela primeira vez, suas primeiras palavras foram “Eu não vou andar com você nessa coisa”, mas depois de um tempo, quando coloquei o carro para funcionar ela mudou de ideia.
Nós íamos juntos para vários encontros e passeios com o carro, mas acredito que ela nunca gostou realmente dele, mesmo não demonstrando. Quando fazia alguma modificação no carro e perguntava para ela o que ela achava, ela sempre dizia que o carro era muito cheio de “quero-quero”, ou seja, era muito cheio de adornos e detalhes desnecessários para um carro comum.
Quando comprei o carro, fizemos uma promessa um para o outro! Eu prometi para ela que quando terminasse de restaurar o carro, nós iríamos nos casar e ela prometeu que esperaria o tempo que fosse necessário para que isso acontecesse.
Mas nunca pensei que essa restauração fosse levar tanto tempo assim, se passou um ano, dois, três, quatro, cinco anos e nada do carro ficar pronto e com o passar do tempo, a promessa de esperar começou a ficar cada vez mais difícil de manter. Não posso culpá-la por isso, afinal de contas todos podem imaginar o quanto é frustrante,  você esperar por alguma coisa e ver que ela está cada vez mais distante.
Foi exatamente nesse período em que minha vida estava uma verdadeira correria que acabou acontecendo algo inimaginável, ela ficou doente, entrou em depressão profunda, uma depressão que vinha caminhando silenciosamente durante alguns meses.
Foi tudo muito rápido, eu mesmo, que trabalho na área da saúde, nem percebi o que estava acontecendo com ela, até que já era tarde demais.
Nessa época, fazíamos academia, sendo que eu fazia no período da manhã, das 06:00hs até as 07:15hs e ela fazia no período da tarde ou quando possível a noite. 
Um fator que contribuiu muito para essa repentina depressão foi uma fórmula para emagrecer que ela começou a tomar. 
Deixo claro que desde o início fui contra, mas nunca a proibi de fazer nada, apenas orientava para que ela pensasse muito no assunto e a decisão era dela. Nesse caso, a decisão que ela tomou foi de passar com uma médica endocrinologista que começou a trabalhar no posto de saúde da cidade atendendo como clínica geral.
Essa médica prescreveu para ela uma carga diária de três comprimidos pela manhã,  três comprimidos à tarde e três comprimidos à noite.
Não sou contra emagrece, não me entenda mal, mas desde que emagreça com saúde e esse não foi o caso, ela acabou perdendo mais de vinte quilos num período de três meses e isso não afetou somente o seu corpo, mas também, todo seu comportamento.
Depois de ver os resultados dos remédios, pedi para que ela parasse de tomá-los e ela voltou a procurar a médica para um aconselhamento. Essa médica disse que esta fórmula estava funcionando muito bem e aumentou a dosagem para seis comprimidos pela manhã, seis comprimidos à tarde e seis comprimidos à noite...
Achei isso um absurdo e acabei interferindo, não podia ficar vendo ela "se matando" aos poucos, mas mesmo assim, ela não acreditava no que eu falava, afinal, o que é a palavra de um simples técnico de enfermagem contra a de uma médica endocrinologista?
Depois de muita discussão, ela me prometera que iria parar com a medicação e eu acreditei, mas depois de um tempo notei que ela ainda continuava emagrecendo, perdeu mais dez quilos em menos de um mês.
Eu estava desconfiado de que ela ainda estava tomando as medicações escondida, para que não percebesse, mas a confirmação disso veio com um telefonema de sua mãe, me dizendo que a secretária da médica endocrinologista havia ligado para sua residência informando que medicação de sua filha estava pronta e ela precisava ir buscar no consultório.
Além da confirmação de que ela ainda estava tomando as medicações, achei essa história muito suspeita, pois trabalho na área da saúde há muito tempo e sei que secretárias de médicos não compram medicações para as pacientes, a não ser em clínicas particulares (acho que nem em clínicas particulares fazem isso), o que não era o caso, então, resolvi investigar o que estava acontecendo.
Me surpreendi com o que descobri! Essa médica atendia no posto de saúde da cidade pelo SUS (Sistema Único de saúde) na especialidade de clínica geral e quando algum paciente acima do peso passava em consulta com ela, por qualquer motivo, era sempre indicado a procurá-la em seu consultório (recém inaugurado na cidade) e lá, ela atendia o paciente (só convênio, nada mais de SUS) e indicava que o mesmo deixasse ao sair, a recita com a secretária, pois as medicações que ela prescrevia eram compradas numa farmácia na cidade vizinha e para maior comodidade do paciente, quem comprava a medicação era sua secretária e quando a medicação chegasse, a recepcionista entraria em contato.
O que fiquei mais surpreso, foi de descobrir que essa médica estava sendo processada por uma das famílias mais ilustres da cidade, pois uma adolescente, (na “onda” das dietas e em busca de um corpo perfeito), resolveu entrar nessa euforia de emagrecer, que havia tomado conta da população e procurou essa mesma médica. Essa médica também receitou essa fórmula “milagrosa” para emagrecer e como de costume, não pediu nenhum exame; quando essa adolescente começou a tomar essa fórmula, começou a passar mal por reação alérgica a um dos componentes, voltou a procurar a médica que disse a ela, que no começo do uso da medicação isso era normal e disse também que continuasse a tomar a fórmula. Dias depois essa adolescente foi internada as pressas na UTI do hospital da cidade vizinha com uma forte reação alérgica, intoxicação medicamentosa e insuficiência respiratória.
Como se só isso não bastasse para impedir a Flávia de continuar a tomar essa fórmula, descobri também, que essa médica era proprietária de uma farmácia de manipulação na cidade vizinha, a qual não estava registrada em seu nome e sim em nome de um farmacêutico que era seu parente (primo) e também “coincidentemente” todas as receitas que ela prescrevia para seus pacientes, ela indicava essa farmácia para fazer as fórmulas, por isso que sua secretária era incumbida de buscar e distribuir as medicações, por isso, as receitas ficavam com ela após a consulta. Decidi entrar com um processo contra essa médica, mas a pedido da Flávia, não o fiz, diante da promessa que iria parar de usar essas medicações. A última noticia que tive sobre essa médica foi de que ela sumiu da cidade e da região, até seu consultório fechou após uns meses do escândalo sobre a internação dessa adolescente, filha de uma das famílias mais conhecidas da cidade.
Pessoalmente levei minha noiva até essa farmácia para que ela constatasse a verdade e depois joguei os comprimidos que estavam com ela fora.
Mas durante esse período em que ela fez uso da medicação, seu corpo ficou intoxicado com a fórmula, alterando seus hormônios e também seu comportamento, deixando-a ainda mais depressiva, com perda de memória, falta de apetite, insônia e alteração de humor.
Com isso, a depressão se revelou uma forma de expor todos seus pensamentos antes reprimidos, tudo o que ela pensava em relação ao carro ela só teve coragem de me revelar quando estava em depressão, acho que isso serviu como uma válvula de escape para todos os sentimentos retraídos durante anos. Decidimos juntos procurar ajuda para curar sua depressão e fomos procurar uma psicóloga, que foi indicada por uma amiga da Flávia.
Começamos e por muitos meses, fizemos acompanhamentos com uma psicóloga, que prefiro não mencionar o nome (nem abreviado) que ao invés de ajudar, acabou agravando ainda mais o caso dela, pois a intenção dessa psicóloga era de deixá-la dependente de sua ajuda e orientação, fazer com que ela não conseguisse tomar decisões sozinha (o atendimento era particular, então, quanto mais sessões, mais ela ganhava). Toda decisão e qualquer ação que ela fosse tomar, teria que primeiro ligar para consultar essa psicóloga. Houve um período em que a psicóloga percebeu que quem mais a estava ajudando a sair dessa depressão era eu, então tentou afastá-la de mim. Ela encheu a cabeça da Flávia contra mim e para isso usou o ponto que mais enfurecia ela! O Dodge! 
Posso dizer que foi a época mais difícil da minha vida, pois estava tudo dando errado, problemas com o carro, problemas com a minha noiva, projeto para terminar no curso técnico, trabalho cada vez exigindo mais dos funcionários sem falar que era um período de incertezas no trabalho, pois estavam acontecendo várias demissões nesse período.
O que mais ouvia da minha noiva nesse período era de que sempre dei mais atenção para o carro do que para ela, que eu preferia passar mais tempo com o carro do que com ela, que eu a estava enganando, que depois que terminasse o carro, eu a deixaria e o que mais me derrubou e abriu meus olhos foi ela dizer que se realmente tivesse a intenção de casar com ela, não teria gasto tanto dinheiro com o carro e teria investido em um terreno ou uma casa.



 Na foto acima, a Flávia e eu no encontro de Águas de Lindóia em 2004 e na foto abaixo a Flávia e eu no encontro de Águas de Lindóia em 2005. Reparem a diferença do seu corpo em apenas um ano, 30 quilos a menos do que no ano anterior, graças ao efeito da medicação que a fez emagrecer rapidamente (detalhe da toalha para secar o suor excessivo em sua cintura), mas também a fez entrar em depressão profunda.

A maior prova de que eu não a estava enganando, foi termos ficados noivos, num período em que eu ainda estava restaurando o carro.
Ela tinha uma foto do carro que eu havia dado a ela, ainda de quando o comprei, mas ela me devolveu essa foto dizendo que não conseguia nem olhar para ela, que tinha vontade de rasgá-la, pois odiava esse carro. Sabia que isso era apenas um período de stress que ela estava passando, pois trabalhando nessa área, já havia visto um pouco de tudo com relação às pacientes em depressão, pacientes que acreditavam que todos queriam matá-las, que existiam verdadeiras conspirações para interná-las em hospitais psiquiátricos ou mesmos os que entravam em surtos psicóticos e acabavam até partindo para a agressividade contra os próprios parentes ou entes queridos.
Mas depois que ela me disse que queria terminar o relacionamento por causa do carro, lembrei de um amigo que conheci quando precisei fazer uma peça para o Impala 1968, ele era dono de uma oficina e tinha vários carros antigos, dois deles, Hot Rod’s muito bem feitos diga se de passagem.
Todos seus carros estavam para venda, inclusive um antigo seu que era de uso diário. Não entendia porque, aparentemente ele não precisava de dinheiro, estava com a oficina com bastante trabalho e o local da instalação da oficina era seu, então perguntei qual o motivo da venda dos carros? Sendo que ele gostava muito do que fazia e de seus carros.
Ele me disse que o amor maior que ele tinha na vida era sua família, os carros eram apenas um passa tempo e uma espécie de hobby para ele e o motivo de estar vendendo seus carros era sua esposa! Eles quase se separaram por conta dos carros, a mesma situação que estava acontecendo comigo, já havia acontecido com ele. Sua esposa sempre discutia com ele a respeito dos carros, que gastavam muito, que o dinheiro que ele havia investido nos carros poderia ter sido usado nos estudos dos filhos ou em reformas na casa entre outras coisas do gênero.
Sendo assim ele preferiu vender os carros e manter o casamento e a família, Ele me disse um dia que mulher e carros antigos não combinam, a menos que a mulher também tenha interesse por esse assunto e sendo assim, ele preferia apenas ajudar os outros fabricando peças para os carros e os admirando em encontros ou revistas.
Lembrando disso passei a refletir sobre o que estava fazendo, até onde estava disposto a chegar, se valeria à pena passar por tudo isso e confesso que cheguei até mesmo a pensar em vender o carro do jeito que estava, sem terminar de restaurá-lo.
Mas também sabia que tudo que havia investido nele até agora, não conseguiria reaver vendendo do jeito que estava, valeria muito mais depois de pronto.
Estava dividido num conflito pessoal, era como se tivesse me dividido em dois, um querendo parar tudo que estava fazendo e outro que detesta o fracasso, me empurrando para terminar meus planos, faltava apenas alguns meses para o término do curso técnico e depois disso poderia me dedicar mais tempo a minha noiva, talvez passando mais tempo com ela, isso ajudasse a distrair sua cabeça e a melhorar da depressão.

Perto do fim.

Finalmente a parte mais extensa da restauração havia acabado, à parte de restauração da carroceria estava completa, foram trocados as caixas de ar, fundo do porta-malas, todo o assoalho interno e tudo foi revestido com um fundo anticorrosivo especial.
Faltavam apenas os para-lamas que tinham poucas coisas a serem feitas e as portas, pois o capô dianteiro e a tampa do porta-malas não possuíam partes podres.


Acima, o carro começando a ser raspado e abaixo, ele quase raspado completamente, já com as rodas de ferro.



Com a carroceria já sendo preparada para pintura, fiz a marcação das novas lanternas de ré, a qual já havia comprado num novo modelo e a marcação de quanto seria diminuído da saia traseira, pois o carro passaria a contar com quatro saídas de escapamento.
O Baixinho era um verdadeiro "artesão da lata", pois o que eu pedia, ele fazia, exatamente como eu imaginava no projeto.
Enquanto a restauração das portas começava, minha noiva continuava a afundar cada vez mais na depressão e para piorar um pouco mais a situação meu projeto de término do curso técnico entrava na pior fase, o término.
Nunca fui de ficar faltando às aulas e por isso não tinha problemas com falta, mas nesse período foi o que mais faltei. Saia do trabalho, quase sempre sem jantar e alguns dias até mesmo sem tomar banho para chegar a tempo nas aulas, mas quase todos os dias, minha noiva me ligava no celular chorando e pedindo para ir embora, para ficar com ela.
Quando a aula era muito importante, ficava pelo menos até o período do intervalo, depois dizia para os professores que precisava ir embora e eles me liberavam, mas o pior dessa situação é que quando chegava em casa, minha noiva, ao invés de ficar feliz, sempre acabava discutindo e brigando comigo, por motivos banais.


Acima, teste do local onde seria instalada a nova lanterna de ré, agora redonda e na foto abaixo com meu pai, apesar de quase todo lixado o carro ainda apresentava algumas pequenas partes podres como os para-lamas.

 

Numa dessas noites em que tive que sair mais cedo da aula para ir até a casa dela, pois estava chorando muito novamente, ela me disse que queria ter um filho meu, compreendo que esse era seu maior sonho e provavelmente o sonho de quase todas as mulheres, e devo confessar que também já estava pensando nisso há algum tempo, mas também sabia que no estado em que ela estava, não seria possível ela engravidar e mesmo que conseguisse, a criança correria serio problemas devido a sua depressão.
Mas ela não entendia isso, achava que novamente eu a estava enganando e para piorar ainda mais a situação a psicóloga dizia que se realmente eu a amasse, eu realizaria esse sonho dela.
Em algumas sessões de terapia com essa psicóloga, ela solicitava minha presença, pelo menos uma vez ao mês, já na maioria não.
Sempre que eu ia acompanhá-la, nas sessões, a psicóloga mudava completamente seu “discurso”, dizendo que realmente eu estava com a razão, que ela não poderia ter um filho ainda, mesmo que ela quisesse, seria muito arriscado e que primeiro teríamos que cuidar juntos dessa depressão e várias outras coisas, mas quando ela voltava sozinha para consulta, o “discurso” era completamente ao contrário, dizia que se realmente eu quisesse, poderíamos ter um filho quando bem entendesse que não pensava nisso no momento por causa do carro e que eu não passava tanto tempo com ela, por ter uma amante!
Quando a Flávia me disse isso, quase tive um infarto, não tinha tempo nem de descansar direito, como poderia ter uma amante?
No dia seguinte, fiz questão de conversar com essa psicóloga pessoalmente e resolver esse assunto, pois acho que tentar ajudar uma pessoa é uma coisa, já acusar outra pessoa pelo que estava acontecendo é um pouco mais complicado, ainda mais sem ter provas do que estava falando.
Depois de uma boa conversa “cara-a-cara” onde esclareci muitas coisas com a psicóloga, ela realmente começou a ajudar minha noiva, mas não durou muito, pois voltou a usar o carro como motivo da depressão.
Agora a cabeça dela estava mais “cheia” do que nunca, era aquela história de filho que ela ainda teimava em ter, o carro que a incomodava e por fim, ela tomou uma decisão impulsiva! Resolveu que devíamos nos separar, ou seja, acabar o noivado.
Ela me ligou durante a aula e disse que era para ir embora pois ela precisava confessar uma coisa.
Quando cheguei em sua casa ela veio falar comigo no carro, ela inventou que estava apaixonada por outra pessoa, mas eu sabia que não era verdade, alguma coisa me dizia isso, mas nessa noite, ela me entregou a aliança de noivado e disse que não dava mais certo entre nós.
Confesso que depois que fui embora para casa, nem consegui dormir, liguei várias vezes para ela durante a noite.
Agora vamos pensar um pouco, como uma pessoa que se diz, apaixonada, que quer casar com você de qualquer jeito, ainda te cobra disso e todo dia dizia que queria ter um filho como você, do nada, de uma hora para outra, decide terminar tudo? Isso ainda era um dos efeitos da intoxicação pela medicação para emagrecer, confusão mental. Se ela não estivesse em depressão, não tivesse com perda de memória sobre alguns acontecimentos recentes e não tivesse tomado nenhuma medicação e quisesse ainda assim, terminar o noivado por algum motivo real, eu até entenderia e aceitaria, mas nessas condições, eu não aceitava.
No dia seguinte fui trabalhar, mas ao sair do trabalho, não tinha cabeça para o curso técnico, sendo assim, liguei para ela e disse que precisávamos conversar.
Depois do trabalho fui direto para sua casa, sua mãe já estava sabendo do acontecido e ela disse que também precisava falar comigo, pois tinha que me revelar um segredo, que conforme minha própria noiva disse, se depois de ouvir o que ela tinha a revelar eu não quisesse mais reatar o noivado com ela, ela entenderia.
Começava a acreditar na hipótese de que ela realmente tinha se apaixonado por outra pessoa, mas mesmo assim tinha que estar preparado para ouvir isso da mãe dela também, pois se ela estava saindo com alguém, sua mãe provavelmente saberia de tudo e como conheço bem a dona Regina (mãe da Flávia), ela nunca aceitaria o fato de sua filha estar enganando o noivo ou outra pessoa.
Quando cheguei na casa dela, ambas já estavam me esperando no portão, eu nem se quer entrei na casa dela e a dona Regina já veio em minha direção para falar comigo no portão mesmo.
Ela me disse que primeiro ficasse calmo e ouvisse tudo o que a Flávia tinha para me falar, depois se quisesse nunca mais olhar na cara dela, ela iria entender.
Nessa hora já estava pálido como um papel, acho que nunca mais vou esquecer essa noite, apesar de não ter uma nuvem no céu, estava uma noite muito fria e mesmo assim, eu suava frio.
Minha noiva então começou a falar, primeiro, me pediu perdão por ter me enganado durante três anos, por ter mentido para mim.
Quando ouvi isso, já estava pensando no pior, que poderia ser verdade o que ela tinha me dito na noite anterior sobre ter conhecido outra pessoa e ter se apaixonado, mas ela me confessou que isso era tudo mentira e o que realmente tinha acontecido, era que ela estava com muita vergonha da situação em que se encontrava, por isso havia inventado essa mentira para ver se conseguia me afastar dela.
Quando ouvi isso, foi como se alguém tivesse arrancado uma faca do meu coração, toda aquela angustia que estava sentindo passou e fui tomado por uma sensação de alívio e ao mesmo tempo, preocupação, pois se ela realmente me amava a ponto de querer ter um filho comigo, por que ela queria me afastar dela? (este era um sintoma da depressão, ela estava totalmente desorientada e sem saber direito o que sentia).
Chorando e muito envergonhada ela me revelou a verdade.
Quando ela estava trabalhando na Usina S.H, ela havia emprestado alguns cheques em branco para uma de suas irmãs e também para seu irmão que usaram os cheques e depois não tiveram mais dinheiro para pagá-la. Alguns meses depois, ela havia saído da Usina S.H e acabou ficando com os cheques sem fundos e com vergonha de contar o que aconteceu, ela escondeu isso durante muito tempo, até que um dia as pessoas que estavam em poder dos cheques contrataram alguns advogados para receberem esse dinheiro e como ela estava desempregada não poderia pagar. A situação foi se agravando tanto até que um dos advogados disse que caso ela não pagasse a dívida, ela perderia a televisão, geladeira e outros móveis da casa. Seu pai não podia pagar essa conta e sua mãe estava desesperada e sem saber o que fazer.
Isso ajudou ainda mais a agravar sua depressão e como ela já estava abalada psicologicamente, achou que se afastando não me traria ainda mais problemas.
Depois de ouvir isso, fiquei furioso por ela ter me escondido essa dívida durante tanto tempo, pois se tivesse me dito antes, poderíamos ter resolvido a situação quando a dívida ainda era pequena, mas com os juros, essa dívida aumentou muito, como uma “bola de neve”.
Disse a ela que isso não era motivo para terminar um relacionamento e se realmente me amasse, passaríamos por isso juntos, depois disso, reatamos o noivado e fomos até minha casa para falar com meu pai, pois ele conhecia um bom advogado e veríamos se era possível negociar essa dívida.
Pensei que ele me mataria quando falasse da situação para ele, mas ele e minha mãe entenderam e aceitaram bem, pois na verdade, não fui até ele perguntar se podia ajudá-la, mas sim para comunicá-los de que eu iria ajudá-la.
Resolvemos parcialmente o problema da dívida, o advogado negociou com a pessoa que estava em poder de alguns dos cheques e essa deixou pela metade do valor, mesmo assim foi uma quantia bem “generosa”, vendo pelo lado de móveis, dava quase que para mobiliar uma casa. Mesmo assim, ainda persistia o problema da depressão, havíamos resolvido um problema, mas ainda havia o suposto problema do carro, a vontade de ter um filho e a minha falta de tempo permanecia.
Talvez por estar tão envolvido nessa restauração e na conclusão do projeto do curso técnico, realmente não estivesse dando a atenção que deveria para minha noiva, então resolvi fazer uma drástica mudança na nossa vida, resolvi que ela passaria todo tempo disponível comigo, ou na minha ausência, ficaria em minha casa, pois a sua maior queixa era de que não conseguia mais ficar na sua casa na presença dessa sua irmã, depois de tudo o que ela a fizera passar, Claro que tudo isso era uma paranóia, pois ela parecia não estar raciocinando direito e sua irmã e seu irmão, se comprometeram a pagar seus débitos, parcelando a dívida e me pagando aos poucos.
Isso também foi aprovado pela psicóloga, mas mesmo assim, ela ainda confundia mais a cabeça da minha noiva do que a ajudava. Estava cansado dessa psicóloga tentando fazê-la ficar dependente dela, tentei mais de uma vez fazê-la trocar de psicóloga, sem sucesso, pois cada vez que tocava no assunto, ela dizia que a psicóloga estava certa e por isso eu queria que ela deixasse de comparecer as sessões, sendo assim resolvi não interferir por enquanto.
Durante todos esses acontecimentos, a restauração do carro continuava e também começava a apresentar mais problemas como, por exemplo, a falta de uma pessoa para dar continuidade na preparação da carroceria para pintura.
Enquanto esta etapa estava parada, o Baixinho continuava o trabalho das portas, que foram cortadas da altura do friso para baixo e feito tudo novo, na medida do original. Estavam tão podres que somente a estrutura de uma das portas traseiras foi utilizada.
Também tinha que começar a procurar alguém para endireitar a grade dianteira que estava amassada. O próprio Português me indicou um outro funileiro que fazia esse tipo de trabalho em para-choques e metais especiais.
Combinei com esse funileiro por telefone em levar o para-choque para ser endireitado e num sábado de manhã fui até essa funilaria levar as peças. Nessa funilaria estavam em processo de restauração um Impala 1963, um Fordinho da década de 20 e um trator da década de 50, isso sem contar outros carros atuais que também estavam nessa funilaria.

Acima, Chevrolet Impala 1963 (reparem ao lado um Ford 1929 também sendo restaurado) e abaixo, um trator de década de 50 ambos sendo restaurados.



Para deixar a grade alinhada, seria preciso usar solda e depois cromar a mesma, sendo assim, aproveitando que já tinha várias peças na cromação, levei todos os detalhes que faltavam, como as cantoneiras das colunas e os para-choques.
Finalmente o carro estava com toda parte de lataria restaurada, ele foi montado para alinhar as portas e verificar ondulações e novamente desmontado, para a preparação da carroceria para pintura.
Passou-se um mês e do mesmo jeito que o carro estava, continuou, pois a funilaria estava com uma demanda muito grande de caminhões, usados por uma empresa de transporte, a qual precisava de toda mão de obra disponível para um trabalho rápido, mas mesmo assim, eu também estava pagando pela restauração do meu carro e, diga-se de passagem, estava no último mês da dívida, e meu carro pelo que percebi, só estava servindo como suporte para latas e entulhos da oficina.

 Acima a restauração das portas onde foram cortadas todas as partes podres.


 Acima a restauração das portas onde foram cortadas todas as partes podres.

 Acima, o fundo de uma das portas, totalmente podre.

 Acima o fundo de uma das portas já pronta.

Depois de dois meses sem ver nenhuma diferença no carro, fui falar com o Português a respeito do que estava acontecendo e ele mesmo admitiu que o trabalho estava muito corrido e que eles não tinham tempo e nem mão de obra disponível para terminarem meu carro e por isso estava contratando um novo funcionário para trabalhar apenas no meu carro, até que ele ficasse pronto.
Na semana seguinte, Fábio, o novo funcionário, já estava trabalhando no carro e por coincidência ele também era de Rio das Pedras, assim como o pintor chamado Marcelo, que também trabalhava com o Português.
Aproveitei que estava com os novos emblemas e escritas da carroceria do Dodge prontos e conferi se os mesmo se encaixavam perfeitamente nos orifícios originais da carroceria e aproveitei para colocar as borrachas dos vidros dianteiros e traseiros para ver se as colunas não tinham sido alteradas durante o processo de funilaria.
Ambas encaixaram perfeitamente, assim como as letras laterais e dianteiras do capô do Dodge.  Antes de levar a grade dianteira para a cromação, também a coloquei no carro para conferir seu alinhamento e a mesma ficou perfeita, sendo apenas necessário desmontá-la novamente para encaminhar para a cromação. Desse ponto em diante o carro já estava pronto para a montagem para conferir o alinhamento das portas, capô e tampa de porta-malas, para depois ser novamente desmontado para que as peças fossem pintadas separadamente.

Acima e abaixo, momentos em que estava conferindo o alinhamento da grade dianteira antes de deixá-la para a cromação definitiva.

 
Acima, o Dodge totalmente raspado, onde estava testando os novos emblemas como as letras Kingsway Custom da lateral. 
Também havia chegada à hora de fazer o teste das borrachas dos vidros dianteiro e traseiro, (acima e abaixo respectivamente) pois havia mexido nas colunas e as mesmas teriam que se encaixar perfeitamente, tendo as mesmas medidas de antes.


 Acima, nova caixa de rodas pronta.



Acima, finalmente o Dodge totalmente raspado aguardando o preparo para pintura.

Acima, o Dodge sendo preparado para pintura.

 Acima, carroceria com acabamentos finais para pintura.



Mesmo com problema de saúde, o Fábio trabalhava bem e rápido no carro e em menos de duas semanas a carroceria já estava preparada para pintura, com o fundo aplicado e nesse mesmo tempo, o Baixinho terminava alguns detalhes que faltavam nos para-lamas que ficaram um pouco fora da medida em relação ao original e não se encaixavam nas caixas de ar do carro.
Constantemente podia se ver o Baixinho e o Fábio discutindo na oficina do Português, não havia motivo, mas um estava sempre provocando o outro, mas não pense que o ambiente de trabalho era uma verdadeira “guerra” entre os dois, na verdade podia se ver que ambos faziam isso por brincadeira, assim como é muito comum em filmes policiais, existir o policial bom e o policial mal e que por um acaso do destino acabam sendo parceiros e são obrigados a trabalharem juntos. Prova disso é o churrasco que faziam quase todos os sábados, depois de fecharem a oficina.
E por falar em churrasco, essa era outra especialidade do Português, fazer porco no rolete, ele mesmo preparava e fazia os porcos, tanto para um almoço em família como para grandes eventos, ele mesmo construía o forno na medida em que ele achava necessário, tanto que ele possuía uma carreta com três fornos para os grandes eventos, confesso que nunca havia visto nada do tipo.
Já estava chegando à hora de começar a organizar as peças que foram para a cromação, sendo que já estavam quase todas prontas, faltando apenas dois frisos do teto e a grade dianteira que ainda estava na oficina. Depois de levar tudo para casa, fiquei até surpreendido com a quantidade de peças que estava na cromação, tentei até contar quantas peças havia, mas acabei desistindo.


Acima, peças que estavam na cromação e abaixo, peças maiores como para-choques que estavam na oficina onde aguardavam para serem cromadas.
 


O recomeço.

Finalmente estava chegando a tão esperada férias de junho, teria quinze dias de férias do curso de técnico e aproveitaria as noites para ficar junto de minha noiva, que ainda estava em depressão, mas agora, finalmente, o acompanhamento com a psicóloga a estava ajudando, principalmente porque comecei a acompanhá-la nas sessões de sexta à noite e sábados, mas mesmo assim, um ponto que ainda era um problema a ser resolvido era meu carro.
Durante uma das sessões com a psicóloga, cheguei até mesmo a dizer para ela, junto de minha noiva, quais eram minhas intenções para o futuro, como por exemplo, terminar de restaurar o carro, comprar uma casa, casar, ter filhos, etc e também perguntei a ela se alguma vez ela tinha realizado um sonho que parecia ser impossível de realizar e acho que ela tenha compreendido um pouco o que eu estava passando.
Mas quando minha noiva comparecia sozinha as sessões, novamente ela mudava o “discurso” e dizia que geralmente um homem forma uma família para depois realizar seus sonhos de consumo, como casa, carro, entre outras coisas e isso ela frisava com uma frase que é muito conhecida e era um verdadeiro bordão para ela: Dinheiro não traz felicidade.
Oras, nunca soube e ninguém nunca me disse que teria que traçar um cronograma na minha vida para realizar meus sonhos, só o que sabia é que um homem deve plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro e pelo que sei, não tem que ser nessa mesma ordem, também concordo que dinheiro não traz felicidade, mas se tivesse dinheiro, ajudaria muito e também seria a solução de muitos dos meus problemas! 
O mais engraçado é que sempre que escuto essa frase de que "dinheiro não traz felicidade", ela sempre é dita por alguém que tem muito dinheiro, no caso dessa psicóloga, sempre que íamos às sessões, ela mesma nos dizia e nos mostrava fotos, do filho dela que estava na Europa a passeio! 
Aí eu me perguntava: Como será que ele chegou até lá? Será que foi pedindo carona? Será que ele estava tão infeliz assim num lugar desses, com tanto dinheiro? 
Isso sem mencionar que o carro que ficava na garagem da sua clínica era um importado zero quilometro (quanta infelicidade que o dinheiro trouxe, hein!!).
Deixando esses pensamentos de lado, minha preocupação era com minha noiva e com as férias chegando poderia passar mais tempo com ela durante a noite, mesmo tendo que fazer mais algumas horas extras no trabalho, pois teria que fazer o trabalho de uma colega que estava de férias.
Ao mesmo tempo o carro já estava tomando forma novamente, já havia escolhido a cor do teto, que seria pintado de branco gelo e estava indeciso quanto à cor que pintaria a carroceria, já estava decidido que seria vermelho, mas não a tonalidade.
Haviam várias tonalidades de vermelho, vermelho Tornado, vermelho Vitória, entre outras tonalidades, mas escolhi o vermelho Ferrari, pois essa se destacou mais no carro.
Não tem como descrever, como eu estava me sentindo, vendo o carro já quase na pintura, às vezes ficava me lembrando de como havia batalhado para conseguir comprar esse carro, do tempo que levei para encontra um modelo desses e agora que estava escolhendo a cor, me lembrava mais ainda do sonho de ter uma Plymouth 1957 ou 1958.
Como a carroceria era praticamente igual as do modelo da Plymouth de 1957, estava satisfeito com o Dodge e minha intenção era deixar o carro o mais parecido com o Plymouth 1958 usado no filme Christine, mas é claro que a carroceria se diferenciava muito do carro usado no filme, primeiramente por que esse era um Dodge 1957 Kingsway Custom e o modelo do filme era uma Plymouth Belvedere 1958 (embora leia-se na capa do filme que o carro é um Plymouth Fury 1958), outra diferença era que o carro do filme era duas portas sem coluna (coupê ) e o Dodge era quatro portas com colunas, entre outros vários detalhes como os frisos laterais, lanternas traseira e também o para-choque traseiro, que no Dodge era todo trabalhado na parte inferior, enquanto que na Plymouth 1958 era liso com a lanterna de ré localizada bem no centro da peça.

 Acima e abaixo, antes de pintar o carro todo, optei por pintar algumas partes com diferentes tonalidades de vermelho.

 Acima e abaixo, antes de pintar o carro todo, optei por pintar algumas partes com diferentes tonalidades de vermelho.

 Com o tempo, devido ao trabalho, estudo e a atenção mais dedicada à Flávia, os amigos foram se distanciando, alguns perdi completamente o contato, outros como era o caso do José Eliandro (o Zebra) e do Cléber (o Japão), casaram e mudaram de cidade.
O Digão (Alan) e o Zé Ernesto até os via de vez em quando, mas era muito difícil fazermos um encontro com todos os amigos como era feito há anos atrás. 
O Digão eu o encontrava de vez em quando, nos corredores da empresa que eu trabalhei, mas trabalhávamos em setor diferente, sendo muito raro encontrar com ele todos os dias (na época quase 5.000 funcionários), uma vez ou outra nós nos esbarrávamos pelo corredor próximo ao refeitório, mas com a correria de um e de outro era difícil de parar para falar de carros antigos, ele as vazes me perguntava do Dodge, pois já fazia certo tempo que ele não o via rodando pela cidade, mas fora isso, era muito difícil ele aparecer em casa, pois também estava namorando, estudando e trabalhando e nossos horários não coincidiam.
Já o Zé Ernesto, quem diria, ingressou na carreira militar junto de alguns outros amigos nossos e por esse motivo, era muito difícil de encontrá-lo. Só o via, se estivesse de plantão ou com a viatura, isso fora os “bicos” que ele fazia como segurança em farmácias, supermercados e algumas empresas da cidade. Na verdade, embora ninguém nunca tenha me falado nada, acredito que todos os amigos haviam percebido que minha noiva estava em depressão profunda e por esse motivo resolveram se distanciar para nos dar um tempo, apenas para nós dois acertarmos nossas vidas. Mas também, eu quase não ficava em casa, devido a trabalho, ao curso técnico, a restauração do carro serem em outra cidade e ao noivado.
Na semana que antecedia as férias, o Fábio já havia terminado de preparar a carroceria, as portas, o capô e a tampa do porta-malas, sendo que o carro já havia sido encaminhado para pintura do teto.
O Fábio disse que nunca tinha preparado um carro tão grande e trabalhoso como esse, ele trabalhava mesmo com problemas ortopédicos e acredito que foi ele quem trabalhou mais horas direto no carro. O Baixinho também trabalhou muito nesse carro, mas devido a sua perfeição e detalhismo, sempre era retirado do meu carro e colocado em outro, com isso muitos carros foram passados na frente do meu, e não foi somente carro usado para trabalho não, foram passados carros como Fusca, uma Bandeirantes entre outros, mas como já disse anteriormente, não posso reclamar disso, pois quando precisei, o Português me ajudou passando o VW Gol do meu pai na frente de outros carros também.
Também era chegada à hora de buscar o tanque de combustível feito em aço inox que havia encomendado para o Sidney, que já estava pronto. No sábado de manhã, quando cheguei à empresa do Sidney, sua Veraneio estava estacionada ao lado da empresa, fiquei muito feliz por ter visto ela depois de pronta. Ele a restaurou do jeito que ele quis e ficou muito bom, a frente que foi usada era da Chevrolet Silverado, entre muitos outros detalhes, na minha opinião, ficou “show”.

 Acima e abaixo, a Chevrolet Veraneio do Sidney depois de pronta.


Quando entrei na empresa para buscar o novo tanque, me deparei com uma pick-up Ford F1 ano 1951 com um belo jogo de rodas e mecânica modificada com um motor a diesel, o Sidney a funcionou para ver o estado do motor e pelo ronco parecia um caminhão, ela estava na empresa para fazer novos para-choques.
Provavelmente essa Ford 1951 se transformaria um magnífico Hot Rod, o que me fez lembrar dos encontros de carros antigos que costumava frequentar em Piracicaba - SP.


 Acima e abaixo, fotos da Pick-up F1 1951 sendo restaurada.


 Ali seriam feitos os novos para-choques em aço inox.


Depois que o carro foi para a restauração, nunca mais fui aos encontros que eram promovidos pelo clube aos domingos, muita coisa mudou desde que parei de frequentar, outro presidente do clube foi eleito e algumas regras mudaram, mas a principal motivação pela qual deixei de participar foi o preconceito com os carros modificados e os nacionais.
Já havia comentado sobre esse assunto antes e não quero criar nenhum tipo de polêmica, mas quando percebi que muitos sócios do clube começaram a menosprezar os carros nacionais e os Hot Rod’s durante os eventos, achei melhor parar de frequentá-los e também não fui o único, tinha alguns amigos que também pararam de frequentar os encontros por se sentirem descriminados também.
O proprietário do “velho” Ford 1929 com motor e mecânica de Dodge nacional que conheci em Rio das Pedras - SP quando ainda era adolescente e depois de um tempo havia me convidado para participar dos encontros com o Impala 1968, também não frequentava mais os encontros.
Vi várias vezes ele rodando com seu carro pela cidade, mas nunca mais o vi em nenhum encontro dos que eram promovidos durante os domingos (mensais) ou os realizados nos sábados (semanais), nem mesmo em encontros fora da cidade.
Eu parei de participar, pouco depois dele, mas antes, pude presenciar muitos outros que também deixaram de participar. Só para se ter uma ideia da dimensão que eram esses encontros aos sábados, haviam mais ou menos uns 20 ou 25 carros por sábado, depois esse número foi caindo gradativamente, até que alguns sócios começaram a participar do encontro com carros importados, mas todos novos, até parecia um encontro de marcas importadas atuais e não de carros antigos. Lembro-me de um sábado em que fomos o Cléber e eu, ao encontro semanal com o Dodge 1957 e depois de muito esperar, apareceu apenas um senhor com uma Willis Rural e mais ninguém, até achamos que o clube havia mudado de lugar e ninguém havia nos avisado, mas na verdade o que aconteceu foi que aos poucos, as pessoas foram deixando de participar.
Voltando ao assunto, o tanque de combustível do Dodge já estava pronto e limpo, com um pedaço de estopa fechando as aberturas que seriam usadas para a bomba de combustível e a que dava acesso à boca do tanque.
As cintas metálicas que também foram feitas novas, também já estavam prontas e furadas conforme a medida da original.
Confio muito no trabalho do Sidney, ele já tinha feito um tanque também em aço inox para o meu antigo Impala 1968, e mesmo não tendo bomba elétrica de combustível, nunca me deu nenhum trabalho, o marcador de combustível sempre marcava a quantia exata de combustível que havia no tanque, pois ele foi feito com divisórias dentro (quebra ondas), que evitava o balanço do combustível de um lado para o outro, muito comum em carros antigos, evitando assim que o ponteiro de combustível ficasse variando do cheio para o vazio quando o carro parava.
Levei o novo tanque para a oficina do Português e no caminho fui pensando no tempo que levou para fazer o Sidney terminar a sua Veraneio, pois lembro que o funileiro que a fez, só poderia fazer meu carro depois que terminasse a Veraneio dele e agora o Dodge já estava quase na pintura. Para minha surpresa, na sexta à noite o Marcelo havia trabalhado até mais tarde no carro e já havia pintado o teto na cor branca, quando chegamos na oficina o carro ainda estava na estufa, com os papéis de proteção colocados nos lugares dos vidros. 
Havia ficado impressionante a pintura do teto, brilhava muito e o Marcelo ainda precisava dar um acabamento e polimento na pintura, aos poucos o carro estava tomando forma novamente.

Acima e abaixo, o carro com o teto já pintado de branco (ao fundo da primeira foto, meu pai observando o serviço realizado).
 
  
Outro item que também já estava em andamento eram as rodas traseiras que estavam sendo alargadas e precisava de um pneu na medida 215x60x14 usado, pois era apenas para teste, não poderia pagar por um pneu novo sem ter a certeza de que iria usá-lo, caso ficasse muito largo e pegasse na lateral da carroceria.
A solução foi num sábado de manhã, meu pai e eu rodarmos por várias borracharias da cidade procurando por um pneu nessa medida.
Mas assim que estávamos descendo a rua de casa, encontramos com o Cléber que estava na casa da sua mãe fazendo uma visita e o convidamos se ele queria vir junto e o mesmo topou na hora.
Como já disse, rodando por oficinas e afins, sempre encontramos carros antigos, nesse caso a primeira dica sobre onde encontrar esse tipo de pneu foi uma revendedora que fazia troca de pneus, balanceamento e alinhamento. Nessa revendedora estava parado uma pick-up Chevrolet Brasil 1963 e outra Chevrolet 1941 transformada em street rod com mecânica de Opala e pintada de laranja. Além dessas duas pick-ups estava também um conhecido nosso, o Tito, irmão do Glauco que fez a suspensão do Dodge. Além dele também encontramos um senhor conhecido do meu pai, que por acaso era o dono da bela pick-up Chevrolet 1941.

 Acima e abaixo, Pick-up Chevrolet Brasil 1963 original que estava para venda.

  
Abaixo, Chevrolet 1941 transformada em Street Rod com mecânica de Opala sendo observada pelo meu pai junto do Cléber.



Ele nos contou a história dessa pick-up Chevrolet 1941, que originalmente era um caminhão abandonado e foi transformado em pick-up por ele, ainda estava em processo de montagem e a grade dianteira estava na mesma empresa de cromação onde estavam os frisos do meu carro.
Depois de muita conversa sobre carros e pick-up, fomos atrás de outra dica dada por ele para encontrarmos o pneu e finalmente encontramos! Havia uma borracharia na rodovia que sai de Piracicaba para Rio das Pedras e só tinha um pneu nessa medida. Contamos a razão de estar procurando esse pneu e o dono da borracharia nos emprestou “numa boa”, até porque o pneu parecia pneu de carro de fórmula 1, não tinha nenhum risco, já estava quase na armação. 
Passamos na oficina do Zé da roda, onde já havia deixado uma roda do Dodge.
Levamos o pneu para teste juntamente com a roda já alargada pelo experiente “Zé da roda”, que também já havia feito um trabalho nas rodas do meu antigo Impala.
Quando chegamos na oficina do Português, o carro ainda estava na estufa, como já havia sido pintado o teto, fiquei até apreensivo em fazer o teste com o pneu, mas o Marcelo que estava nos acompanhando disse que não havia problema, pois a tinta já estava seca e também teria que dar acabamento na pintura.
Experimentamos a roda com o pneu e este serviu perfeitamente em ambos os lados, depois foi só devolver o pneu para o proprietário da borracharia. Iria aguardar um tempo para levar a roda de estepe para o “Zé da roda” fazer a mesma coisa com ela, pois também teria que encontrar novos pneus na nova medida para comprar.

 Nova roda com tala mais larga sendo testada.


O para-brisa que havia encomendado para a empresa de São Paulo há muito tempo já estava pronto, ele foi entregue para o Paulinho da vidraçaria e ficou na sua loja durante um tempo, pois estava em uma caixa de madeira e não havia quase espaço para deixá-lo na oficina do Português. Já o vidro traseiro, estava guardado junto aos bancos e outras peças que havia deixado numa espécie de sótão que havia na oficina do Português. Quase todos os sábados, tinha que subir nesse sótão para levar ou buscar algumas peças e ferramentas e aproveitava para verificar o estado dos itens que lá estavam, que, mesmo bem guardados, já estavam impregnados de poeira.
Com tantos problemas relacionados à depressão da minha noiva e ao projeto de conclusão do curso de técnico, somados a correria no trabalho, o andamento da restauração do carro parecia ser o fato que mais me alegrava, era a única coisa da qual eu não estava sendo pressionado a fazer, Fazia com calma e conforme permitia o orçamento mensal.
Mas isso estava para mudar, pois meu pai teve a ideia de querer terminar o carro até o mês de dezembro de 2005 para podermos ir para a praia com ele.
Já era uma tradição na família, todo final de ano, viajarmos todos juntos para o litoral, precisamente na cidade de Peruíbe - SP, juntamente com mais duas ou três famílias, todos juntos.
Quando fazíamos isso, geralmente alugávamos uma Van para as famílias e apenas minha família ia com o carro, para algum caso de emergência, mas esse ano, não iríamos alugar a Van, devido à dificuldade de encontrar um motorista no final de ano e ao preço cobrado, pois nós saímos sempre na véspera de Natal. Qual motorista deixaria de passar o Natal com sua família para passar na estrada? Só aquele que ganhasse bem para isso e o valor cobrado por pessoa nesse ano, era quase o dobro do ano passado, sendo assim, iríamos todos de carro, inclusive com uma família a mais nesse ano.
Por isso meu pai resolveu que para não ficar com cinco ocupantes em cada carro, seria melhor descer para a praia com o Dodge, assim, caberiam mais coisas no porta-malas e meus avós poderiam ir comigo, já que o Dodge é bem mais espaçoso do que um carro comum. Também concordei com a ideia, pois seria o máximo curtir uma praia com um carro daqueles, ainda mais "novinho", ou seja, recém restaurado, mas uma coisa me incomodava! Será que minha noiva aceitaria ir para a praia com esse carro?
Assim tivemos que “apertar o passo” na restauração e também o orçamento, pois mesmo depois da carroceria terminada, ainda estava faltando às montagens dos vidros, detalhes, elétrica e os pneus novos, entre outros detalhes.
Na quarta feira à noite, quando cheguei em casa, meu pai me pediu a máquina fotográfica emprestada, me dizendo que iria fotografar o Dodge como estava, totalmente preparado para pintura, pois todas as fotos que foram tiradas durante a restauração, foram feitas por mim, mas ele me disse que o carro tinha ficado totalmente pronto para a pintura na quarta à tarde e que ele gostaria de fotografá-lo assim, antes que ele fosse para a pintura, pois eu não poderia fazer isso durante a semana, já que, ainda não estava de férias do curso.
Sendo assim ele levou a máquina na quinta-feira e quando cheguei em casa à noite, ele me pediu para passar as fotos para o computador, para saber se ele tinha fotografado bem.
Depois de passar as fotos no computador, tive uma excelente surpresa, o carro já havia sido pintado. Estava pronto para polir, com todos os detalhes como painel e outras peças já pintadas também e guardados dentro do porta-malas.
Não tenho como descrever qual a sensação de ver um sonho quase realizado, finalmente estava se tornando real a imagem que tinha visto há anos atrás, quando fui buscá-lo em Ourinhos, SP, abandonado naquele barracão junto de outros carros. Nesse momento tomei a decisão de que iria terminar esse carro, precisava disso, precisava provar para eu mesmo que era capaz, mesmo passando por todos os problemas que estavam acontecendo, tinha que mostrar que seria capaz de superar os obstáculos que tinham aparecidos e os que ainda apareceriam até o termino da restauração.

 Mesmo com o carro já pintado, ainda faltavam alguns detalhes por fazer.


A recaída.

Com o carro pintado, estava na hora de começar a reagrupar as peças que estavam em casa, mais as que estavam na oficina do Português e outras que estavam espalhadas pela cidade. Também estava na hora de limpar e colocar o tanque de combustível no lugar e comprar uma bomba de gasolina para ele, pois essa seria elétrica e iria dentro do tanque, idêntica a usada nas Chevrolet Blazer. 
Um novo problema apareceu na hora de colocar o tanque de combustível, a bomba de gasolina era grande demais e batia no fundo do tanque, pois a mesma era colocada em pé. O jeito foi levar o tanque de volta para o Sidney e refazer o bocal um pouco maior, com isso, tivemos que abrir um buraco no portas-mala e a saída da bomba ficou coberta por uma caixa metálica, sendo mais fácil de manipular quando necessário, por exemplo, para trocar a bóia e outros trabalhos do gênero dentro do tanque de combustível.
O tempo estava passando, mais rápido do que esperava, já começava a pensar na questão da praia, estava começando o mês de julho e ainda havia muito a ser feito no carro, pois apesar de estar pintado, ele estava completamente desmontado.
Depois de ser retirado da estufa, ele foi levado para outro lado da oficina, um lado no qual ele ficava um tanto escondido dos curiosos, que até então, mais atrapalhavam do que ajudavam na restauração.

Ali foram retiradas todas as rodas para serem levadas ao “Zé da roda”, o qual já estava com a roda traseira que foi alargada e iria alargar a do estepe e pintar todas as outras da mesma cor. Junto foram os dois novos pneus que já havia comprado. Sem as rodas, o carro foi retirado do chassi para troca dos coxins e pintura do mesmo na cor preta, aproveite para trocar os flexíveis dos freios também.

 O carro sem as rodas e pronto para ser retirado do chassi.


No meu trabalho, durante o ano, acabei acumulando horas extras suficiente para ficar uma semana em casa e essa semana coincidia com as férias do curso, o que seria perfeito para montar os detalhes do carro e deixá-lo o mais adiantado possível.
Mas sabia que se passasse à semana toda trabalhando no carro, isso seria motivo de discussão com minha noiva, pois iria novamente começar a falar que passava mais tempo com o carro do que com ela e todo aquele papo de que preferia ficar com o carro ao invés de ficar com ela e etc. 
Sendo assim, decidi que iria trabalhar no carro na segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, ficando em casa com ela no domingo, na terça-feira, na quinta-feira, no sábado e novamente no domingo, o dia todo.
No sábado a tarde, estava na casa da minha avó, e comentei com ela que iria trabalhar na montagem do carro durante uns dias e meus primos que também estavam por lá, ouviram a conversa e também se ofereceram para me ajudar nessa semana, sendo assim, ficou combinado que segunda-feira, às sete horas da manhã sairíamos de casa para ficar o dia todo na oficina montando o carro.
Essa era minha última semana de férias do curso de técnico e também era a semana do meu aniversário, que seria na quinta-feira, esse dia tinha reservado para ficar o dia todo junto a minha noiva, mas as coisas começaram mal já na segunda feira.
Sete horas da manhã, os meus primos Diego, Danilo e Fernando já estavam me esperando em frente de casa, para irmos até a oficina, mas quando liguei o carro do meu pai, um Gol, para sair da garagem, ele fez um barulho diferente no motor, parecia que estava batendo algo dentro do motor (nessa hora me lembrei daquela batida no motor V8 do Dodge, a qual acabou quebrando um pistão).
Meus primos até estranharam esse barulho, parecia até batida de válvulas, mas o carro estava com a revisão em dia, só não me lembrava de quando havia sido feita, sua última troca de óleo.
Para poder chegar até Piracicaba tranquilo, resolvi para num posto de gasolina e colocar meio litro de óleo, quando coloquei o óleo no motor foi como se retirasse à batida automaticamente, o motor voltou a funcionar normalmente, mas mesmo assim fiquei com o restante do óleo para uma eventual necessidade.
Quando chegamos na oficina do Português, ela ainda estava fechada, então fomos admirar uma pick-up Ford 1969 que estava estacionada numa tapeçaria que havia no final da rua, fomos até lá e ficamos observando os seus detalhes, até a oficina abrir.
Depois de aberta, entrei com o Gol até onde estava o Dodge, pois não sairia dali o dia todo, mesmo assim, depois de descarregar todas as ferramentas que havia trazido, achei melhor mudar o carro de lugar, colocando-o do outro lado da rua, pois ele estava atrapalhando a movimentação de outros carros dentro da oficina.
Algumas semanas antes refiz na medida original, todos os parafusos que prendiam com suportes os frisos, faltando apenas fazer um ponto de solda em cada um, todos de aço inoxidável para não ter risco de corrosão.
Dividimos as etapas da montagem em três fazes, um para cada dia da semana que íamos trabalhar no carro. Primeiramente montaríamos as peças grandes como capô e tampa do porta-malas, juntamente com os frisos e detalhes da carroceria, depois passaríamos para o teto do carro, pois esse teria que ser feito uma nova furação para os frisos e por fim os para-choque e grade dianteira, sendo que os para-choques traseiros teriam que ser montados, formando uma só peça, pois foram separados durante a cromação.
Parecia ser fácil, mas depois que começamos, percebemos que os parafusos feitos para se encaixar nos frisos foram feitos seguindo a medida de um único friso, mas nem todos os frisos tinham a mesma medida, alguns eram mais largos e outros mais finos.
A solução foi fazer novos parafusos na medida exata de cada friso, e para isso dependíamos do equipamento da oficina do Português. Meu primo Fernando e eu levamos quase toda a manhã fazendo esse trabalho, pois a oficina estava trabalhando normalmente e os funcionários também dependiam dessas ferramentas para trabalharem. Enquanto o Danilo e o Diego montavam os frisos que estavam com os parafusos prontos, eu cortava as chapas de aço na guilhotina, fazia os furos com a furadeira de bancada e o Fernando fazia o acabamento das peças, deixando as mesmas na medida certa do friso correspondente e as soldava nos parafusos.


Meu primo Fernando (de camisa e boné azul) e eu (camisa e boné branco), fazendo novas peças para o carro. Desde pequenos parafusos para prenderem os frisos até partes inteiras para serem usadas no carro.


Não tínhamos levado almoço, pois pensei em comer um lanche por ali mesmo, mas no período da manhã recebi uma ligação da minha noiva, chorando no telefone, dizendo que havia brigado com sua irmã mais nova. Com isso fiquei preocupado e perdi a fome, depois que a oficina fechou para almoço, meus primos comeram apenas alguns biscoitos que haviam levado, o Marcelo e o Fábio também almoçaram por ali mesmo. Não queria parar para descansar, pois estava com o trabalho atrasado e se continuasse nesse ritmo, teria que vir trabalhar no carro no sábado também ou não conseguiria terminar a tempo de testá-lo para ir para praia.
Meus primos também descansaram durante aproximadamente meia hora e também voltaram para a montagem dos frisos laterais, pois estava mais complicado do que pensávamos. Não era somente colocar e apertar os parafusos dos frisos, tínhamos que alinhá-los e depois apertá-los, isso sem riscar a pintura do carro e para “ajudar” mais ainda, minha mão (que é um pouco grande), ora não cabia no espaço existente para apertar os parafusos, ora não chegava até onde o parafuso estava, tendo quase que ser um contorcionista para colocar o braço dentro da porta, colocar a arruela, fazer a porca pegar rosca e finalmente tentar apertar o parafuso.

No período da tarde, pensava em trabalhar no carro até aproximadamente às dezessete horas, havia perguntado aos meus primos se havia algum problema para eles, afinal eles também estavam cansados, mas todos concordaram, pelo menos essa era minha intenção até receber a segunda ligação da minha noiva, chorando muito e pedindo para que fosse embora para ficar com ela, pois havia novamente discutido com sua irmã mais nova.


O carro no início da montagem dos detalhes, já colocado de volta no chassi e com o novo tanque de combustível pronto.
Até meu pai apareceu por lá para conferir o andamento do trabalho.



Não pensei duas vezes, guardamos as ferramentas e fomos para casa, sem que eu falasse nada para meus primos, pois tinha vergonha de dizer o que estava acontecendo, apenas disse que era melhor irmos embora, pois estávamos todos cansados e com fome.
O mais engraçado (ou trágico, que seja), era que, quando estava longe da minha noiva, ela me ligava dizendo que sentia saudades e que queria estar perto de mim e quando estava com ela, depois de alguns minutos juntos começávamos a discutir por bobagens, que devido a sua depressão, acabava sempre agravando mais ainda seu estado emocional.
Para deixá-la ainda mais abalada, sua irmã mais nova havia marcado seu casamento para o final daquele ano, depois de três anos de namoro. Isso para minha noiva era o fim do mundo, pois como poderia aceitar uma situação dessas, ela que já estava namorando há seis anos e noivando a dois, nem se quer tinha marcado a data do casamento e sua irmã apenas com três anos de namoro, já iria se casar. Para ela isso era a maior prova de amor que alguém poderia fazer para sua namorada ou noiva.
Sempre disse a minha noiva, que não devemos ficar comparando a vida das outras pessoas, pois cada pessoa é diferente uma da outra, tem pensamentos diferentes, criações diferentes, acreditam em coisas diferentes e tem modos de agir diferente, sendo assim, não podíamos comparar a vida da sua irmã e do namorado com a nossa, pois também éramos diferentes. Sabia que a cada dia que se aproximasse o casamento de sua irmã, sua depressão aumentaria, pois ela ficaria cada vez mais pensando em casamento.
Falei muito com ela sobre esse assunto, mas as pessoas com quadro de depressão quase não assimilam a realidade à volta, pelo menos ela estava assim nesse período e para atrapalhar mais ainda, havia a psicóloga que embaralhava ainda mais seus pensamentos, todas as sexta feiras, eu a acompanhava nas sessões da psicóloga e quando estava junto dela, o discurso da psicóloga mudava completamente. Já havia percebido há muito tempo que a intenção dessa psicóloga era de torná-la cada vez mais dependente de seus conselhos.
No dia seguinte, já havia combinado com meus primos que não iríamos à oficina, pois iria tirar o dia para ficar com minha noiva. Antes tivesse mudado de idéia, pois fui buscar minha noiva em sua casa cedo e desde que ela colocou os pés em casa, começou a discutir e nem preciso dizer sobre o que, preciso? Novamente o carro, e sempre o mesmo enredo, se não tivesse gastado tanto com isso, se não tivesse comprado aquilo, se, se, se! tudo agora era “se”.
Tentava não discutir, mas ela conseguia me tirar do sério, pois quem mais a ajudava financeiramente era eu, sendo assim, como ela podia me dizer que eu só gastava dinheiro com carro, mesmo sabendo de toda ajuda que havia dado a ela até então.
Tinha que me controlar, tentar me conter, pois, ao invés de passar um dia tranqüilo ao lado dela, passamos o dia todo discutindo (isso com a minha mãe em casa, ouvindo tudo) e somente na hora de ir embora para sua casa foi que ela melhorou seu humor.
Quando liguei o carro para levá-la embora, percebi que aquele barulho que o motor havia feito um dia antes, havia retornado, novamente, era como uma batida de válvulas, mas desta vez mais acentuada.
Novamente coloquei um pouco do óleo que restou do dia anterior e o barulho parou, pelo menos até chegar na casa dela, depois de me despedir dela, liguei o carro e novamente o barulho apareceu, bem menor que o inicial e junto acendeu numa luz vermelha no painel indicadora de nível de óleo.
Chegando em casa comentei com meu pai o que estava acontecendo com o carro e resolvemos deixá-lo na concessionária no dia seguinte, para uma avaliação de um mecânico, pensando que isso seria rápido.
Na manhã do dia seguinte, o sol não apareceu, ficou encoberto por nuvens, numa manhã cinzenta e fria, muito convidativa a voltar para a cama, mas mesmo assim fomos todos novamente para Piracicaba, achando que iríamos fazer uma breve parada na concessionária, mas depois de dizer o que estava acontecendo, tive uma surpresa, o carro teria que ficar até à tarde para revisão geral do motor.
Com isso fomos obrigados a pegar uma carona para chegar até a oficina do Português, por sorte encontramos uma rápida e chegamos até mais cedo do que esperávamos. Mas ao contrário do primeiro dia, a oficina já estava aberta e sendo assim, já começamos o dia, colocamos as rodas que haviam chegado, já pintadas e com os novos pneus traseiros mais largos.
O clima me fazia cada vez mais querer voltar para casa, deitar e descansar, descansar de tudo, meditar ouvindo somente o zumbido do vento frio daquela manhã.
Mesmo desanimado, esperava conseguir adiantar bem a montagem do carro nesse dia, pois não teria mesmo como ir embora, não poderia, pois estava sem o carro e não tinha como saber a que horas ele ficaria pronto.
Apesar da montagem ir “de vento em poupa”, esse foi um dos piores dias da minha vida em relação ao tempo que estava com minha noiva, mal havia chegado na oficina e meu celular tocou, ela estava novamente chorando, dizendo que havia brigado com sua mãe, tentei acalmá-la, mas sem sucesso e mesmo assim ela desligou o telefone na “minha cara”.
Somente durante o período da manhã ela me ligou umas sete ou oito vezes, isso sem falar das mensagens que ela enviava no meu celular, do tipo dizendo que se não voltasse até a hora do almoço, estaria tudo terminado entre nós.
Confesso que a cada vez que ouvia o telefone tocar, ficava até “suando frio” e cheguei até ao ponto de ir atendê-lo no banheiro da oficina, para que meus primos não percebessem, mas (embora nunca tenha perguntado) acredito que o Fernando sem querer, acabou ouvindo uma ou outra discussão.
Não sei se meus primos Diego e o Danilo também ouviram a discussão, mas mesmo se ouviram, não falaram nada, continuaram trabalhando no carro como se nada tivesse acontecido. Para não demonstrar como estava cansado e chateado, continuei trabalhando normalmente no carro, mas minha cabeça só se preocupava com a minha noiva.
Não conseguia imaginar o que estava acontecendo na casa dela, ela só sabia chorar dizendo que, hora tinha brigado com sua mãe, hora tinha brigado com sua irmã mais nova, etc. Sabia que ambas não tratavam ela mal, mais também sabia que era difícil de ficar junto dela no estado em que ela estava, parecia até que ninguém podia dizer não a ela. Ela não suportava ser contrariada, por outro lado, ela sempre me disse (mesmo muito antes de entrar em depressão) que ela não podia fazer quase nada do que ela gostava quando estava em casa, pois se ela queria assistir televisão, sua irmã mais nova queria ouvir rádio e ligava o mesmo num volume altíssimo, quando ela desligava a televisão para ouvir a musica, sua irmã desligava o rádio e ligava novamente a televisão num canal em que ela queria assistir e ninguém podia mudar de canal. E isso era só um exemplo do que ela me dizia do que acontecia na sua casa, até onde isso é verdade eu não sei, pois ela não estava em suas sanidades mentais normais.
Quando chegou à hora do almoço, a oficina fechou e novamente ficamos, meus primos, o Marcelo e eu dentro da oficina, novamente estava sem fome, preocupado e ansioso, pois não sabia como minha noiva estava em sua casa, só sabia que ela havia discutido com sua mãe, que era a pessoa que mais a apoiava dentro da sua casa e eu não sabia nem se quer o motivo da discussão.
Parecia que havia um buraco se abrindo dentro do meu estômago, contava as horas para que o Gol ficasse pronto e pudesse ir embora para casa, toda essa situação já estava ficando insuportável, eu não agüentava mais essas discussões, ameaças e outras coisas que estava ouvindo, estava perdendo a alegria de fazer o que mais gostava, a cada quinze minutos, recebia uma mensagem no celular, dizendo que eu gostava mais de ficar mexendo no carro do que ao lado dela, que preferia gastar dinheiro com o carro ao invés de gastar com ela entre muitos palavrões que me foram enviados via celular e que acho que não convém escrever.
Estava realmente começando a pensar que gostava mais de ficar trabalhando no carro do que ficar discutindo com ela em casa, não que não a amasse, se ela não estivesse com depressão, talvez nem estivesse trabalhando no carro nesta semana, talvez estivesse descansando no clube de campo ao lado dela ou estivesse curtindo uma caminhada em alguma cidade turística ao seu lado, mas sabia que qualquer coisa que propusesse a ela de fazer, seria logo rejeitada, pois a única coisa que ela queria no momento era ficar sozinha. Eu nunca consegui entender isso direito, como pode uma pessoa pedir para você ficar ao lado dela quando ela está sozinha e quando você está ao lado dela, ela te pede para ficar sozinha! Alguém consegue entender isso?
Após meus primos comerem alguma coisa, voltamos ao trabalho, como não poderíamos ir embora enquanto o Gol não ficasse pronto, resolvi mergulhar de cabeça no trabalho e para não ser mais interrompido, resolvi desligar o celular.
No período da tarde, o sol resolveu aparecer, mas mesmo assim o vento frio que fazia questão de entrar pela parte de traz da oficina, que era descoberta, só me fazia pensar em estar abraçado com minha noiva, para ambos nos aquecermos nesta tarde fria, estava usando somente uma velha e fina camisa que usava apenas para trabalhar no carro, mas que para aquecer, não ajudava muito. A cada minuto que passava, ficava mais preocupado com minha noiva.
Mas sabia que se estivesse em casa com ela, provavelmente estaríamos discutindo ao invés de estarmos juntos aproveitando o dia, sendo assim, teria que me concentrar no trabalho. Furei o teto do carro seguindo exatamente as marcas que haviam nos frisos e para não danificar a pintura, coloquei uma fita adesiva antes de furar a lata, assim não corria risco de riscar a pintura e nem de estragar o teto, furando no local errado. 
O radiador do ar condicionado que foi adaptado na dianteira do radiador original estava solto e não conseguimos encontrar o suporte que o prendia, como não sabia como era esse suporte (na verdade nem sei se havia algum suporte segurando o radiador ou se este estava simplesmente soldado na lata do carro) tive que desenvolver um novo suporte para ele a partir de uma barra de aço, furada na medida certa entre a capa do radiador e as suas colméias. Tive que tomar cuidado antes de furar a capa do radiador, pois um pequeno erro de cálculo e teria que retirar o radiador e mandá-lo para soldar ou nos piores casos, teria que comprar um novo, pois acabaria danificando o mesmo. Mas depois de pronto, ficou até parecendo que já fazia parte do carro, aproveitei um “fundo de lata” de tinta preta para pintá-lo, deixando-o na mesma cor do radiador.

 Cuidado redobrado para furar o teto do carro para colocação do friso.

Acima, barra de aço sendo furada e depois de pintada, abaixo, a mesma já colocada no radiador do ar condicionado, ficou quase que imperceptível.


Outro problema foi à colocação do tanque de combustível, Pois a entrada de combustível estava num ângulo errado e foi preciso uma alavanca de ferro de quase dois metros para corrigir esse ângulo, mesmo assim ainda não colocamos o tanque neste dia, pois depois que ele voltou para a oficina do Português, ele ficou totalmente aberto, entrando sujeira e muito pó dentro dele, assim deixaria para lavá-lo e colocá-lo no sábado.
Minha intenção inicial era de não trabalhar no sábado, mas devido às atuais circunstâncias, mudei de idéia e ficaria apenas na parte da manhã, iria embora antes do almoço, pois assim não teria mais motivos para discussões.
Já era quase dezessete horas e nada do Gol ficar pronto, quando o Português estava quase fechando a oficina, um empregado da concessionária apareceu com o Gol. O problema era apenas o óleo que estava com a data de validade vencida, mas mesmo assim, o empregado da concessionária me explicou que tiveram de averiguar se a bomba de óleo estava funcionando bem, entre outras coisas.

Acima e abaixo, etapas da montagem da parte traseira e lateral do Dodge.


Acima e abaixo, etapas da montagem da lateral e da dianteira do Dodge.


Nesse dia fomos todos embora cansados, eu nem sabia o que me esperava, pois havia ligado o celular na pista e vi que havia várias chamadas perdidas na memória, Esperava apenas chegar em casa algum dia e encontrar minha noiva feliz, alegre e sorridente e ao invés disso encontrava uma pessoa que não tinha animo nem para sair da cama.
Lembrei-me quando estava a caminho de casa, as palavras que ela havia dito para á psicóloga algumas semanas atrás, que ela não sentia mais nada quando eu a abraçava e nem quando eu a beijava, isso quase me matou, ela não teve coragem de me dizer isso, teve que esperar estar do lado de uma pessoa completamente estranha para poder se abrir e dizer realmente o que sentia. Depois disso, vivemos durante quatro meses como dois irmãos que já não se suportavam mais, mas mesmo assim, acreditava que ali, dentro daqueles grandes olhos castanhos que me olhavam com um certo ar de fúria, ainda estava aquela menina doce e alegre que havia conhecido e isso me motivava a não desistir de ajudá-la e também de reconquistá-la.
O final daquela tarde estava cinzento, com um leve chuvisqueiro, que junto ao vento frio que fazia questão de aumentar gradativamente com o por do sol, só me dava mais vontade de chegar em casa e me deitar para descansar, no caminho de volta estava tocando no rádio do Gol uma música do Akon chamada Lonely, que me deixava ainda mais desanimado em relação a minha noiva.
Quando cheguei em casa, após deixar meus primos na casa da minha avó, fui tomar um banho para jantar, minha noiva já estava na minha casa, deitada como sempre no meu quarto. Já estava esperando que ela fizesse um escândalo pela hora que havia chegado, mas não dei brecha para começar a discussão, já entrei no quarto explicando o que havia lhe dito durante toda a manhã, que o carro havia quebrado e não tinha como voltar para casa.
Foi em vão, ela já veio me atacando com ofensas, me dizendo que se realmente quisesse, poderia voltar de ônibus e quando o carro estivesse pronto, voltaria de ônibus para buscá-lo entre muitas outras coisas, totalmente sem noção.
Então não aguentei, soltei tudo o que estava “entalado” na garganta. De que adiantaria voltar de ônibus se ficaríamos o dia todo discutindo, se a minha presença a incomodava, se ela não sentia mais nada por mim, se ela preferia ficar o dia todo deitada na cama, sem vontade de sequer comer alguma coisa. Sinceramente explodi e foi uma sensação muito boa, parece que havia retirado um peso das costas, ela ficou paralisada me olhando, assustada e sem reação, até que começou a chorar e pela primeira vez em muitos meses, vi novamente aquela menina doce e gentil que havia conhecido, me olhando com os olhos cheios de lágrima, me abraçando com força e me pedindo ajuda para sair dessa depressão, pois ela mesma já não aguentava mais ver as pessoas sofrerem por sua culpa.
Ela chegou até a se ajoelhar no chão, chorando e pedindo pelo amor de Deus, para retirá-la daquela casa, pois não aguentava mais ficar discutindo com sua mãe e sua irmã, que toda hora ficava “jogando em sua cara” que iria se casar e ela não.
Nesse momento, ela estava ciente da sua situação, parecia estar “lúcida”, e isso me fez lembrar do que um paciente me disse uma vez, quando eu estava fazendo estágio num hospital psiquiátrico.
Durante nosso estágio, tínhamos de interagir com os pacientes e numa conversa com um paciente depressivo (já recuperado da depressão), ele me disse que a sensação da pessoa depressiva é como se ela estivesse dividida em duas pessoas, e uma delas estivesse presa em uma cela, dentro de si mesma, onde ninguém consegue ouvi-la gritar para pedir ajuda, mas essa mesma pessoa consegue ver o seu “outro lado” a “outra pessoa” fora dessa cela, um lado que ela não conhecia, uma espécie de lado mau, que faz coisas que ela mesma nunca teria coragem de fazer e mesmo ela sabendo que, o que está fazendo é errado, ela está presa dentro dessa cela e não consegue impedir seu “outro lado” de fazer qualquer coisa, por mais que queira.
Complicado? Acho que nem tanto, por isso sabia que valia a pena lutar para ajudar esse lado que estava preso pela depressão a se soltar e voltar, mas se ela queria realmente ajuda, agora, teria que ser do meu jeito!
Estava cansado de brigas e discussões e o pior de tudo é que isso sempre acontecia na maioria das vezes na minha casa, na presença do meu pai e da minha mãe. Mas ambos nunca me disseram nada, embora brigássemos e discutíssemos dentro do meu quarto, era possível ouvir claramente a discussão. Certa vez, meu pai que também trabalhava num ambulatório de uma usina não querendo interferir, me propôs de mudar de psicóloga, acredito que até ele estava percebendo que essa psicóloga, queria torná-la dependente, pois essas consultas seriam pagas particulares. Já que ela estava finalmente pedindo minha ajuda, estava totalmente disposto a ajudá-la, mas como já disse, teria que ser do meu jeito.
O primeiro passo seria deixar de lado a psicóloga, o segundo passo era tentar entender que tudo que estava fazendo no carro poderia ser um investimento para o futuro e o terceiro e mais importante passo, deixar de se preocupar com a vida das outras pessoas.
Caso ela aceitasse, faria de tudo para ajudá-la a sair dessa depressão e diante dessa oferta ela aceitou seguir meu conselho, até porque ela já estava cansada de frequentar a psicóloga e não ter nenhum resultado.
Por fim, acredito que ela percebeu sozinha que a psicóloga mais embaralhava sua cabeça do que ajudava, pois se eu a acompanhasse na sessão, o discurso era de que eu só queria ajudar, que ela deveria me ouvir mais, tentar ser compreensiva com a realização do meu sonho e etc, mas caso eu não fosse junto, o discurso mudava completamente e ela dizia que eu dava mais atenção ao carro, que depois de pronto eu iria deixá-la e muito mais.
Ela ligou para a psicóloga (para dizer que não iria mais as sessões que estavam marcadas), mas a psicóloga disse que estava ocupada e não podia falar com ela no momento, nem quis ao menos saber o motivo da ligação e disse que ligaria mais tarde. No caso estamos esperando a ligação dela até hoje e ela nunca nos retornou.
Estava disposto a procurar outra psicóloga para ajudá-la, até a levei a um psiquiatra, que me disse para ter paciência, pois teria que esperar o período de desintoxicação do corpo para que ela melhorasse e que no momento o correto seria não usar nenhum medicamento para a depressão, apenas medicou com um medicamento para a ansiedade e auxiliar no sono, pois ela já não conseguia mais dormir.
Sempre dizem que depois da tempestade vem à bonança e acredito que comigo foi igual, pois no dia seguinte, dia do meu aniversário, foi um dia como não tinha há muito tempo, ela ficou comigo o dia todo sem discutir, ficamos juntos, fizemos planos para o futuro, e planejamos até fazer um passeio no fim do mês, mas mesmo assim, ainda havia um “fantasma” rodeando minha cabeça, o “fantasma” da depressão e da incerteza. Será que esse estado de espírito tão bom seria somente por hoje? E amanhã? Dia em que eu teria que trabalhar no carro, como seria? Como ela reagiria depois que falasse a ela que iria trabalhar no carro no sábado de manhã?
Achei melhor falar sobre isso só à noite, um pouco antes de levá-la embora, porém depois que toquei nesse assunto, ela foi franca comigo, ela me disse que não queria saber mais nada sobre o carro, não queria nem mesmo saber se eu estava trabalhando nele, se estava acabando, se estava vendendo, absolutamente nada! Por mim tudo bem, não tocaria mais no assunto do carro com ela desde que ela também parasse de me acusar de gastar mais dinheiro com o carro do que com ela, pois ela mesma sabia que qualquer coisa que ela tinha vontade, eu me desdobrava para comprar, com o intuito de ajudar a melhorar sua depressão.
Sábado de manhã, meu pai e eu fomos à oficina do Português e para minha surpresa, meus primos também quiseram ir juntos, para ajudar a terminar de montar o carro, faltava pouco, já havia montado o painel na quinta-feira, entre muitas outras coisas, agora estava faltando colocar o tanque de combustível no lugar definitivamente, ligar as novas linhas de combustível, as linhas de retorno e a novas linhas de respiro, já havia colocado a tampa do diferencial que já estava cromada e outros pequenos detalhes.
Não era fácil fazer esse trabalho, tivemos que erguer a parte traseira do Dodge com um macaco e para maior proteção, calçamos suas rodas dianteiras com calços apropriados e colocamos pequenos cavaletes sob o chassi do mesmo, mas a maior dificuldade era o espaço para trabalhar com as mãos, pois tudo era muito apertado. Para colocar o tanque no lugar, erguemos ele com o mesmo macaco utilizado para erguer o carro, depois me deitei debaixo dele para poder prender suas novas cintas metálicas, mas ele não encaixou na primeira tentativa, tivemos que descê-lo duas vezes para que o mesmo se encaixasse perfeitamente e numa dessas vezes ele escorregou do macaco e caiu sobre o meu joelho, mas não foi nada de mais, apenas pequenas escoriações.

 Ligando as linhas de combustível e retorno ao novo tanque de gasolina.

Enquanto montava o carro, o Português já estava me cobrando para desocupar o lugar, pois conforme o combinado ele já havia terminado o carro e ele precisava desse espaço para colocar os outros carros que saiam da pintura. O tempo passava muito rápido, já estávamos no dia 13 de agosto de 2005, meu desconto de horas do trabalho já haviam acabado e só estávamos trabalhando no carro aos sábados. O carro já estava pintado e conforme combinamos, a parte de montagem do carro era por minha conta, ou, resumindo, seu trabalho já havia terminado e estávamos ocupando espaço e ferramentas de sua oficina. A última coisa que ele teria que fazer era um polimento final. Mesmo assim, pedi que deixasse o carro por ali, até pelo menos acertar com o Tonhão para fazer a nova parte elétrica do carro. Nesse mesmo dia, ao sair da oficina, fui falar com o Tonhão a respeito da parte elétrica e deixei tudo acertado para levar o carro já na segunda feira, pois a maior parte dele já estava montada.


Da esquerda para a direita. Meu primo Fernando, meu Pai, meu primo Diego e meu primo Danilo durante a montagem do carro.

O carro já com quase todos os seus detalhes montados.

Era chegada a hora de começar a correr atrás das peças e detalhes que ainda estavam espalhadas pela cidade, aproveitei também e fui buscar os instrumentos do painel que estavam na oficina do Dimas, da oficina Velo Dimas, especializada em painéis automotivos.
Na oficina dele, já vi vários carros antigos, como por exemplo, um Pontiac 74, uma Ford Ranchero 1957, Oldsmobile 88 1957 entre muitos outros.
O que me deixava mais contente era ver que alguns carros que estavam abandonados naquele ferro-velho próximo a Rio das Pedras, (o mesmo ferro-velho no qual estava o Impala 1959 que quase comprei) estavam sendo restaurados por um colecionador de Piracicaba. O proprietário do ferro velho decidiu vender quase todos os carros que lá estavam, alguns foram adquiridos por um grande comerciante de São Paulo, o qual arrematou quase 300 carros entre bons e péssimos estado, pois alguns anos atrás esse ferro velho foi alvo de um incêndio, o qual se alastrou facilmente pelos carros abandonados em meio ao mato, queimando vários carros, inclusive alguns muitos raros, como um Dodge 1939, outros foram comprados por outro grande comerciante de pick-up, que inclusive quando esteve em Rio das Pedras rebocando os carros e pick-ups que havia comprado, passou em casa para ver o Dodge, mas nessa época, o carro estava na oficina e ele não pode vê-lo.

 Entre outros carros, um raro Dodge 1939 que foi queimado durante um incêndio no ferro-velho próximo a Rio das Pedras.
  Acima Chevrolet Bel Air 1958 e abaixo...
Chevrolet Bel Air 1957, ambos sem condições de serem restaurados, servindo apenas como doadores de peças a outros carros. 


 Apesar da maioria dos carros estarem como esse Ford Fairlane 1960 acima, (o mesmo que estava em meio ao mato, ao lado do Ford Fairlane 1959 em Rio das Pedras), esse ferro velho ainda possuía vários carros em bom estado, como essa Mercedes Benz preta abaixo que encantou meu pai.
 


Já outros carros, esse colecionador de Piracicaba comprou e dentre eles, vários já estão restaurados, como por exemplo, um Studebaker 1951 e um lindo Ford Fairlane 1958 coupê, o qual sempre admirei, entre outros carros.
Quando chegamos à oficina do Dimas, ele estava acabando de montar o painel do Studebaker 1951 que estava com seu motor V8 original e pintado de outra cor, pois quando estava no ferro-velho estava pintado de azul.
Depois de pegar todas as peças na cidade, juntei-as no porta-malas do Dodge e pedi para que o Português levasse o carro até a oficina do Tonhão, mas ambos concordamos que seria melhor não funcionar o carro e levá-lo rebocado até a oficina do Tonhão. Na segunda feira, não pude acompanhar o trabalho que seria executado no Dodge, pois meu pai e eu estávamos trabalhando, mas o Tonhão ficou responsável de levar o Dodge até sua oficina. Pelo que fiquei sabendo, o carro foi rebocado pela caminhonete que o Português usava para rebocar seus fornos usados em churrasco.

  
Acima, Ford Fairlane 1958, que estava abandonado no ferro velho e abaixo (embora não pareça) o mesmo carro já restaurado.


 Acima Chevrolet Bel Air 1957 e abaixo Oldsmobile 1961, carros que também estavam nesse ferro velho e estão apenas aguardando o momento em que serão restaurados.

 

Acima e abaixo, o Dodge na oficina auto elétrica do Tonhão, já com a parte elétrica sendo ligada. 
   
 A situação da minha noiva havia melhorado um pouco, mas ela sem querer sair e como havíamos combinado, marcamos um dia para ir a um pesqueiro, a convite do meu tio Valdemar (o tio Zé). Não tinha nem ideia do que iríamos fazer nesse pesqueiro, a única coisa que sabia era que o local era excelente para quem gosta de contato com a natureza e como nem eu e nem ela gostamos de pescar, resolvi levar uma rede para descansarmos, pois pensava que não iríamos fazer muita coisa durante o dia.

Quando chegamos ao pesqueiro, ele ainda estava fechado, mas na primeira olhada, já na entrada, vimos uma casa onde se fazia a inscrição para fazer um passeio em pontes de cordas sobre as árvores, só depois que estacionamos tive uma noção do tamanho desse pesqueiro. Durante o dia, fizemos de tudo um pouco nesse pesqueiro, mas isso não foi o suficiente para animar minha noiva, pois apesar de aparentemente parecer alegre, percebia nitidamente que ela estava sem vontade de fazer qualquer coisa.
Nunca falei nada sobre o que estava acontecendo com ninguém da família, apenas minha mãe e meu pai sabiam do que estava realmente acontecendo, mesmo assim, não falava quase nada para eles também, mas acredito que quase todos sabiam da situação da minha noiva, mas mesmo assim, ninguém comentava nada, pelo menos na minha presença.
Durante o passeio no pesqueiro, minha noiva suava muito e nem estava tão calor assim, isso ainda era efeito da medicação que estava em seu organismo e o pior eu ainda estava por descobrir.
Comecei a notar que sempre depois que minha noiva acabava de comer alguma coisa ela procurava discretamente ir ao banheiro e no pesqueiro não foi diferente. Quando acabamos de comer um lanche, (ela não comeu mais que a metade e deu o resto para que eu terminasse de comer), ela procurou um banheiro e quando saiu do mesmo, estava suando frio e com fraqueza.
Não sei como não tinha percebido isso antes, como não tinha me dado conta do que estava acontecendo, talvez por não almoçar e jantar com ela todos os dias, nunca tivesse prestado atenção, mas ela estava começando a ter bulimia.

 Acima, foto da minha noiva durante o passeio num pesqueiro, mesmo passando um dia bem agradável, percebe-se facilmente seu desanimo na foto abaixo.


Depois que voltamos do pesqueiro, conversei muito com ela e perguntei o que estava acontecendo?
Ela me disse que estava com medo de engordar novamente e que quando se olhava no espelho, se via mais gorda a cada dia e a única maneira que ela encontrou de continuar magra, foi vomitando depois que acabava de comer, pois havia parado de fazer academia devido a suas fraquezas.

Depois de ouvir isso, me senti um trapo, imagine alguém que está lutando há tanto tempo contra um inimigo que não se consegue ver e quando você pensa que está conseguindo vencê-lo ele aparece com uma nova estratégia! Tive vontade de desistir de tudo, abandonar tudo e simplesmente sumir, tinha vontade de deitar, dormir e só acordar quando esse pesadelo acabasse, mas não podia, tinha que enfrentar essa situação, seria um covarde abandonando minha noiva nesse estado.

De volta ao trabalho, conversei com várias médicas sobre pacientes com bulimia e todas me disseram mais ou menos a mesma coisa, não deixar a paciente sozinha e procurar acompanhamento psiquiátrico.

Posso dizer que senti na pele o que a maioria das médicas me disseram, pois conforme o tempo ia passando, parecia que a Flávia ia cada vez mais se afundando na depressão.Certa vez combinamos de sair num sábado a noite, mas ela não tinha vontade de ir a lugar algum, nem mesmo para assistir a algum filme no cinema ou para passear no shopping e quando cheguei na sua casa, sua mãe veio desesperada ao meu encontro dizendo que não sabia mais o que fazer com sua filha, pois ela tinha passado o dia todo trancada no quarto, sem querer comer nem beber nada.

Ela não queria nem mesmo abrir a porta que estava trancada por dentro, só falava com sua mãe pela janela que também estava trancada.

Quando cheguei na janela pedi que ela abrisse a porta e ela me pediu para ir embora, disse que não queria nem ver nem falar com ninguém!
Insisti para que ela abrisse a porta, para que pudéssemos conversar um pouco, mas ela relutava em abrir a porta, apenas me dizia que queria ficar sozinha e deitada.
Sua mãe já estava muito nervosa, não sabia mais o que fazer e num ato de desespero ela me disse que era para tirar sua filha daquele quarto de qualquer jeito, nem que para isso fosse necessário que eu arrombasse a porta!
Não chegaria a tanto, mas confesso que vontade não faltou, pois somente depois de muita conversa e com a minha promessa de que ninguém insistiria para que ela saísse do quarto, finalmente ela decidiu abrir a porta.
Logicamente cruzando os dedos, prometi que não insistiria, mas é claro que a primeira providencia que faria depois de entrar, seria arrumar um jeito de fazê-la sair daquela cama onde passou o dia deitada.
Depois de muitos anos juntos, embora já frequentasse sua casa diariamente, essa era a primeira vez que havia entrado em seu quarto e a primeira coisa que vi foi um pôster do Elvis Presley na porta do seu quarto.
Esse pôster já velho e desbotado tinha sido um presente meu há vários anos atrás, era um pôster de uma revista de música que havia comprado com quase 60 centímetros de altura. Até estranhei dela ter guardado esse pôster com tanto carinho, pois ela nunca gostou das músicas de Elvis, sempre preferiu músicas sertanejas. Esse era uma forma para tentar animá-la, comecei perguntando do pôster, porque ela não havia jogado ele fora, já que estava todo amassado e desbotado?
Ela me disse que o pôster a fazia se lembrar de mim, na época em que começamos a namorar. Não que eu seja parecido com Elvis Presley, longe disso, é por que eu gostava de músicas dos anos 50 e 60, incluindo Elvis e também porque foi um presente meu para ela.
Depois de muita conversa, descobri que ela estava assim por conta do casamento da sua irmã mais nova, que já estava se aproximando.
Seguindo o conselho das médicas, não queria deixá-la sozinha, então ao invés de sairmos, convidei-a para ir até a minha casa, para assistirmos a algum filme ou simplesmente ficarmos juntos e ela se negava a sair do quarto.
Pedi licença para sua mãe e retirei a Flávia do quarto no colo para irmos até em casa, mas na verdade, nem chegamos a ir, ficamos rodando de carro pela cidade até ela melhorar um pouco, pois ela não queria nem ver e nem falar com mais ninguém além de mim.
A teimosia sempre foi uma de suas mais chatas “qualidade”, mas eu também sabia ser mais teimoso que ela e o maior exemplo disso foi quando ela estava em casa, muito fraca, sem vontade de se alimentar e se recusava ir ao médico. Liguei para ela na hora do meu almoço, pois estava no trabalho e ela disse que havia almoçado bem, desconfiado pedi para falar com minha mãe, (que me ajudou muito nesse período, também cuidando da Flávia), e minha mãe confirmou minha suspeita, a Flávia não havia comido nada, só queria ficar deitada e reclamava muito de fraqueza, ela também me disse que a Flávia quase havia caído no banheiro de tão fraca que estava.
Isso bastou para que eu pedisse uma receita de um soro com vitaminas para uma médica que estava de plantão e na saída do trabalho, passei em uma farmácia e comprei tudo que era necessário para instalar o soro em casa mesmo, pois sabia que ela não iria até o pronto socorro para receber esse soro com vitaminas.
Quando cheguei em casa, ela estava tão pálida e fraca que mal conseguia sair da cama, mas mesmo assim, se recusava a aceitar o soro.
Eu disse que ela tinha duas escolhas, ou eu instalava o soro nela em casa ou ela iria carregada à força para o pronto socorro e lá eu a deixaria internada até que os médicos resolvessem dar alta a ela? Era só escolher!
Como ela sabe que sou mais teimoso que ela e que quando faço uma promessa eu a cumpro, ela decidiu aceitar o soro, mas a primeira pergunta que ela me fez foi se esse soro engordava muito?
Dá para acreditar! Uma pessoa que perdeu mais de 30 quilos, não estava se alimentando, estava com fraqueza, depressão, bulimia e a maior preocupação é se o soro engorda! Nem mesmo respondi sua pergunta. Adaptei uma peça do fogão da minha mãe (isso mesmo, do fogão) como suporte de soro na janela do quarto e já fui instalando o soro com vitaminas, depois tratei de puncionar uma boa veia para que o soro fosse administrado em pelo menos três horas.
Ela não havia recebido nem mesmo metade do soro e já estava querendo que eu o retirasse, pois não queria engordar com essas vitaminas que tinham no soro. É claro que não permiti e ela teve de esperar até o soro terminar, ainda a ameacei caso ela retirasse o soro da veia, iria furá-la novamente para puncionar outra veia, tantas vezes quanto fosse preciso até que o soro terminasse. 

Para ler a última parte dessa história, clique aqui:
http://blogdoski.blogspot.com.br/2016/05/o-diario-de-um-sonho-parte-final.html

 
 

8 comentários:

  1. Esse Chevrolet 1959 era de uma funerária que ficava bem perto de casa ,na avenida Independencia ,aqui em Piracicaba.

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  2. Boa Noite!!! Quais desses carros ainda se encontram à venda??
    João Batista
    jobaf1952@bol.com.br

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  3. Boa noite
    Amigo, li por completo sua história. Gostei muito e gostaria de postar em uma comunidade de antigos que participo no Facebook. Você autorizaria a postagem do link? Falando em Facebook... Você teria um perfil?

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